Eu sei, a pergunta do título, numa primeira lida, pode soar esquisita, desencaixada. Mas se a gente para com calma e lê de novo, o questionamento abre portas e janelas para uma investigação interna poderosa. Quais emoções, afinal, sentam com a gente à mesa sempre que vamos fazer as refeições?
Nossa relação com a comida inicia tão logo abrimos os olhos nessa terra — quiçá antes. A amamentação, o próprio desmame, a forma como somos introduzidos aos alimentos: toda essa trajetória deixa histórias, marcas e, às vezes, mágoas que, se não tratadas, podem se transformar em desvios e distúrbios que nos acompanham uma vida inteira. Não falo só dos casos graves — como transtornos alimentares —, mas de comportamentos sutis que podem nos aprisionar durante toda a nossa existência.
Mulheres e meninas são mais propensas do que os homens para desenvolver um distúrbio alimentar. Porque mal nascemos e um peso enorme recai sobre nossos ombros: precisamos caber no manequim 34 para sermos desejadas. Precisamos ter a pele lisinha, sem celulite, sem estrias. Não podemos envelhecer. Não podemos ter nada fora do lugar. Os fatores sociais e emocionais esmagam e reduzem nossa possibilidade de crescer livremente — sem estereótipos, pressões e prisões.
Os homens — embora, claro, não passem por tais pressões na mesma intensidade — também levam às refeições emoções, problemas, questionamentos, sentimentos e nem sempre conseguem lidar com tais ingredientes de forma benéfica. Muitas das vezes, inclusive, presos à caixinha do comportamento masculino padrão eles acabam recalcando ainda mais. O resultado são homens que sentem, mas não falam; que represam no peito angústias que, não verbalizadas, passam a ser exteriorizadas em excessos — nas drogas, no álcool e, por que não?, na comida.
Um transtorno alimentar chamado vigorexia, por exemplo, tem atingido jovens do sexo masculino que, na busca do corpo escultural, acabam por utilizar suplementos alimentares e esteróides, associados a uma atividade física intensa.
“Por ter sido uma doença estigmatizada por ser essencialmente feminina, os homens passam a não procurar ajuda porque não aceitam ter uma doença considerada de mulher, o que não é verdade”, explica Dr. Alexandre de Azevedo, psiquiatra coordenador do grupo de atendimento a homens com transtornos alimentares do Instituto de Psiquiatria da USP.
Coloquemos, então, nossa lupa voltada para uma investigação interna carinhosa e lancemos luz a uma questão importante: o que estamos nutrindo quando comemos?
Sem receita de bolo, dietas mirabolantes ou julgamentos. Para além da prisão estética, das regras nutricionais normalizadas e de reeducação alimentares, o caminho é de tomada de consciência da forma como nos relacionamos com a alimentação e, assim, entender nossos medos e convicções.
As mulheres temos nos unido para conversar, ensinar, aprender e transformar nossas realidades. Trilhas como Emoções e Comidas, proposta pela Comum, nos trazem de volta à pedagogia da roda, da troca, do acolhimento. Por lá, somos um punhado de minas falando sobre essas emoções reprimidas, sobre nossas vivências particulares. Estamos, juntas, tentando entender de que forma isso tem recaído sobre nossa mesa, hoje.
Não seria lindo ver homens em roda conversando sobre sentimentos e alimentos também? Apesar de serem “treinados” para não falar, há um movimento bonito propondo uma nova masculinidade, colocando homens para conversarem, dialogarem, se escutarem.
Aos homens, lanço a questão: há espaço e interesse por esse tipo de discussão e desconstrução?
Convite para as mulheres (ou uma mulher que você conhece e que tenha questões com a comida):
Às manas, deixo meu convite: nos dias 5 e 6 de agosto, a Comum irá realizar em São Paulo uma imersão para que coloquemos uma lupa investigativa de forma amorosa sobre nossas questões alimentares. Faremos isso juntas, dando suporte umas às outras, numa programação pensada com carinho para que aflorem coisas lindas dessa experiência.
As inscrições podem ser feitas aqui. Ainda há vagas!
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