Separou-se do marido depois de seis anos de casamento. Foram dois meses até sua ex-cunhada, em uma visita, tomar o celular da mão dela e baixar o Tinder. "Você precisa sair dessa e conhecer outras pessoas". Saiu com três caras, todos chatos. Tentou desinstalar o aplicativo e viu o aparelho desligar bem na hora da pergunta "você tem certeza disso?".

A quarta tentativa partiu dele. Chamou e ela deu match. Doze minutos de conversa e ele já a estava chamando para comer alguma coisa. "Ah, por que não?", ela pensou, "pra quem ia comer sozinha, pelo menos tenho companhia por meia hora.

Se arrumou, não muito para não parecer oferecida, mas também não queria sair desleixada demais para uma primeira vez. Enquanto seguia para o ponto marcado, percebeu que suas pernas caminhavam em velocidade reduzida, como se não quisessem muito obedecer seus comandos. Uma pequena ansiedade. Estranhou seu comportamento. Não estava com expectativas, apesar de não ter tido nem meia dúzia de encontros depois de um bom tempo se relacionando só com uma pessoa. Mas cogitou ser a falta de mais informações que pudesse ter criado essa coisa curiosa dentro dela. "Cacete, eu mal falei com o cidadão e tô na rua pra me encontrar com ele". Não era muito qualquer perigo que a inquietava, estava indo vê-lo em um espaço público e cheio, mas a curiosidade de ser a primeira vez, desde que se colocou disponível para encontros, que estava sentindo essas coisas estranhas pelo corpo e esse flutuar da cabeça, uma espécie de vergonha e vontade de se mostrar ao mesmo tempo. De repente, se pegou jogando o cabelo para trás com as mãos, como se quisesse melhorar sua imagem no caminho. Olhou-se no reflexo do telefone, abriu para reler com mais cuidados as palavras que ele usou para convidá-la. Sorriu.

Ao chegar no local, procurou nas mesas a figura que pudesse se parecer com a que ela viu no app. No fundo, um cara se levantou e na mesma hora parecia que o chão tinha começado a tremer, mas eram só os joelhos dela. A voz dele estava diferente, mas o tom era o mesmo e, mais ainda, o jeito de falar permanecera o mesmo. Pelas fotos não desconfiou, mas ali, juntos, não foi necessário mais que o primeiro instante para ela se lembrar. Namorou com ele por alguns meses quando tinha quinze anos! Coisa de menina, negocinho de garotos. Ele morava no mesmo bairro que ela e naquela faixa de idade, faziam parte de uma mesma turma. Trocaram beijos em uma daquelas festas juninas da igreja, continuaram a brincar no dia seguinte e ficaram de namorico. Mas foi passageiro, como tudo na adolescência. O bairro ficou maior, a cidade também. Foram estudar em lugares diferentes e passaram a frequentar lugares diferentes. 

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Só que estavam ali, depois de os dois terem passado por casamentos que terminaram, ele já com suas filhas e tão espantado quanto ela. Comentou que não tinha ligado o nome àquela menina que ele pegava na mão quando moleque. Eram as mesmas pessoas daquela época, mas completamente diferentes daquele recorte. Ficaram curiosos para saber no que haviam se tornado, quem aquelas crianças eram hoje. Mataram a primeira hora, claro, relembrando da turminha e da rotina de garotos, as brincadeiras de rua e as broncas dos pais, dos amigos que andavam com eles, de quem foi pra onde, "essa foi morar nos Estados Unidos", "aquele virou caminhoneiro, olha que coisa", "ah, esses dois não tinham outro caminho se não ficar lá mesmo, naquele bairro. Devem estar a mesma coisa até hoje, soltando pipa barbados". Riram, relembraram, chegaram no namoro que tiveram, ele comentou que gostava do cabelo dela naquela época, ela disse que o beijo dele foi o melhor até entrar na faculdade. Entraram no acordo que precisariam provar parar ver se ainda encaixava. 

Estão namorando há seis meses.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados