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Sozinha bem no centro da sala, se pegou parada em pé por uns minutos de frente para a parede que tinha lá seus pôsteres preferidos, uma construção de cores e clássicos em desenhos minimalistas cheios de entrelinhas e detalhes de suas películas favoritas em ordem de importância e estética de tamanhos e formatos.
Encontros e Desencontros, Closer, Bertolucci, Almodóvar, um desenho dos Beatles e uma foto do Bowie. Bateu os olhos nos velhos detalhes que gostava em cada um deles, puxou na memória momentos em que todos esses nomes entraram com tremendo impacto em sua vida. Suspirou e olhou para o chão. Ainda estava descalça, com os dedos enfiados no carpete que dava sustentação para a mesinha de centro.
Precisava terminar de se arrumar para mais um encontro com ele.
Nas últimas semanas a pequena confusão se repetia. Marcava de sair mais uma vez e, no dia marcado, se atrapalhava entre pensamentos opostos que variavam entre ter gostado da última noite, dos beijos, do sexo, das risadas que ela dava quando ele contava coisas da época da faculdade, com o estranhamento de há muito não ter um contato tão próximo e íntimo com alguém tão diferente dos gostos dela, da vida cultural que ela prezava tanto de nutrir. Ele não havia assistido aos filmes que ela considerava fundamental pra qualquer aproximação humana. Ele não entendia quando ela fazia listas de cinco coisas com a mesma pegada do Alta Fidelidade, não pegava a ironia quando ela bancava o amante latino do Javier Barden em Vicky Cristina Barcelona.
Lhe faltava a narrativa, uma sensação palpável de que a história se encaminhava como deveria, o encontro, as coisas em comum, o fim de frase falado pelos dois ao mesmo tempo sobre a mesma coisa. A conexão.
As conversas iam escapando no bar, não seguiam a métrica que ela estava acostumada. Algumas vezes eles discordavam veementemente de algum assunto, sobre rotina mesmo, trânsito na cidade, bairros em que morariam. Riam depois, bebiam mais, faziam piadas sobre isso na cama, já na madrugada.
Tava estranho, mas tava legal. Tava legal, mas tava estranho.
Os dias se passavam e ela martelava essas duas frases na cabeça. E lá estavam os dois no carro. Ele esperando o farol abrir pra acelerar e ela pensando em não avançar com aquilo. Ele falando como ela tá bonita e ela tentando escolher se sim ou se não. Ele conta uma piada besta, daquelas que é pra gente achar graça só no absurdo mesmo, só pela coragem de quem se dignou a contar. Nada do que ela costuma gostar.
Mas ela ri. Genuinamente. E se estranha com aquilo.
Ele liga o rádio pra colocar uma música. How Deep is Your Love, dos Bee Gees. "Achei que você ia gostar dessa. Minha irmã disse que você ia gostar", ele diz enquanto finge que arruma o retrovisor pra não precisar olhar diretamente pra ela. "Poxa, eu adoro!". E ela continua. "Tem uma versão dela com o John Frusciante que eu acho lindinha demais". "Quem?", ele pergunta. "Nada não. Ninguém", ela responde antes de se inclinar e dar um beijo na bochecha dele. Quando reparou no reflexo do vidro, ao tentar olhar a rua, percebeu que estava com um sorriso na cara.
Daqueles bem soltos, sabe?
O amor. Deixa ele vir torto mesmo.
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