Nota do Editor: Para conhecer o percurso do qual este texto faz parte, leia “Dinheiro: um outro modo de usar” e “Planejamento Financeiro: um começo para quem não sabe por onde começar”, também do Eduardo Amuri.

Depois de se dedicar a entender nosso fluxo financeiro por um certo período, é muito comum que algumas soluções mais óbvias saltem na nossa frente. A ideia agora é detalhar alguns pontos que geralmente passam batidos, algumas conclusões não tão evidentes, que podem ser tiradas a partir de uma análise fria de como o dinheiro está sendo empregado.

Antes de começar, porém, precisamos que algumas informações tenham sido levantadas. Algumas boas dicas de como deixar tudo escancarado foram listadas no meu último texto. Independente da maneira utilizada para colher e expôr as informações (papel e caneta, planilha, software), é fundamental que, além de conhecer bem seus gastos fixos e variáveis, a pergunta abaixo tenha sido verdadeiramente respondida, de coração:

 

Por que eu acredito que lidar melhor com o dinheiro é algo útil?

Se depois de ler sobre uma outra maneira de lidar com seu dinheiro você ainda não se convenceu de que seria uma vantagem gigantesca dar atenção para ele, vale refletir de novo.

Esse ponto é importante porque somos falhos, bem falhos. Se você não tiver as razões bem claras, o processo vai trazer mais frustração do que benefício.

Quanto menos malabarismo, melhor. Vamos à análise.

 

Custo fixo como base

Custo fixo é o custo recorrente, mensal. São despesas que vão ocorrer independente do nosso humor. A compra de roupa, por exemplo, não entra aqui. Já o IPVA (se parcelado), entra. Bons exemplos são: aluguel, condomínio, conta de luz, celular, academia, cursos.

Tudo que não oscilará nos próximos 3 meses é fixo.

Justamente por ocorrerem independente das circunstãncias, essas despesas tem que ser levadas a sério. Muitas vezes temos dó de cortar esses custos fixos por achar que estamos sacrificando nosso bem estar ou nossa qualidade de vida, mas sacrificar o bem estar de verdade é lotar a casa de revistas que não lemos ou nos martirizarmos por pagar uma academia que não frequentamos.

 

Para não errar com assinaturas, planos mensais e contratos mágicos

As grandes empresas não são ingênuas. Elas sabem fidelizar clientes e elas sabem que adoramos comodidade. Não é raro fecharmos o olho para o custo real (e muita vezes mascarado) das coisas.

Durante 2011, assinei por 12 meses a revista “Pequenas empresas, grandes negócios”. Paguei 6 parcelas de R$23,00. A principio, era uma economia, afinal, se eu comprasse cada exemplar separadamente, pagaria R$ 152,00. O ponto é que das 12 edições que recebi, li 5. As outras 7 ficaram jogadas, ou porque não me interessaram tanto, ou porque estava em um mês extremamente atarefado no trabalho.

Em 2012, fiz diferente. Cortei as assinaturas e resolvi que compraria os exemplares que me interessassem. Até agora, comprei 4 edições da Pequenas Empresas, Grandes Negócios. Gastei, com elas, R$ 43,60. Além delas, comprei 2 edições da Você S/A que me interessaram quando visitava a banca. Ao todo, foram gastos  R$ 69,40. Li mais do que em 2011 e gastei menos da metade.

Dá para aplicar o mesmo raciocínio com academias, mensalidades de cartão de crédito, mensalidades de celular, dentre (muitos) outros.

Opção de lugar para gastar dinheiro é o que não falta.

 

A casa pode ficar, mas talvez a montanha-russa seja um supérfluo

 

Um provável ralo: despesas variáveis

O exemplo ilustrado no começo do post é real, de uma pessoa que acompanho financeiramente há dois meses. Ela recebe, líquido (depositado na conta corrente, já sem impostos), R$ 4600,00 por mês e não poupava nada desse valor.

Com o fixo em mãos, dá para sacar facilmente o quanto está sendo gasto em despesas variáveis e miudezas: se o fixo totaliza R$ 2200,00 e o salário é de R$ 4600,00, quer dizer que o os gastos variáveis somam R$ 2400,00.

Nem tudo é supérfulo ou cortável. Desses R$ 2400, R$ 400 eram gastos no supermercado, em compras semanais. Dos R$ 2000,00 que sobraram, R$ 250 eram gastos com gasolina e R$ 400 com jantares com a namorada. Restavam R$ 1400. E aqui estava o grande problema. Mais de 30% da renda gasta com vento, com nada que realmente valesse a pena. Ele nem se lembrava do que era.

Totalmente compreensível gastar com diversão, bagunça, algumas extravagâncias etc. O triste é não fazer ideia do destino do dinheiro. É como se acordássemos cedo para trabalhar todos os dias, durante os 20 dias úteis do mês e só nos pagassem por 14. O salário referente a 6 dias sumia.

