O lance foi o seguinte: estavam saindo tinha uns meses já. Se viram numa baladinha, pegando bebida no balcão. Olhares, risadinhas, mas ninguém tomava a ação de fato. Até que um amigo do outro cara foi perguntar se ele estava sozinho, se estava gostando do lugar. Foi o sinal de interesse e, como o mais velho naquele recorte, foi para cima e chegou chegando. Trocaram beijos num canto, o número de telefone também. 

Demorou uns dias até começarem a se falar. Mantinham contato com frivolidades, papinhos juvenis que deixavam os dias mais leves. No primeiro encontro, numa cafeteria após o trabalho, ficaram das sete à uma da manhã descobrindo mais um do outro, entendendo que o cara que poderia ser só mais uma transa era na verdade uma ótima companhia. Saíram para caminhar de braços dados, distribuíram uns sorrisos mais tímidos pela rua, mas sustentando a vontade de estar um colado no outro. Abriram a guarda. Mesmo.

E passaram a se ver com frequência. Toda semana, se viam. Gostavam de botar a atenção um no outro. A boca também. E assim deixaram levar, com nada sério, mas sem bagunça, se assim poderiam dizer. 

Agora, qualquer um que olhasse com uns metros de distância diria com facilidade se tratar de um casal de namorados, claro, os sorrisos, o tom de voz ao contar confissões, as mãos entrelaçadas. “Quem sabe em meses a coisa evolui”, eles ponderavam, sem perceber já estarem muito à frente. Na saudade que dava, nas escapadas na madrugada que um fazia para estar com o outro, mesmo que por uns instantes, uma da manhã esperando na saída do trabalho dele pra um “oi”. Mas, no papel, na negociata, bróders. Amigos próximos. Que se veem. Que se pegam. Que se gostam.

Só que teve um dia em que sairiam juntos para uma festa, mas um deles adoeceu. Bem neste dia em que a carne fraquejou. Como não tinham nada fechado em teoria, acabou que o outro se deixou levar. E vieram as respostas de pouco, e não num só soco.

Ninguém olhou pra ele, depois o xaveco, depois a risadinha, depois a saída, depois o feito. A conversa foi daquelas que oscilam entre a calmaria da razão e o vácuo da insegurança. Queriam resolver, mas sem ter de rasgar o saco, ver tudo caindo, cagar a porra toda. Ficaram acertados de que estava tudo bem. E de fato estava, ninguém ali tinha o apego pela carne a ponto de ela ser a causadora de sofrimentos. Mas, disso, o que era para evoluir passou a tropeçar de leve, estagnar sem querer, como se o passar de pano tivesse secado o caminho que estava fluindo molhadinho.

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Toda vez que se encontravam, pediam algo para comer, tentavam engatar algum papo rotineiro, mas enquanto um parecia sempre se curvar perante uma culpa, quieto, plácido, o outro passou a cair no gatilho. Sempre que o mais novo instaurava silêncios, ele pensava faltar algo a ser contado, cogitava ter um piano nas costas do outro, escondido, que precisava, mais uma vez, cutucar para ir tirando pedacinhos de um outro quebra-cabeça a ser montado. Do outro lado, o garoto parecia ver no estático a melhor saída. Não avançava, mantinha o portão fechado, uma conversa de vizinhos, mas cada um do seu lado do muro, para que ninguém precisasse ver a verdade do outro. Assim, recatado, resguardado, tinha a crença de poder ver tudo se acalmar. Acontece que truncou tudo. Sem se abrir, maneirando as palavras na busca de uma tranquilidade, fazia esfriar o contato em vez de retomá-lo, já que permaneciam em encontros genéricos, sem profundidade. Sem a entrega. Não passeavam mais pela cabeça um do outro, mas nas próprias, um pensando algo do outro, procurando soluções em vez de avançar com o simples: estar um com o outro.

O amor precisa de fala. Amar requer abertura. Gostar de alguém é dar aquele pulo de olho fechado contando que, lá embaixo, há a rede de segurança do outro.

É só se jogar.

Não vai doer.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados