Nessa última quinta-feira foi a primeira vez na minha vida em que fui sozinho com meu pai ao cinema.
Tenho 39 anos e, por incrível que pareça, sinto uma falta enorme de ter lembranças de infância onde estou me divertindo só com meu pai.
Minha mãe e meu irmão sempre estavam no meio da cena. Meu pai trabalhava, estudava e viajava muito quando eu era criança. Fazia tudo isso por que gostava e porque queria dar o melhor para a família. Eu não queria o melhor, queria ele.
Hoje fomos ver o filme Ouro, suor e lágrimas. Um documentário sobre a década de ouro do voleibol brasileiro, dirigido pela minha grande amiga Helena Sroulevich.
Num momento do filme, Giba conta emocionado sobre como dói estar longe da filha durante os treinos e as competições. Eu e meu pai nos emocionamos nessa hora. Eu choro pela crença de que sofria com a ausência do meu pai. E ele, porque chora? Seu pai, meu avô trabalhava muito e também não tinha muito tempo para as crianças. Mas essa emoção de hoje, não tem nada a ver com o que sentimos quando éramos crianças. Nós, crianças, estávamos no presente e, se ficávamos tristes com a ausência dos nossos pais, logo dávamos a volta por cima, achávamos um brinquedo e a vida seguia. Mas em algum momento se instalou a crença de que a falta do pai cria sofrimento. É claro que é triste, que dá saudades. Mas o sofrimento é uma crença, uma crença que nos faz estagnar e que serve para alguma coisa. Para sermos vítimas? Para podermos cobrar do outro problemas que enfrentamos na nossa vida?
Eu poderia ter ficado estagnado nessa emoção e cobrar do meu pai o tempo que ele não dedicou a mim quando eu era criança, mas isso seria entregar para ele o poder de me fazer feliz. E isso não existe. Preferi me colocar em criação e escrever. Que bom que eu e ele criamos um modo de vida que nos permite ir ao cinema juntos pela primeira vez numa quinta-feira as duas da tarde.
O que faz alguém escolher um modo de vida? Mas escolher mesmo! O que faz um jogador dedicar sua vida ao volei? O que faz uma diretora e produtora dedicar seis anos de sua vida a fazer um documentário sobre o volei? E o que faz com que eu sente e escreva um texto sobre isso tudo?
Criação de vida!
Dessa maneira, cada um no seu caminho, criamos algo inédito no mundo e criamos nossa própria vida. Deixamos que a força criativa da vida atravesse nossos corpos e ganhe expressão em nossos movimentos e pensamentos únicos e inéditos.
Giovani tem uma linda fala no filme na qual conta como visualizou durante uma meditação o saque que deu o ouro olímpico para o Brasil em 2004. Durante essa meditação, no dia anterior à final, deitado no chão de olhos fechados, ele imagina o saque e recebe de presente uma poesia.
Em outra passagem, os jogadores falam sobre como criavam novas jogadas de noite, durante conversas descontraídas na concentração em saquarema. Criar algo inédito. Dar vida. Ser criador da própria vida.
Da mesma forma, Helena, a diretora, dedicou 6 anos para criar uma obra de arte, um documento, uma história. Foi difícil arrumar patrocínio, foi complicado a liberação das imagens dos jogos, ela teve que se meter na edição do filme e agora despeja suor e lágrimas para distribuir sua criação pelos cinemas do Brasil que estão mais interessados em adaptações de filmes de super-heróis que sempre contam a mesma história: alguém por acidente ganha poderes, fica bom e vence o mal.
Nada mais longe do que a história de Ouro, suor e lágrimas, na qual os jogadores ralam diariamente, na qual não existe bom nem mal, na qual o final do campeonato é apenas a celebração de um trabalho e a certeza de que amanhã é preciso acordar e continuar treinando, não pra repetir um feito, mas pra criar algo novo.
Por que eu sento a bunda na cadeira pra escrever esse texto? Porque eu preciso. Porque nada se compara à intensidade do processo criativo, de se reconhecer como criador da sua própria vida, com coragem, rigor, disciplina e diversão.
Nota: para saber mais sobre o documentário e onde assistir, venha aqui.
Puxe uma cadeira e comente, a casa é sua. Cultivamos diálogos não-violentos, significativos e bem humorados há mais de dez anos. Para saber como fazemos, leianossa política de comentários.