Há duas décadas Manoel Morgado anda sobre as maiores montanhas do planeta — sem endereço fixo, sem pressa, com os pertences contidos em duas malas, um sorriso de velhos amigos, o olhar sereno e o corpo de 57 anos entalhado pela gravidade das alturas.

Em dezembro passado, Manoel fez uma passagem rápida pelo Brasil e, dos dois dias que esteve em São Paulo, dedicou uma tarde para nos encontrar numa conversa muito amiga e agradável. Além do montanhismo, dos sete cumes e do Everest, Manoel falou sobre como as montanhas ajudaram a moldar sua noção de felicidade e sucesso na vida, sobre como foi ensinado a lidar com o controle e as expectativas, com os relacionamentos, o medo e os limites, com vislumbre claro da mortalidade, com as prioridades, a simplificação da vida…

Algumas falas

"Tem algumas características que são fundamentais na montanha e que você acaba trazendo para a vida. Uma das coisas muito fortes, é que você aprende que não está no controle das coisas. E isso é uma coisa que buscamos intensamente — a gente quer ter controle de tudo, quer que as coisas aconteçam da nossa maneira."

"Hoje eu acho que vejo como um cara de sucesso uma pessoa que transmite felicidade, um cara que encontrou um caminho de viver em que se sente mais tranquilo, que consegue ajudar outras pessoas, que consegue ter prazer na sua vida profissional. Muito mais do que grana ou reconhecimento, é alguém faz alguma coisa que ama, e ao fazer isso que ama, consegue ajudar as outras pessoas também."

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"Dificilmente eu consigo ver uma prática espiritual e de aprendizado tão intenso quanto conviver com pessoas que você não conhece, para as quais você tem de dar toda energia, você é o referencial."

"O montanhismo é um esporte de risco. Quando entro na montanha, entro sabendo que as coisas podem não sair da maneira como planejei. Antes de escalar o Everest, eu fiz meu testamento…
Quando você pratica um esporte de risco, tem que ter isso muito claro e usar isso de maneira positiva. O medo não pode te bloquear, nao pode fazer você deixar de fazer aquilo que você se propõe, mas ele te dá uma noção de realidade — de que há um certo risco e que você tem que minimizar este risco."

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"Na hora que você entra numa montanha e sabe que existe um risco real de morrer, você muda um pouco, assume a morte como uma possibilidade concreta, que pode acontecer no dia seguinte, pode acontecer nesta noite. Você sente de maneira muito mais concreta que não dá pra ter nada como garantido com relação a quanto tempo vamos viver. Eu acho que contemplar a morte desta forma te ajuda a usar a vida de maneira melhor.

A partir do momento que você não tem uma garantia de que vai ter 30 anos de vida pela frente, você é obrigado a escolher o que vai fazer com o tempo que tem. A desculpa de “eu não tenho tempo” deixa de existir. É sábio que você priorize as coisas que são importantes pra você."

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"Aos pouquinhos eu fui continuando nessa vida de viajar, até o ponto em que ter uma base não me fazia mais falta. No começo foi um pouco estranho, estar sempre viajando, não ter uma casa, um lugar pra voltar, depois isso acabou sendo uma coisa absolutamente natural.

Isso não é algo que, de forma alguma, se aplica a todo mundo, mas, para mim, vejo que não ter coisas é algo extremamente rico na minha vida. Muita gente acha que para ter felicidade, tem que ter cada vez mais coisas. Eu sinto que é o contrário — quanto menos coisas eu tenho, mais solto eu fico, mais tranquilo, menos complicada a minha vida é."

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Obrigado!

No ano passado estive no México para fazer o treinamento do programa Cultivating Emotional Balance. Lá conheci a incrível Ven. Tenzin Chogkyi — monja americana ordenada por S.S. o Dalai Lama em 2004 —, que por sua vez me apresentou o Manoel, seu amigo brasileiro muito querido e de longa data.

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Só depois fui descobrir que o Manoel é um dos montanhistas mais experientes do nosso tempo. E não soube disso com a ajuda dele, que relutou um pouco em fazer um vídeo para contar de seu aprendizado. “Eu não sei muito bem no que eu poderia contribuir. Acho que a Ven. Tenzin exagera um tanto no que ela diz de mim…”, contou num email enviado de Kathmandu. “Às vezes fico meio envergonhado de me colocar como um especialista”, disse em outro email enviado ao voltar do Monte Fuji, no Japão.

Do meu lado, é enorme a gratidão que sinto por poder aprender com a presença de pessoas como o Manoel, gente que vem usando a própria vida como veículo na exploração de modos diferentes e benignos para viver. Ter estas pessoas ao redor me dá perspectiva e sensação de frescor, me lembra que há mais possibilidades do que consigo ver, de fato.

Mais

O Manoel escreveu um livro chamado “Sonhos Verticais” →

E conduz expedições frequentemente, das quais conta na sua página →

Outros vídeos da série “O que aprendi” →

 
Fábio Rodrigues

<a>Artista visual</a>