É uma visita pra sua mãe num feriado, um casamento do irmão, o batizado de uma priminha. Família reunida, o clima é bacana, a comida é bem melhor do que a meia lasanha congelada complementada com miojo e banana que você come em casa, é gostoso estar de volta ao seio do seu núcleo familiar, aquele ambiente onde não apenas todos sabem seu nome como também te chamam por algum apelido carinhoso que você não gosta quando usam em público mas ali está tudo bem.

Durante uma pausa no evento, você tá sentado no cantinho, mexendo no celular, brincando com as crianças da família, curtindo uma tevêzinha, e se aproxima alguém. Pode ser sua mãe, seu tio, sua querida vovó, é o famoso familiar. O sorriso é caloroso, o jeitinho é gentil, possivelmente está trazendo mais comida e você sabe que não deveria comer mais mas tem um lado da sua mente que lembra da batalha palha com batata palha do jantar de terça e pensa “aceita sim, que isso, tá doido”. E aí vem a pergunta, às vezes num tom animado, se você passou dos 30 num tom já mais preocupado. “E aí, como tão as namoradinhas?”.

Você dá aquele sorriso sem graça, fala que tá tudo indo bem mas nada sério, tenta colocar 5 coxinhas na boca ao mesmo tempo, não apenas como rota de fuga mas porque tá boa demais a coxinha, e aí vem o segundo golpe, antes mesmo que você consiga alocar a sexta coxinha. “E o trabalho, como que tá?”. Você, 5,5 coxinhas na boca, esboça um sorriso e emite um “grrrrhmmos nháhhhghraaacil”, que é sua forma de falar “digamos que não tá fácil”.

Expectativa ou realidade?

E ainda que esse tipo de pergunta possa parecer invasiva e ser um dos maiores motivos de reclamação das pessoas sobre eventos familiares, junto com a famosa discordância política durante a refeição, ela na verdade reflete menos uma necessidade da sua tia Odete de jogar na sua cara a sua dificuldade de estabelecer relacionamentos duradouros e mais o fato de que ela e você tem visões diferentes do que seriam os marcadores básicos de felicidade. Ainda que ok, talvez no caso da tia Odete tenha algo de sádico no lance mesmo, nunca gostou de você a tia Odete.

Isso porque para as gerações anteriores era muito claro – ou muito mais rigidamente estabelecido – o tipo de elemento que formava a felicidade: uma relação estável e um bom emprego. Se você fosse casado ou tivesse um bom namoro e conseguisse se manter por um bom tempo num emprego também estável e que oferecesse boa remuneração/bom status, você estaria “feliz”. Seus pais poderiam sentir que cumpriram a parte deles, seus tios considerariam seu caso como resolvido, sua avó poderia parar de se preocupar contigo e focar todo o receio dela no seu primo Jefinho que está tentando ser DJ.

Daí a necessidade de mães, tias, avós, de realizar esse tipo de pergunta e também daí a confusão gerada por qualquer reposta que fuja do padrão esperado. Como assim a sua vida pessoal está bem se você não tem um relacionamento estável e uma namoradinha ou namoradinho pra levar nos casamentos? Como assim você está se sentindo bem profissionalmente se não passou num concurso público e sim continua envolvido com aquele projeto de economia colaborativa que você já tentou explicar três vezes pro tio Nelson e ele entendeu apenas que envolve “essas coisas de jovem”.

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"É, tio, é isso o que eu faço"

E isso pode querer dizer duas coisas. Por um lado representaria essa mudança dos paradigmas de felicidade que as gerações anteriores haviam aprendido a reconhecer. Você não precisa ter uma relação estável monogâmica para ser feliz porque hoje existem vários outros modelos de relacionamento possíveis que você pode adotar se for o que funciona pra você, incluindo não ter nenhum relacionamento, por exemplo. O mesmo vale para as relações de trabalho, que hoje funcionam de uma maneira totalmente diferente de como funcionavam na época dos nossos pais e avós – ainda que isso não seja necessariamente sempre uma coisa boa.

Mas por outro lado, isso poderia ser um sinal também de que perdemos a capacidade de fazer as coisas funcionarem dentro de alguns termos mais básicos. Você não tem mais relações estáveis porque esse modelo de relacionamento não funciona para a felicidade que você procura ou porque você não tem maturidade e equilíbrio emocional para um romance monogâmico? Você se dedica a hobbies porque não espera que todo o seu senso de realização profissional venha do seu emprego das 8 ás 5 ou porque aceitou que seu trabalho é apenas um moedor de carne de onde você tira só dinheiro e alguns estranhos sonhos onde você ataca seu chefe com um grande pedaço de bacalhau?

É complicado ter certeza do que é a felicidade nos dias de hoje? Com certeza. É bem difícil entender, mesmo se você chegar a ter certeza do que te faz feliz, qual o caminho certo em direção a isso? Muito difícil. É mais complicado ainda externar essas preocupações para a sua mãe, que quer apenas te ver morando com uma moça/rapa de aparência simpática em quem ela possa confiar para não te deixar sair sem casaco, dormir sem escovar os dentes ou jantar biscoito durante uma semana? Definitivamente. Mas uma coisa que você pode saber é que quando ela ou qualquer outro familiar pergunta sobre as namoradinhas, sobre o emprego, a intenção é muito menos ser invasivo ou te perturbar e muito mais mostrar que esperam pra você o mesmo tipo de felicidade que sempre buscaram pra eles, e por isso acabam se expressando com as mesmas referências.

Exceto a tia Odete, claro. A tia Odete quando a sua avó falava que você era lindo replicava que tu é no máximo “apresentável”. Ela realmente não gosta de você.

João Baldi Jr.

João Baldi Jr. é jornalista, roteirista iniciante e o cara que separa as brigas da turma do deixa disso. Gosta de pão de queijo, futebol, comédia romântica. Não gosta de falsidade, gente que fica parada na porta do metrô, quando molha a barra da calça na poça d'água. Escreve no (<a>www.justwrapped.me/</a>) e discute diariamente os grandes temas - pagode