Como o equivalente masculino às meias com cinta-liga é a cueca boxer com suspensório, melhor falar de coisas mais agradáveis. Decidi fazer uma pequena genealogia de um conjunto de artefatos que deixam qualquer homem louco: pernas, meias sete oitavos e cinta-liga.

Para as mulheres leitoras do PdH, explico dizendo que se trata do mesmo prazer sensitivo proporcionado por um sorvete de pistache. Assim, a leitura das mulheres já pode parar por aqui. E as próximas linhas são exclusivas para homens. Ponto. Nova linha.

Desculpa, meninas, por deixar vocês de mãos atadas

Seguisse o mundo uma lógica maniqueísta, Deus teria inventado as pernas femininas, suas curvas e contracurvas, joelhos, tornozelos e, finalmente, os pés. Feliz com a perfeição da obra acabada, Nosso Senhor teria colocado a mulher no mundo.

A delicadeza do projeto final serviria de inspiração a poetas, músicos e pintores, enquanto a humanidade teimosa persistisse na sua famigerada existência. Até aí, tudo certo. Mas [e sempre tem um maldito mas] Lúcifer, fanfarrão e invejoso como sempre, teria visto o primeiro par de pernas feminino e tricotado a primeira dupla de meias sete oitavos.

Segundo contam os livros de catequese que eu nunca li até o final, apenas aquilo que Deus faz é perfeito. Vendo o problema de design de suas meias, a inconveniência causada pela falta de aderência entre a sua obra e a de Deus, o Chifrudo foi obrigado a adicionar um reparo ao seu produto. Assim, para evitar que as meias sete oitavos caíssem, surgiu a cinta-liga.

Pernas, meias sete oitavos e cinta-liga. Essa receita vem alterando o curso da humanidade desde os tempos mais remotos. Um conjunto desses foi fundamental para que Henrique VIII se separasse da sua consorte espanhola, Catherine de Aragon, no século 16. O rei inglês estava fascinado pela novidade que vinha adicionada ao pacote na plebeia Anne Bolyen. Escreveu para Roma pedindo o desquite com a rainha para ficar com Bolyen. O papa não estava a fim de conceder o divórcio e o rei inglês não teve dúvidas: rompeu com o Vaticano, fundou uma igreja só para ele, e tornou a Inglaterra o lugar mais inseguro da Europa medieval. Taradão, Henrique VIII acabou mandando a linda Bolyen para o limbo das esposas em desuso também.

Não se sabe o que fez Bolyen parar de usar meias sete oitavos e cinta-liga. Conta-se que, num ato de rebeldia, apareceu usando as ceroulas da antiga rainha. Já imaginou? Deu no que deu. Henrique VIII acabou se casando outras quatro vezes. Foi a mudança mais radical na política inglesa desde a assinatura da carta magna em 1215. Tudo por causa de um par de pernas, meias sete oitavos e cinta-liga.

Fato é que a moda lançada por Bolyen não fez sucesso imediatamente na Europa. As mulheres das mais diversas cortes ficaram amedrontadas em usar meias sete oitavos e cintas-ligas: medo de que seus reinos conseguissem problemas políticos tão sérios quanto aqueles que os ingleses conseguiram. Mas no século 18, a coisa já parecia estar mais tranquila. Só parecia. E a moda pegou. Desta vez, foi na fiel rival da Inglaterra que a coisa começou a ficar séria.

“uma vez colocadas, as mulheres nunca mais tiraram de suas pernas as meias e a cinta

A França, caindo na libertinagem, resolveu unir o útil ao agradável. Eram pernas, meias sete oitavos e cintas-ligas para todo lado na corte do croissant. O resultado foi o enfraquecimento do cérebro monárquico. A estupidez real tornou a situação insustentável. Era preciso uma tributação muito elevada para manter a safadeza. A burrice do rei desembocou na revolta dos burgueses. Foi com a Revolução Francesa e a queda da Bastilha que a resistência francesa ganhou a fama que tem hoje: não ser nada resistente.

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Fato é que o conjunto pernas, meias sete oitavos e cinta-liga estava muito consolidado para retroceder no tempo. Da l’age d’or francesa ao pin up americano, as mulheres entenderam a conveniência de trocar as ceroulas por meias sete oitavos e cinta-liga. Menos as alemãs. As alemãs não entenderam nada até hoje, coitadas. Entre os yankees, a revolução sexual protagonizada por Betti Page enterrou a cara da moral e dos bons costumes na bosta. Era o fim de um período de mulheres submissas aos maridos. Era o começo de uma era de mulheres que submetem seus maridos fazendo o papel de submissas. Page ensinou à América o real poder da sexualidade feminina. Foi ela que colocou em pauta publicamente aquilo que Bolyen sabia 500 anos antes: as mulheres mandam nos homens. Simples assim.

O que mais chama atenção de um homem quando ele está diante de uma meia sete oitavos é justamente aquilo que a meia não tem. Ou seja, falta ali, naquela coisa, um oitavo. Esse cálculo demoníaco torna a meia sete oitavos algo permanentemente incompleto. O problema é que, se completarmos os sete oitavos com seu oitavo faltante, a meia sete oitavos deixa de existir. Assim, sendo um absurdo falar em meias oito oitavos, resta a incompletude. E o espaço aparentemente vazio de uma meia sete oitavos está condenado a ser recheado pela perna de uma mulher. Puro erro de aritmética do Capeta, certo? Errado. Vejamos porquê.

A incompleta perfeição das meias sete oitavos coloca diante de nossos olhos a real estética do mundo: a beleza está na anarquia. A boniteza está no incompleto. A maravilha faz parte de algo eternamente disforme. Se a meia sete oitavos fosse uma meia-calça normal, ela faria aparentemente mais sentido.

As meias três quartos, invenção do século 20, buscam reduzir o problema das meias sete oitavos e acabam perfeitas demais, dispensando a cinta-liga. Já vi meias sete oitavos com silicone nas extremidades. A ideia é aumentar a aderência da meia com o corpo. Consequentemente, elimina a imperfeição da meia sete oitavos. Elimina a cinta-liga. Pobres projetistas e designs do século 21. Não aprenderam nada com o Cornudo, fundador da profissão, patrono dos designers. A expressão “pobre diabo”, possivelmente, surgiu dessa sucessão de designers fracassados.

Não se muda o que já é sagrado

Percorrer os sete oitavos de uma meia com a boca sabendo que aquilo não tem fim. Encontrar na incompletude de uma meia sete oitavos aquele um oitavo correspondente à pele de uma mulher. A comparação com a textura da pele feminina é o único jeito do tecido de uma meia sete oitavos provar o seu valor. Não existe comparação mais exigente.

Essa é a real ausência de sentido das coisas. Só perde a virgindade homem que faz sexo com uma mulher que está usando um par de meias sete oitavos. E a estética graciosa do universo está nas coisas que não fazem o menor sentido. Entre virgens e demais mortais, vamos tentando entender o mecanismo, aos poucos. Deus e o Diabo sabiam disso, desde o começo.

Everton Maciel

Everton Maciel é gaúcho e não suporta bairrismo. Só tolera bares que não permitem camisas polo. Nasceu jornalista, mas fez mestrado em Filosofia e mantém um blog próprio, <a>o Blog do Maciel</a>. Tem <a href="https://www.facebook.com/macielmacielmaciel">Facebook</a> e <a href="https://twitter.com/TomMaciel">Twitter</a>"