Fui apresentado a Dave Brubeck na casa de meu antigo orientador e amigo, em Londrina, interior do Paraná. Lembro-me de suas palavras ao colocar aquele vinil e mais do que depressa a clássica “Take Five” invadiu paredes, móveis e sentidos.
Foi naquele momento que o músico americano, falecido nesta quarta-feira última aos 91 anos, passou a fazer parte de meu repertório particular. Curiosamente, depois daquela noite em que ouvi “Take Five” pela primeira vez, a música do compositor passou a me surgir em diversos momentos, como daquelas insinuações do Universo em conspiração e ação, onde até certo ponto, tudo ocorria debaixo de meus olhos, e assim por ser, tão óbvio e presente, não o havia percebido com clareza.
Vejo como igualmente curioso a repercussão que alguns fenômenos assim recebem tal qual o falecimento, meses atrás, do historiador Eric Hobsbawn, em que quase do dia para a noite seu nome estava aqui e acolá, nas redes sociais, em telejornais, em revistas sensacionalistas, enfim, o privilégio da informação em setores da vida social que requerem uma tênue “sorte” para que ali estejam presentes.
De qualquer forma, assim o foi com Hobsbawn e novamente assim se fez esta semana com o compositor e pianista Dave Brubeck.
De onde veio Dave Brubeck
Brubeck nasceu na cidade de Concord, na Califórnia, em 6 de dezembro de 1920, tomando as primeiras lições de piano com sua mãe ainda aos quatro anos de idade (tratava-se de uma família musical, as referências já estavam dentro do próprio lar) e, aos quatorze anos, já participava de pequenos grupos que costumavam apresentar-se nos fins de semana.
Chegou a frequentar a Universidade do Pacífico com a intenção de se formar em medicina veterinária, mas com um ano de estudos, porém, começou a se voltar definitivamente para o universo musical.
Formou-se em 1942 e acabou por ser convocado pelo Exército (os americanos avançavam na Segunda Grande Guerra).
O pianista famoso
Em Novembro de 1954, a revista americana “TIME” estampou o pianista em sua capa. Naquele momento o Jazz, pode-se dizer, era já um homem maduro, com décadas de produção, sobretudo moldada no estigma de música ligada aos “pobres, negros, drogas e bares”. O fato é que antes da polêmica capa o jazz já tinha provocado a juventude e passado por significativas transformações, desde as orquestras da década de 1920, passando por Charlie Parker nos anos 1940 até chegar ao Jazz cool de Miles Davis no esplendor dos anos 1950.
O rosto do pianista estampado na principal revista americana alterou profundamente a relação da sociedade com o Jazz. A chamada “nata grã-fina” passou a consumir o estilo e rapidamente o seu status passou a ser outro. Reside o problema justamente no fato de Dave Brubeck ser um músico branco. Sim, um músico de Jazz, mas branco!
Dizem que até o último momento os editores oscilavam entre Dave e o músico negro Duke Ellington (sobre o assunto Brubeck afirmou que “ser capa da revista Time foi um grande evento para o universo do jazz e talvez o maior reconhecimento que um músico pode ter. Fiquei lisonjeado com a reportagem que fizeram, até porque o jazz era visto como uma coisa um tanto quanto revolucionária, rebelde até, pelos músicos que tocavam”). Optaram por Dave.
Consequência: Muitos e muitos jazzistas negros não gostaram de Brubeck na capa de TIMES e para muitos tal feito beirava a agressão, afinal para aqueles que já estavam ligados ao Jazz há muitos anos não era agradável, sobretudo em um país que vivia forte tensão segregacional, um músico branco despontando e destoando em um estilo próprio e originalíssimo que há muito era mantido na marginalidade pela sociedade abastada.
Ao que dizem, Miles Daves estava entre os mais inconformados com o ocorrido. Após isso, o que temos é um Jazz que ganha popularidade e nem é preciso dizer que a carreira do pianista Dave Brubeck alcançou grandes proporções (“Time Out”, lançado cinco anos após a matéria de TIME, vendeu mais de um milhão de cópias, algo impensável para o Jazz até então).
O que achavam de Dave Brubeck
Dave Brubeck jamais foi unânime entre críticos, artistas e admiradores. Ainda no final dos anos 50 (quando lançou sua obra prima “Time Out”), foi gravado um disco com canções temáticas do universo Disney, intitulado “Dave Digs Disney”.
Outra questão que lhe aparece no currículo foi o acordo com a indústria de cosméticos Helena Rubinstein para promover um novo batom. Para tanto, lançou um disco chamado “Jazz – Red, Hot and Cool” (na capa uma modelo aparece apoiada no piano e usando um vestido do mesmo tom de vermelho do batom). Essas ações de marketing, propriamente ditas, talvez tenham contribuído para certa desconfiança sobre o músico.
Parece-me assim, que a capa da TIME e a consequente popularização de Dave Brubeck nos Estados Unidos estão ligadas aos fatos, primeiro por ser ser jazzista e segundo por ser ele um jazzista branco. Claro, há outros músicos brancos e igualmente geniais, sobretudo nos Estados Unidos, mas a cena cultural desse vizinho continental impõe questões bastante delicadas e quando observamos suas consequências em manifestações artísticas, a experiência toda caminha com intensidade.
Por outro lado, a música de Brubeck, apoiada na politonalidade e no ritmo 5/4 (cinco batidas em um compasso de quatro semínimas), conquistou os ouvidos até mesmo daqueles que batizavam o jazz como aquela barulheira sem sentido. E ainda mais, é possível observar após isso uma espécie de estagnação do estilo, não nos vinte anos subsequentes, mas após estes, da força criativa do Jazz, há aqueles que saíram dizendo que com Dave Brubeck se foi o último dos grandes jazzistas (o que certamente pode ser um exagero).
O “The Dave Brubeck Quartet” foi formado por, além do pianista Dave Brubeck,, Paul Desmond (saxofone), Joe Morello (bateria) e Eugene Wright (contrabaixo). Eis a formação clássica.
A arte certamente encontra-se em luto.
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