Leia também  Sociedade B: você faz parte dela?

 

Não tenha medo de ver uma verdade dolorosa

Se pararmos para analisar nossa rotina, ato por ato, provavelmente vamos concluir que grande parte deles são condicionamentos. Coisas que são disparadas por algum gatilho automatizado: termino de usar o banheiro e puxo a desgarga; saio de casa e fecho a porta.

Vejo o relógio marcar meio dia e sinto fome, independente do que eu tenha comido antes. Há anos que almoço nesse horário.

Sempre me orgulhei do meu “vício” em coca-cola. Me parecia um negócio impossível de largar. Foi verdade absoluta por anos e anos. Questionei, tentei ficar sem por uma ou duas semanas. Hoje tomo bem pouco.

A mesma coisa acontece com as despesas que escolhemos ter. Muita coisa está lá porque um dia você teve uma certeza absoluta de que precisava, e depois nunca mais se questionou sobre isso.

Com as despesas fixas a ponderação é mais simples, porque fica fácil perceber se alguma coisa está pesando à toa. No caso citado no começo deste texto, a parte fixa estava bem distribuida, salvo a questão da conta de celular. Trocamos a conta pós-paga de 100 reais por 50 reais de crédito pré-pago por mês, mais 15 reais de plano de dados.

A reação inicial foi “celular pré-pago é coisa de pobre, cara”, mas essa impressão passou assim que o dinheiro começou a sobrar na conta.

 

O gasto nosso de cada dia

Depois de lançar um olhar mais profundo para os gastos fixos, vale fazer a mesma coisa com o variável.

Observe-se atentamente por alguns dias e tente perceber quais são os impulsos de compra que surgem. Quando eu faço esse exercício, percebo que eles se dividem em algumas categorias: mau humor/preguiça, conforto, satisfação de pequenos desejos pessoais, dentre outras.

De novo, não há mal nenhum em gastar com conforto, agrados e mimos. O ponto é:

 

Realmente queremos gastar com aquilo ou o fazemos simplesmente porque estamos acostumados e pensamos que não há outra alternativa?

Isso, para mim, é uma grande sacada, porque desmente o fato de que ter consciência e habilidade financeira é ser muquirana, mão de vaca etc.

Sempre gastei muito com restaurantes. O vale-alimentação que recebia das empresas em que trabalhei durava até o dia 10, 15 no máximo. Reduzi drasticamente, comecei a frequentar lugares mais baratos.

Aqui eu poderia encaixar um discurso do tipo:

 

“aí eu junto esses 10 reais de economia por dia e em breve vou ter um milhão”.

Mas não. Não é esse o ponto. O ponto é que eu não aproveitava de verdade essas refeições.

Geralmente estava na correria, com a cabeça entupida de questões do trabalho, mal distinguia o gosto da comida. Não estou investindo esse dinheiro economizado. Gasto a noite, indo a algum bar com um amigo, comendo em algum lugar melhor no final de semana, tanto faz.

Nem sempre a questão é gastar menos. O lance é gastar melhor.

 

Onde você está?

Da mesma maneira que dá para ser classificado em sedentário, atleta de final de semana e  atleta profissional, existem simbolismos que são bens comuns nos livros de finanças. Algumas são economiquês e não se aplicam ao nosso papo, mas existe uma que talvez seja útil para nós, que estamos apenas querendo ter uma vida melhor. São as espirais.

Não sei quem propôs a analogia pela primeira vez, mas acho que foi o Christian Barbosa, no Mais tempo, mais dinheiro. A ideia é categorizar nosso momento financeiro em uma dessas três espirais:

  • espiral do endividamento;
  • espiral da classe média e;
  • espiral do dinheiro.
  •  

Cada uma delas tem características próprias, mas todas são espirais e a figura não foi escolhida ao acaso. Os momentos financeiros tendem a valer-se de inércia. Ou seja, uma pessoa endividada tende a ficar mais endividada, uma pessoa estagnada tende a permanecer em estagnação e uma pessoa rica tende a ficar mais rica.

Dinheiro chama dinheiro. E é por isso que ao invés de insistir em técnicas muito elaboradas, eu acredito numa abordagem mais humana. É um lance muito mais comportamental do que econômico.

Identificar o momento financeiro que estamos atravessando pode ser bem útil para dar um rumo diferente para a história.

Ninguém emagrece achando que está magro.

Em qual espiral você está? Qual a maior dificuldade? Como está o seu percurso com o dinheiro?

Eduardo Amuri

Autor do livro <a>Dinheiro Sem Medo</a>. Se interessa por nossa relação com o dinheiro e busca entender como a inteligência financeira pode ser utilizada para transformar nossas vidas. Além dos projetos relacionados à finanças