As taxas de suicídio entre homens são as maiores no Reino Unido desde 2001. O escritório de Estatísticas Nacionais mostra que nos últimos trinta anos, o equilíbrio dos gêneros em relação ao suicídio mudou de 63% de suicídios de homens em 1981 para 78% em 2013. Os homens estão se matando numa taxa que supera bastante a das mulheres, e essa é uma questão que não está sendo tratada.

O suicídio é a principal causa de morte entre os homens na Inglaterra e País de Gales nas idades entre 20 e 34 anos. Isso é efetivamente assustador – não deveria haver um escritório de estatísticas divulgando a informação de que a causa principal de morte numa faixa demográfica é o suicídio – que mais frequentemente ocorre por enforcamento.

O problema do silêncio

Há mais risco de suicídio entre homens, diz o professor do Grupo de Aconselhamento Nacional para Prevenção do Suicídio na Inglaterra, Louis Appleby, porque eles “relutam em buscar ajuda”, além de serem mais propensos a beber muito e a impulsos de autodestruição. O problema não vai diminuir tão cedo, e mesmo internacionalmente – cada um dos países do mundo se depara com suicídios de homens superando os de mulheres, e isso ocorre porque os homens não falam. Ou, mais do que isso, porque eles são treinados para não falar.

A socialização dos homens, é importante compreender, é baseada em homofobia, sexismo e uma incrível pressão da mídia e dos outros homens para apoiar estas mentalidades. Desde o nascimento, nos é ensinado para sermos fortes, inabaláveis perante a adversidade, e nunca mostrar qualquer tipo de sensibilidade ou fraqueza, já que receberá o rótulo de “gay”, “triste” ou uma variedade de outros termos pejorativos e preconceituosos que no final querem dizer algo como “feminino: que nem uma mulher”. Em resumo, os homens estão sendo sistematicamente ensinados a pensar que a abertura quanto às próprias emoções e saúde mental é equivalente a seguir na direção de se identificar com o outro gênero – e homens não fazem isso. Apenas mulheres fazem.

É por isso que feministas muitas vezes se deparam com a questão de ensinar aos homens que o patriarcado é tão prejudicial para os homens quanto para as mulheres – e que isso cria uma prisão para as duas identidades de gênero, enquanto que, além disso, prejudica muitas outras identidades e demográficos. O patriarcado não é apenas um clube exclusivo e privilegiado para gurizões – trata-se de um conceito regimentado e estritamente controlado de identidade masculina, que força sobre os homens a ideia de que seu silêncio estoico é uma parte tão inerente de quem são que abandoná-la significaria a rejeição perante os círculos sociais masculinos.

Há, porém, expressões de identidade masculina que são aceitáveis por nossa sociedade patriarcal, por exemplo a raiva, o ódio e o desprezo pelas mulheres, a homofobia e a cultura dos manos. É fácil reconhecer estas coisas por todo lado – até mesmo outros homens feministas que conheço tem o hábito de se dirigir para uma audiência predominantemente masculina com “rapazes” ou “camaradas”, e assim excluindo completamente as mulheres da discussão sem nem perceber que é isso que está acontecendo. Porém estas expressões de identidade masculina são, quando muito comuns, tóxicas e autodestrutivas. Não há nisso nada de positivo – só aumenta um problema que já existe.

É ensinado aos homens que eles têm um Ponto de Ruptura, e que esse Ponto de Ruptura envolve qualquer coisa, de uma briga de bar até violência doméstica. A mídia problemática nos ensina que, como homens, devemos aceitar a ideia de que para sermos Homens Fortes isso significa que algumas vezes nosso temperamento não vai estar à altura do problema em questão, e de alguma forma iremos externalizar isso – sempre justificados por conceitos como Mulher Provocante ou Aquele Cara que Passou dos Limites. Aos homens é ensinado que a violência é uma solução para conflitos, e que se permitir a expressão e abrir a válvula de pressão é o que acontece quando algo não pode ser parado, não quando pode.

O maior desafio da saúde mental é fazer com que as pessoas falem – parar com o silêncio. O silêncio é autodestrutivo. O silêncio sorri enquanto você sofre, e no Reino Unido é um problema enorme – nosso Stiff Upper Lip (N. do T.: “lábio superior teso”,  enfrentar a dificuldade com simples força de vontade, sem esmorecer ou reclamar, um valor inglês) se integrou no livro de regras do patriarcado de tal forma que a masculinidade ficou quase irreparavelmente ligada, dentro de nossos crânios, com questões de saúde mental ligadas ao alto risco de suicídio. Ficamos em silêncio, e, assim, morremos.

