Acho que foi o poeta Frederico Barbosa, em “Louco no oco sem beiras”, quem escreveu:

“Em terra de profetas quem se cala é o poeta”

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Há o silêncio repentino, mas há também o pensamento pulsante, a palavra que ecoa de repente, que surge por razões que a própria não desconhece. Hora e outra algum clássico do século passado vem à tona como um pássaro em voo rasante, ganha espaço nos meios de comunicação e faz os velhos amantes dessa arte sentirem algum tipo de ciúme, como se o objeto de adoração não pudesse veicular de maneira tão veemente e irrestrita. Mero deleite, exposição esquálida de uma luz que dignamente bruxuleava nos porões da história.

Falar de um certo Leminski, de nome Paulo, é cavoucar, como dizia Gaston Bachelard, “em florestas piedosas, florestas alquebradas de onde não se arrancam os mortos. Infinitamente fechadas, cerradas por velhos troncos, com enorme e profunda camada de musgo, habitantes delicados das florestas de nós mesmos”.

É sem dúvida um grande devaneio.

Leminski, o Paulo

Paulo Leminski nasceu e viveu em Curitiba, cidade que não abandonou, “a casa da mãe” que insistiu em fazer de lar durante toda a vida. Casou, amou, teve filhos e criou, criou muito, como a máxima dos navegadores subvertida por Pessoa onde viver não é preciso, o que é preciso é criar. Em cartas trocadas com o amigo e poeta Regis Bonvicino, porém, dizia ter aprendido e compreendido que é “a linguagem que está a serviço da vida e não a vida a serviço da linguagem. A linguagem simplesmente vem, sai na urina. Acontece”.

Leminski sofreu forte influência do movimento concreto, que segundo Ana de Oliveira e o projeto “Tropicalismo”, caracterizou-se como uma vanguarda literária surgida no Brasil na segunda metade dos anos 50. Em 1958, os poetas Haroldo de Campos, Augusto de Campos e Décio Pignatari lançaram, no número 4 da revista Noigandres, o manifesto intitulado “Plano-Piloto para Poesia Concreta”.

A proposta era questionar a forma tradicional da poesia estruturada em rimas e métricas, decretando o fim do verso e sugerindo substituí-lo por novas estruturas baseadas na disposição espacial das palavras em alinhamentos geométricos. Buscando uma nova forma para veicular a expressão poética, os concretistas vão concentrar suas preocupações na materialidade da palavra, nos seus aspectos sonoro (musical) e gráfico (visual). A poesia concreta resgata e radicaliza propostas formalistas anteriores que percorreram difusamente os movimentos de vanguarda do início do século.

O mote dos concretistas é o dístico do poeta russo do começo do século, Maiakovski: “Sem forma revolucionária não há arte revolucionária”. Suas principais influências: MallarméJames Joyce, Maiakóvski, SouzândradeEzra PoundE.E. CummingsJoão Cabral de Melo Neto e Oswald de Andrade.

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Leminski, a estrutura

O auspicioso projeto de Leminski incluiu ainda a cultura japonesa, como a prática do idioma, do hai kai e das artes marciais:

HAI
Eis que nasce completo
e, ao morrer, morre germe,
o desejo, analfabeto,
de saber como reger-me,
ah, saber como me ajeito
para que eu seja quem fui,
eis o que nasce perfeito
e, ao crescer, diminui.
 
KAI
Mínimo templo
para um deus pequeno,
aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
meu extremo anjo de vanguarda.
De que máscara
se gaba sua lástima,
de que vaga
se vangloria sua história,
saiba quem saiba.
 
A mim me basta
a sombra que se deixa,
o corpo que se afasta.

Leminski foi ainda um poeta sem limites, não só o poeta concreto, mas o homem inclassificável, de palavras curtas, secas e determinantes como uma flecha que alcança a quem se permite tocar.

Flertou com os tropicalistas, foi amigo de Caetano e Gil, naquilo que esquematicamente, sensivelmente e filosoficamente uniu de maneira muito peculiar e interessante os irmãos Campos, Caetano, as formas de fazer, a reinvenção do cotidiano, a partir de uma arte experimental aberta aos modelos da modernidade que se propôs em meados dos anos 50 com a poesia concreta e nos momentos posteriores com o movimento tropicalista.

