A história é clássica. No auge do sucesso e logo após de gravar um disco duplo só de sucessos, o vocalista deixa a banda. Rodolfo, depois de uma fase em que afundou em drogas pesadas, alega ter encontrado paz na religião e abandona o posto de frontman do Raimundos, banda que levou nas costas (junto com Planet Hemp e Charlie Brown Jr.) o rock dos anos 90 lá no topo.
Isso foi em junho de 2001. A banda acabou e rapidamente os integrantes remanescentes — Digão, Canisso e Fred — anunciaram que a banda continuaria estrada e sem a entrada de outro vocalista.
Nos anos que foram seguindo, a briga foi instaurada. De um lado o Rodolfo, agora Abrantes e missionário evangélico, que procurou se afastar ao máximo da sua antiga vida de rockstar viciado e putanheiro. Do outro, seus antigos amigos que sempre se sentem ofendidos com as declarações do ex-vocalista para com a banda que eles ainda são. Sempre que o Rodolfo Abrantes aparece para alguma entrevista, escapa algo contra seu passado (e, automaticamente, contra do Raimundos). Sempre, horas ou dias depois (dependendo da tecnologia do recorte no tempo), os outros integrantes aparecem para rebater as afirmações dadas.
E continua assim até hoje. Ou até o começo dessa semana, quando o missionário itinerante Rodolfo Abrantes deu uma entrevista à Revista Trip com a seguinte afirmação:
“Eu tenho 100% de arrependimento” [sobre as letras da época do Raimundos]”
Poucas horas depois, Digão e Canisso se pronunciaram:
Isso ninguém pergunta: se vc está 100% arrependido,não é contraditório viver da grana da sua ex-banda??
— Canisso RMDS (@Khanisson) June 10, 2014
Uma puta contradição, a gente rala pra caralho pra manter a banda em evidência e pingar um dinheiro de direito autoral na conta do infeliz
— Canisso RMDS (@Khanisson) June 10, 2014
pro cara pagar de surfista-pastor-popstar ARREPENDIDO de Camburiú…devia ter a humildade de demonstrar agradecimento
— Canisso RMDS (@Khanisson) June 10, 2014
que somos dignos de atenção, que a banda ainda é relevante, que nosso Show é o BICHO
— Canisso RMDS (@Khanisson) June 10, 2014
sem cenário, com som fuleiro, em qualquer buraco desse Brasil a gente mantém essa banda VIVA,descendo a lenha e fazendo a poeira levantar
— Canisso RMDS (@Khanisson) June 10, 2014
Mas, por que será que esses caras ainda brigam entre si?
Rodolfo Abrantes, ex-raimundos e perturbado com seu passado
O começo do respeito com esse cara começa pelo fato de ter abandonado uma banda idolatrada em seu auge para recomeçar. Independente de qual novo ciclo, tem que ter uns baita colhões para seguir com essa manobra. Acho muito respeitoso e digno de uma pessoa fazer isso.
O problema é que o missionário que ele é hoje não soube, até o presente momento, separar esses dois ciclos. Foi uma fase da vida dele em que suas convicções eram diferentes e suas ideas de legado eram outras. Se ele não curte mais a onda, não vê mais sentido naquilo, nada mais justo que seguir. Mas ficar com arrependimentos e tocando nessa ferida sempre que pode mostra que ele ainda é, sim, o ex-vocalista da banda Raimundos, e não apenas um evangélico.
As pessoas mudam, casais se divorciam, maridos e esposas saem do armário e a cada quatro anos votamos para a mudança (ou reeleição) de presidente. Por que não poderia ser assim com ele? Enquanto ele carregar essa culpa — que, de fato, não existe — não vejo como o Rodolfo Abrantes construir um futuro.
Digão e Canisso, os namorados inconformados
O namoro acabou, caras. Let it go.
Quando uma ex-namorada solta indiretas no Facebook, a tendência é a de que, quanto menos apegado, menos crédito você dá. Se os dois continuam sofrendo com os “diz que me disse”, eles também são apegados aos anos dourados da banda. Isso era até compreensível há alguns anos, já que a banda sofreu um baque muito forte nas questões de prestígio e financeiro com a saída do vocalista. Afundou num ostracismo desastroso, gravou discos que nem de longe deram a repercussão dos antecessores, saíram dos grandes estádios e festivais para tocar nas mais estranhas bibocas que esse Brasil sem padrão FIFA pode oferecer.
Mas, mais de uma década depois, não faz o mínimo sentido ainda perder a razão com picuinha de uma relação tão distante. Mesmo com a questão dos direitos autorais.
O que o missionário Rodolfo faz com sua grana não diz respeito a ninguém, mesmo que ele rejeite seu passado. E não adianta a banda de hoje reclamar, sendo que eles tocam, de fato, muitas músicas em seu repertório que teve participação do ex-vocalista que tem direito a receber a grana. É isso. É o mesmo que sentar e chorar e reclamar de pagar, por exemplo, o Imposto de Renda. Tá aí e tem que pagar. Não quer pagar (o Rodolfo, não o IR)? Deixa de tocar as músicas da época que ele era do Raimundos.
Não dá? Então continuem pagando e acabou.
O problema não é a grana. É o apego. De um com o presente que vive no passado e dos outros que querem viver um passado que já não mais tornará a existir.
E quem está certo nessa história?
O Fred, ex-baterista da banda que seguiu em frente com a sua vida e, quando quer, toca com os Raimundos.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.