Na última semana, Michel Teló conseguiu um feito raro: ficou em 12º na Billboard Europe Top 100 e bateu medalhões gringos no iTunes de diversos países europeus com a música mais baixada. Segundo a revista Quem:

Michel Teló ultrapassou a cantora Adele e os músicos da banda Coldplay em países como Itália, Espanha, Bélgica e Holanda com o hit “Ai se eu te pego”. Em Portugal, Teló caiu para a segunda posição, perdendo para Pablo Albóran com a música “Perdóname”.

Há menos de dez dias, o sertanejo foi personagem de uma reportagem da Forbes. Aqui no Brasil, ganhou a capa da revista Época (para assinantes).

E foi aí que a merda começou.

Eu não gosto dele, mas ele é foda

Críticas à revista pipocaram no Tuíter, no Facebook, em blogs… Um deles diz (e eu reproduzo ipsis litteris):

Quanto pior melhor! É desta forma que eu vejo este emburrecimento cultural da música popular brasileira! Este lobby feito encima de um lixo chamado “Ai se eu te pego” do cantor, Michel Teló, me faz ter vergonha alheia. Pior mesmo foi ver um grupo de soldados dançando este som que é um amontoado de palavras que não dizem nada, que não seja a mais pura sacanagem. Agora, virar capa da Revista Época, foi para nos deixar com dúvidas se o mundo realmente não estaria no fim. É um verdadeiro holocausto auditivo. Estão matando meus ouvidos. Cadê o Direitos Humanos nestas horas? Brincadeiras a parte, cada um gosta do que achar melhor, mas eu continuo afirmando: Não podemos alinhar por baixo a nossa cultura musical. O Brasil tem coisas muito melhores do que essa!

Outro, mais contundente, se dirige especificamente à Época:

Época pisou na bola. E ela estourou. Bem perto do meu ouvido. E eu? Fiquei bem irritado. Não é ser pseudo-intelectual, pseudo-crítico, pseudo-ôcaralho. É a vergonha que sinto por ver uma das maiores revistas nacionais com uma capa dessas.

A crítica à revista Épocae não ao artista – é a forma como perpetuamos nossas microditaduras cotidianas, como queremos impôr nossos pensamentos, a forma como vemos representado o mundo. Assim, desejamos ora anular a individualidade alheia (quando nos dirigimos à uma pessoa) ou subverter o pensamento comum (quando nos referimos a um grupo).

Link YouTube | Um meme da MPB

Não se trata de preferência ou gosto. Eu, particularmente, não gosto de Michel Teló. Mas devo reconhecer: a versão do sertanejo para “Ai se eu te pego”, que não é uma música com melodia rebuscada e pode, sem exageros, ser considerada um meme da indústria fonográfica, tem um papel significativo para a música brasileira contemporânea. Podem chiar, mas para uma música sair dos bailes sertanejos e ganhar soldados israelenses é preciso alguma qualidade, algum apelo, algum elemento lúdico que esteja além do que costumamos ver por aí.

Link YouTube | Assim vocês me matam…

Percebam: são coisas diferentes: 1) eu não gosto de Michel Teló; e 2) sua música, por mais que torçamos o nariz ou apontemos defeitos, conquistou o mundo, e isso é representativo para a música brasileira.

Percebam: são coisas diferentes, mas que podem coexistir. Uma não anula outra. E não anular dói nos corações ditatoriais. Vale lembrar que Joseph Goebbels, o mentor da propaganda nazista, também tinha essa tática de atacar alguém quando não fosse possível atacar uma ideia – e gosto é isso: uma ideia que nos atrai.

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Quando criticamos uma revista que estampa na capa um cantor sertanejo bem sucedido – alguns, inclusive, vão além da crítica e tentam colocar em xeque a idoneidade do veículos de comunicação – estamos, na verdade, vociferando uma indignação infantil:

“Como é possível a revista não pensar como eu penso?”

Condicionados ao maniqueísmo como estamos, se o que a revista diz é verdade, o contrário é mentira. Se a Época está correta, o leitor que não gosta de Michel Teló está errado. Assim, esta linha de raciocínio nociva nos leva a pensar:

“Como é possível a revista não pensar como eu penso e apontar o dedo na minha cara dizendo que eu estou errado?”

É uma lógica perversa que nós mesmos criamos. Uma lógica que denota 1) como somos intolerantes; e 2) como temos o desejo de fazer parte do grupo. O grupo, neste caso, é a opinião pública. Queremos que as revistas estampem o que já pensamos e gostamos, e assim acreditamos que isso trará conforto ao nosso ego. Queremos que a Época endosse nossas predileções para que nos sintamos parte do todo.

Agora troque Michel Teló por um cantor de sua predileção. Basta isso para você julgar a Época como uma revista boa ou ruim?

Curiosamente, esboçamos um desenho diferente. Sempre dizemos:

“Eu gosto disso e que se foda o que dizem por aí.”

Isso é mentira. Sim, nós ligamos para o que pensam da gente. Sim, nós ficamos putos quando criticam nossos gostos – ou quando gostam daquilo que criticamos. Na real, nós mesmos não acreditamos nessa frase que adoramos repetir.

Na falta de algo melhor para nos definir – e sem aquela conversinha mole de que “eu não quero ser rotulado” quando o mundo funciona à base de palavras que classificam tudo e todos –, temos nossos fragmentos. Juntos, eles formam um vitral com a nossa aparência (o contraponto à essência) – um vitral como qualquer outro: falho e apenas representativo. Esses fragmentos são as coisas que gostamos e as que odiamos. Isso nos constitui. Isso forma nosso caráter. Isso nos limita. Isso faz com que limitemos os outros.

(Por outro lado, isso não é o nosso todo. É contraditório, eu sei. Mas, nesta vida, não há o que seja concomitantemente belo e sem contradições.)

Se, por um lado, as predileções nos limitam, elas são indicadores de onde os homens convergem. Isto é, sentimo-nos em casa com uma mulher que goste do mesmo som que nós; com um amigo que curta os mesmos filmes; com uma revista que dê destaque ao que apreciamos – por conseguinte, a revista dá destaque a nós.

Portanto, odiar Michel Teló – quando a repulsa é verdade e não forjada – é saudável. Faz de você quem você é, entre outras coisas. Mas odiar quem adora Michel Teló – uma pessoa, uma revista etc. – é assinar um atestado de carência. Eu não gosto de música sertaneja de uma forma geral, mas consigo sentar num boteco e beber com alguém que seja fã dos bailões.

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.