Os recursos tóxicos precisam ser abandonados

A maior questão que encaramos enquanto homens é ir além do medo da autoexpressão até um nível que nos permita conversar de forma saudável sobre nossos estresses, medos e traumas. Tenho a boa fortuna de não me identificar como hétero – abandonei essa identidade e assim sou menos apegado ao conceito tóxico da identidade masculina do que o homem hétero médio.

Mas são os héteros, creio eu, que encontram mais esse problema – estereótipos homofóbicos quanto a homens LGBTQ+ são forçados sobre os jovens héteros até um ponto tal que se expressar/aliviar pressão saudavelmente com moda, gêneros musicais ou mesmo cores que eles pessoalmente e instintivamente apreciem é visto como um abandono ou uma distorção de suas identidades. Não são apenas os homens gays que tem motivos para temer outra notícia de surra fatal na TV – é ensinado aos héteros que isso ocorre quando nos desviamos do modelo que o patriarcado determinou.

Se você olhar o conselho sobre sinais de sobreaviso quanto ao suicídio fornecido pela Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio, você perceberá que ele começa com a análise de alguém discutindo suicídio ou expressando pensamentos suicidas. E esse é o problema principal, no que diz respeito aos homens suicidas – somos treinados a não falar, e assim uma fonte crucial de sinais de sobreaviso para aqueles que se importam conosco é completamente inútil. Assim precisamos tratar dessa questão – o problema de não haver conversa – em vez de tentar tapar buracos com meras adivinhações e o apontar de dedos.

Já tive amigos, amigos homens, que conseguiam falar sobre um histórico de ideação suicida. Já tive amigos homens que, francamente, preferiam não falar sobre o assunto, mesmo que houvesse sinais muito óbvios, ao ponto de ser difícil não entrar em pânico mesmo que eles não manifestassem obsessão pela morte em público duas da madrugada. Então como derrubamos essa parede?

O primeiro passo é apagar o mito destrutivo de que as diferenças mentais entre homens e mulheres, inclusive a masculinidade tóxica que impede os homens de se expressarem adequadamente, é algo a ser celebrado. Essa coisa de pensar que ‘homens são de Marte’ precisa ser erradicada para que possamos capacitar os homens para falar sobre sua saúde mental.

Mas é a sociedade e a mídia que reforça esses conceitos, e são essas duas áreas que precisamos cobrir. Precisamos falar dos benefícios para a saúde mental e da masculinidade positiva dos homens que se expressam, seja numa discussão de mídia social ou na narrativa de um show de TV.

O que não ajuda são postagens tóxicas como esse conselho postado no eHarmony que sugere que os homens tem simplesmente outra configuração cerebral, e que as mulheres devem infindavelmente cuidar das deficiências emocionais dos homens para evitar conflito. Isso não é produtivo – está se tratando os sintomas, e não a própria doença, e fico chocado e desapontado que um site de encontros propague visões tão antiquadas sobre relacionamentos entre homens e mulheres. Isso e a falta de pensamento “fora da caixa” no site da ASFP está piorando as coisas – as pessoas estão recebendo conselhos sobre suicídio que não se aplicam a situação tóxica em que os homens suicidas se encontram.

Quebre o cadeado e sobreviva

Se você está lendo isso e é homem, por favor, me ouça – eu salvei minha vida ao finalmente me permitir conversar sobre as coisas. Passei de um estado em que internalizava tudo, incluindo minha própria ansiedade social, depressão e um TOC muito forte, ao ponto da total instabilidade, para um estado de maior calma, maior saúde e mais estabilidade.

Mas isso não foi uma questão apenas de ser capaz de falar sobre a saúde mental com os amigos no pub – há recursos efetivos, profissionais e gratuitos no sistema nacional de saúde que se pode utilizar. Se você preferir usar um convênio privado, tudo bem também – apenas entenda que profissionais da área da saúde são pessoas que podem ajudar melhor, e que tudo é confidencial. Você pode se curar dando pequenos passos na direção da maior abertura sobre como se sente fora do consultório do terapeuta.

Abaixo uma ilustração do meu progresso ao fazer terapia cognitivo-comportamental de alta intensidade, ao longo de seis meses. Estava sendo tratado devido a um TOC bastante grave e depressão moderada. Tenho um histórico de ideação suicida e de comportamento compulsivo com perda de qualidade de vida. E estou dizendo isso para você em frente à internet inteira, e sou homem. Agora permita-me mostrar meu progresso. As colunas são diversos testes que fiz antes de cada sessão para quantificar coisas quanto níveis de depressão, ansiedade e comportamentos obsessivo-compulsivos.

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Viu os números caindo? E isso não ocorreu porque eu estava falando com amigos, ou com minha namorada – isso aconteceu porque estava falando com um terapeuta que foi capaz de sugerir e incentivar o engajamento em comportamentos construtivos que eu pude utilizar para melhorar minha situação. Minha depressão não foi tratada com o mesmo grau de sucesso do meu TOC, mas isso ocorreu porque eu estava me focando em meu OCD durante esse período – embora minha depressão, após esse primeiro tratamento, também tenha ficado mais fácil de lidar.

É importante que os homens compreendam que há lugares seguros onde eles podem se expressar e onde podem receber ajuda. Enquanto que os homens são encorajados pela sociedade para jamais demonstrar fraqueza, mesmo diante do prospecto de dano físico, o homem médio não terá problemas em ir para um hospital fazer uma cirurgia, ou para resolver uma perna quebrada.

Mas a sociedade construiu uma imagem da saúde mental como algo imaterial por tanto tempo que não tratamos a questão da mesma forma – não vemos a depressão como algo com o mesmo valor do tratamento médico de qualquer outra doença. Quando uma doença não é tratada, pode passar de algo que incomoda até a fatalidade numa questão de meses, e não é diferente com saúde mental. Os homens não buscam ajuda para suas cabeças, mesmo que estejam como que, metaforicamente, com uma hemorragia.

Sua espada é para lutar, não para se amparar

Uma das preocupações principais que vejo em homens engajados em conceitos tóxicos de masculinidade, é a ideia de que de alguma forma são mais corajosos porque não falam sobre sua depressão. Sua indisposição de se expressar, mesmo quando potencialmente pode salvar suas vidas, é quase o sinal de um herói, um homem que devemos seguir como exemplo, já que nunca tropeçou.

Ouça-me, homem: não estamos falando de uma trincheira na Segunda Guerra Mundial. Você tem depressão.

Essas duas coisas não são iguais, e me frustra ter que dizer de novo. Silêncio não é coragem, no que diz respeito à saúde mental. O silêncio nos isola. Quando as pessoas perguntam o que está errado com você, sim, há um risco de que sua resposta honesta desencadeie uma série de comentários tóxicos como “mais alegria, rapaz!”, “deixa isso pra lá” ou “não seja tão dramático.” Esses comentários acontecem, já estou avisando. Sei por experiência própria.

Mas há pessoas que ouvirão, e que não são da área da saúde. Espaços seguros em seus grupos de amigos podem ser bastante cultivados – pessoas com quem você se importa e que se engajam em pensamento progressivo e positivo quanto à saúde mental o ouvirão, e se você precisar priorizar o encontro com esse grupo em detrimento daqueles que estoicamente seguem o oposto, então faça isso. E se você fizer terapia, ou se expressar com os amigos, do jeito que for, você vai descobrir que acontece o que descrevo a seguir.

O clube secreto de entusiastas da autoajuda masculina

Descobri que os homens me procuram bastante em busca de conselhos de saúde mental. Costumo conceder muitas palestras focadas em minhas experiências no assunto, e sou um defensor público da educação e apoio para a saúde mental. Muitas vezes essas conversas começam muito cautelosamente, de forma parecida com aquela forma sorrateira na qual as pessoas na televisão compram drogas. “Eu estava me perguntando, sabe, se você saberia o que fazer nessa situação.”

Estas conversas são comuns e importantes. Os homens falam uns com os outros sobre questões ligadas a seu próprio gênero, e o mesmo pode ser dito das mulheres. Mas com os homens, uma dessas questões específicas de gênero parece ser a forma peculiar com que tratam com problemas de saúde mental. Ser aberto a essas discussões e encontrar recursos e conselhos pode fazer uma enorme diferença, e uma vez que alguém os encontre, mais adiante no caminho de seu próprio processo de cura, outros homens podem encontrar apoio nessas pessoas. A coisa se espalha. A situação melhora.