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Paulo Leminski, Alice Ruiz e Caetano Veloso
Paulo Leminski, Alice Ruiz e Caetano Veloso

Leminski dava grande importância a opinião de Augusto e Haroldo sobre os trabalhos que realizou, me lembro agora de um trecho em que manifestava a inquietação quanto a indiferença de um dos irmãos quando da publicação de seu livro de prosa experimental intitulado “Catatau”. Produziu composições com diversos parceiros que interpretaram suas músicas, o álbum O bandido que sabia latim, reúne algumas dessas músicas e revela um outro Leminski, versátil e cabível na música popular brasileira.

O poeta apontou caminhos, redesenhou sua geração, criou espaços e definiu fronteiras — rejeitou o projeto de felicidade que a sociedade lhe impôs — como ele mesmo sugeriu a um amigo poeta. Esculhambou, virou, rompeu, deu alterações ao seu mundo, tornou-se maravilhosamente inconveniente:

Rompa. Seja mais inconveniente.

E no que diz respeito ao ato criativo da poesia deixou apontamentos sutis:

Criativamente posso apenas me sentir bastante só.
Vivemos um tempo após a literatura,
Não é mais necessário combatê-la.
Fosse eu realmente um poeta
Fazia qualquer anti-alguma coisa.
Te dava outro nome. Inventava uma história.
….
Fazer poema não a coisa mais importante
Mas para quem faz é e tem que ser assim.
O signo é nosso destino, desgraça e glória.
Uma aranha sempre sabe
Que depois desta teia
Virá outra teia e outra teia e outra.
Uma aranha não duvida.

Leminski foi, será e tem sido. Um homem e arte que vocês precisam conhecer. Um cara que se tornou sim, aquilo que era. E que sem dúvida o levou além.

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Deixo a vocês uma pequena lista:

Obras fundamentais da odisseia leminskiana

Catatau. Curitiba, Ed. do Autor, 1975.

Quarenta clic’s de Curitiba. Poesia e fotografia, com o fotógrafo Jack Pires. Curitiba, Etecetera, 1976.

Polonaises. Curitiba, Ed. do Autor, 1980.

Não fosse isso e era menos/ não fosse tanto e era quase. Curitiba, Zap, 1980.

Tripas. Curitiba, Ed. do Autor, 1980.

Caprichos e relaxos. São Paulo, Brasiliense, 1983.

Agora é que são elas (romance). São Paulo, Brasiliense, 1984.

Hai Tropikais (com Alice Ruiz). Ouro Preto, Fundo Cultural de Ouro Preto, 1985.

Um milhão de coisas. São Paulo, Brasiliense, 1985.

Guerra dentro da Gente. São Paulo, Scipione, 1986.

Caprichos e relaxos. São Paulo, Círculo do Livro, 1987.

Distraídos venceremos. São Paulo, Brasiliense, 1987.

A lua foi ao cinema. São Paulo, Pau Brasil, 1989.

La vie en close. São Paulo, Brasiliense, 1991.

Metaformose, uma viagem pelo imaginário grego (prosa poética/ ensaio). Iluminuras, São Paulo, 1994. (Prêmio Jabuti de Poesia, 1995)

Winterverno (com desenhos de João Virmond). Fundação Cultural de Curitiba, Curitiba, 1994.

Szórakozott Gyozelmunk (Nossa Senhora Distraída) — Distraídos venceremos, tradução de Zoltán Egressy.

Coletânea organizada por Pál Ferenc – Hungria, ed. Kráter, 1994.

Descartes com lentes (conto). Col. Buquinista, Fundação Cultural de Curitiba, Curitiba, 1995.

O ex-estranho. Iluminuras, São Paulo, 1996.

Melhores poemas de Paulo Leminski. (seleção  Fréd Góes) Global, São Paulo, 1996.

Aviso aos náufragos. Coletânea organizada e traduzida por Rodolfo Mata. Coyoacán – México, Eldorado Ediciones, 1997.

Agora é que são elas (romance). Fundação Cultural de Curitiba, 1999.

Valdir Pimenta

Historiador, tem especialização em História Social e Ensino de História. Mestre em História Social com ênfase em Religiosidades, Judaísmo e Intolerância. Professor no Ensino Superior e na Rede Pública de Educação. Interesse nas Artes, literatura, poesia e rncinema. Ainda escreverá um romance.