Domingo foi a entrega da 65ª edição dos Prêmios Emmy. Quem ganhou o princioal prêmio — a de melhor série dramática — foi Breaking bad, a série mais comentada das últimas semanas. Ao receber o prêmio, o criador da série, Vince Gilligan, agradeceu — entre outras coisas e outras pessoas — pela oportunidade e privilégio de fazer parte da “era de ouro” das séries na televisão americana.
O Carlos Merigo escreveu um texto absurdo de bom lá no Brainstorm9 intitulado “Breaking Bad” e as novas regras da televisão, em que ele esmiúça toda a mecânica das séries nos dias de hoje. Nesse artigo, ele não se esquece de apontar a origem para tudo isso que está acontecendo de bom para as séries nos Estados Unidos: a série Família Soprano.
The Sopranos e HBO: “Isso não é TV”
Apesar de “Oz”, o drama prisional da HBO, ter ido ao ar quase dois anos antes, marcando a entrada em conteúdo original da emissora, a estreia de “The Sopranos” em 1999 é notoriamente tida como a pedra fundamental dessa revolução, onde novos tipos de estórias e estrutura formal permitiria que dezenas de outras séries fossem possíveis no futuro. Vince Gilligan, criador de “Breaking Bad”, afirmou que Walter White não existiria sem Tony Soprano.
Quando David Chase criou um mafioso no divã, que se dividia entre uma rotina de crimes e dedicação familiar, deu vazão ao surgimento de muitos outros anti-heróis. Quebrando convenções, “The Sopranos” mostrava que nada mais era garantia de final feliz. A morte de personagens regulares passou a ser comum, algo antes impensável na TV. Tony Soprano é um protagonista que causa empatia, mas ainda assim violento e assassino, um tipo de personagem que as pessoas viam e gostavam no cinema, mas não aceitavam “dentro de suas casas”.
Além disso, sem a obrigação de saciar o apetite das emissoras de TV aberta por mais e mais episódios, e no menor tempo possível, Chase e sua equipe de produtores e roteiristas modificaram a arquitetura de storytelling comumente praticada. Cada episódio de “The Sopranos” é sólido por si só, mas também faz parte de um arco maior de temporada, e se conectam de forma coerente uns aos outros. Não funciona como uma sitcom, em que você pode ligar a TV e assistir o que estiver passando fora de ordem.
Ao contrário das séries procedurais, que apresentam uma premissa no piloto e dependem da mesma fórmula nos episódios subsequentes – inclua aí os sucessos “E.R”, “Greys Anatomy”, “West Wing”, “CSI”, “House”, e tantas outras – a produção da HBO apostava principalmente na construção paulatina de personagens. Cliffhangers não tinham tanta importância, os espectadores eram fisgados pelas personas da história, com dezenas de capítulos que acabavam no mais absoluto silêncio.
Agressivamente artístico e violento, “The Sopranos” foi recusado por diversas empresas. CBS, NBC, ABC e Fox, naturalmente, julgaram muito pesado para uma emissora aberta. E ainda bem. Um grande trunfo da HBO, que por muito tempo trabalhou o slogan “It’s Not TV”, era a não existência de uma grade de programação fixa, de um horário nobre. Ninguém estava esperando pela estreia de “The Sopranos”.
[…] Com tudo a favor, “The Sopranos” se tornou canônico da história da televisão, alcançando 14.4 milhões de espectadores em média por episódio, um número assombroso para um canal pago, e o recorde da HBO até hoje (nem o hype de “Game of Thrones” ainda supera essa estatística). Foi um acontecimento televisivo que definiu e permitiu a origem de outras tantas séries, entre elas:“24 Horas”, “Lost”, “Six Feet Under”, “Dexter”, “The Wire”,“Deadwood”, “The Shield”, “Weeds”, “Rome”, “Boardwalk Empire”,“Homeland”, “Mad Men”, “The Walking Dead” e, claro, “Breaking Bad”.
Obs: mantive as escolhas editoriais do B9 para os nomes da série para manter o texto do autor.
No último domingo, na mesma festa dos prêmios Emmy, aconteceu um tributo ao ator James Gandolfini, protagonista de , imortalizado pelo papel do Tony Soprano, um chefe da máfia italiana em Nova Jérsei que dividia sua rotina entre cuidar dos negócios (que envolvia mortes, coações violentas e todo o tipo de procedimento escuso que se possa imaginar) e cuidar da sua outra família, a que envolvia sua mãe, tio, irmã, mulher e filhos.
James faleceu em junho desse ano, aos 51 anos, na Itália, vítima de um ataque cardíaco.
Seu trabalho foi tão exemplar, entre 1999 e 2007, período em que a série esteve nas telas da HBO, que era difícil não se lembrar dele como aquele homem senhor da máfia. Nesse tributo, a atriz Edie Falco (que atuou como a esposa do Anthony Soprano) fez questão de nos lembrar que ele era muito mais que isso (tradução em português abaixo do vídeo):
Quando vemos arte de verdade, ás vezes você esquece que atrás disso há uma pessoa com técnica e habilidade sim, mas com um instinto e perspectivas únicas que movem as pessoas. Que as fazem assistir.
James Gandolfini foi um desses indivíduos. Como um de muitos exemplos, sua interpretação de Tony Soprano teve tanta profundidade e grandiosidade que, mesmo hoje, várias pessoas têm dificuldades em acreditar que aquele não era ele de verdade.
Bem, eu estou aqui para te mostrar que “Jim” era sim, muito diferente.
Ele tinha um carinho e um coração imensos, ele era gentil e extremamente generoso. Sentíamos que Jim nunca se sentiu muito bem com toda a atenção que ele recebia, porque normalmente ele dizia em toda oportunidade que tinha, que ele preferia lançar as luzes nas pessoas que ele considerava mais merecedoras.
Quando ele entrevistou veteranos da Guerra do Iraque, num projeto que era tão importante para ele, “Jim” o fez com interesse genuíno, com respeito e humildade.
Através dos anos, eu ficava particularmente emocionada pela devoção de “Jim” a sua família, e sua profunda lealdade com seus amigos, com todas as pessoas que faziam parte da sua vida.
Você poder perguntar para qualquer um, se você precisasse de qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, Jim estava lá para cuidar disso antes mesmo que você tivesse a chance de pedir.
Vocês todos conheceram James Gandolfini, o ator. Eu fui sortuda o suficiente para conhece Jim, o homem. Por 10 anos sua colega, assim como sua parceira de faz de conta, e muito mais anos como sua amiga. E é Jim, o homem, esse homem tão querido, que eu sentirei mais falta…
James Gandolfini 1961-2013
(Tradução: Pedro Turambar)
Essa é apenas uma homenagem tardia a um baita ator de uma baita série. Em tempos que histórias são contadas com mais liberdade e melhor na TV do que em Hollywood (que passa por uma crise criativa há tempos, dando foco para reboots, refilmagens e adaptações, afunilando cada vez mais os bons filmes de autores), se estamos vendo uma era dourada no mundo das séries, tudo começou em 10 de janeiro de 1999, com James Gandolfini dando comida para os patos na estreia da série The Sopranos.
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