Alguns homens tem o hábito de discutir questões ligadas a seus paus com amigos que tem genitais do mesmo tipo. Isso é interessante, não é? É um assunto tão pessoal, e ainda assim, não parecem se importar de falar sobre isso: seja alguma infestação de chatos, hábitos de limpeza ou simplesmente o cheiro de saco. Mas eles não discutem saúde mental. Novamente, isso é culpa da sociedade em que vivemos – paus são celebrados mais do que qualquer outra parte do corpo na história da espécie humana. Construímos enormes paus com janelas que as pessoas usam para fazer escritórios. A mídia fala de paus e de seu direito (não existente) de entrar em Coisas que Não São Paus. Temos macarrão em formato de pau. Pirulito-pau. Muitos paus.

Paus.

Mas o que não temos é algo equivalente para uma coisa tão pessoal quanto nossas emoções e saúde mental. Não há piadas positivas sobre saúde mental. Há poucas representações positivas de saúde mental na mídia voltadas para homens que precisam de ajuda. Breaking Bad é um ótimo programa, mas é sobre homens completamente incapazes de discutir suas fraquezas, ao ponto de que um homem cria um império de metanfetamina em vez de pedir aos amigos que paguem por seu tratamento de câncer. O mito do Homem Forte Que Está Morrendo está por toda parte, e não estamos o contrabalançando bem o suficiente.

Mas homens conversam discretamente sobre seus paus, sobre suas namoradas, e sobre qual é o melhor jeito de fazer um pedido de casamento. São pequenas janelas para os corações justificadamente frágeis desses homens, e precisamos as escancarar e abrir mais janelas para lidar com suas depressões.

Você tem uma boca, por favor grite

Para concluir esse texto, me preocupa que homens estejam cometendo suicídio em massa, muito frequentemente por motivos completamente evitáveis. Preocupa-me que vivemos em uma sociedade em que as pessoas misturam a ideia de “deixe-me aqui com alguma munição e fuja você” dos filmes de ação com alguém se recusando a discutir a depressão por mero medo ao ponto de serem encontrados duas semanas depois largados no chão de um banheiro.

Os homens são criaturas assustadoras com um hábito cada vez mais documentado de matar mulheres, homens gays, animais e outros homens de quem não gostam. Porém, precisamos também começar a documentar o fato de que há uma chance de 24% de que um jovem na Inglaterra ou no País de Gales perca a vida por suas próprias mãos.

Ser deprimido, ser até mesmo suicida, não é uma força, e nem é uma fraqueza. É apenas o que é, da mesma forma que fica frio no inverno. Quando passo por fases ruins de depressão e ansiedade, sento no chuveiro sob a água quente por meia hora mais ou menos (eu ficaria mais, mas o encanamento não ajuda), ou como um pote de sorvete. Exagero na comida muitas vezes, e é destrutivo, e assustador.

Porém, se isso fosse tudo que eu fizesse – se eu como homem fizesse essas coisas e nunca contasse a ninguém como me sinto, é bem possível que eu já estivesse morto. Há uma boa chance de que eu nunca teria encontrado a pessoa com quem vou casar, ou sua filha. Há uma boa chance de que meus pais tivessem que ter me enterrado – e como alguém que viu a própria mãe enterrar um de seus filhos depois que ele pulou no poço de um metrô. Em minha memória, não há panorama mais tortuoso e injusto.

Os homens fazem o que fazem porque querem ser fortes. Não morrer. Viver. Então conversem. Busquem ajuda. Mesmo que discretamente. Lutem contra os estereótipos e o preconceito que deixam os homens em silêncio. E esse conselho é para todos, não apenas para os homens. O câncer não é o que mais mata os homens, mas comparado ele com o suicídio, vemos que há muito mais campanhas de caridade focadas em vencer tumores. Podemos consertar essa disparidade. Podemos derrubar o patriarcado e salvar o máximo de homens e mulheres.

Homens: amem a si próprios. Esse dia nublado e escuro não é a realidade inteira. Eu os amo.

* * *

Nota: Esse texto foi originalmente publicado no Medium do autor.

Nota 2: para melhor entender a crítica desse texto (que não é a todos os homens), sugerimos fortemente que leiam “Masculinidade tóxica: comportamentos que matam os homens“, escrito pelo Guilherme Valadares na coluna Homens Possíveis.

Christos Reid

Escreve e faz games. Pode ser encontrado no <a>Twitter</a>."