Esqueça tudo o que você sabe sobre o México.
Eu, que desejava morar fora desde a adolescência, nunca havia cogitado morar aqui. Para falar a verdade, era um país que nunca havia sido citado nem para viagens de férias.
A oportunidade de vir para o México surgiu quando meu namorado foi convidado a trabalhar na filial mexicana da empresa e ele me chamou para vir com ele. Não hesitei nem por um segundo; a aventura falou bem alto e São Paulo perderia o sentido sem ele.
Obviamente, como uma metrópole que se prese e uma das cidades mais populosas de todo o mundo, a Cidade do México tem seus defeitos: trânsito, violência, burocracias…
Mas o México não é só isso.
O que o faz valer a pena é exatamente o que o diferencia dos outros lugares no mundo: seu povo e a sua cultura.
Respeito pela cultura
A Cidade do México está dividida em 16 Delegações, que são subdivididas em 250 Colônias que são como bairros. Mas, aqui, você não pode falar isso porque bairros são considerados regiões bem pobres e perigosas que deve-se evitar.
O legal dessa divisão é que cada colônia conta uma história. Muitas mantiveram suas raízes porque eram pueblos que foram, aos poucos, incorporados à cidade grande, mas não perderam sua essência. Então, passear por lá é como fazer uma viagem à antiguidade.
Ótimos exemplos são Coyoacán, onde viveu Frida Kahlo e onde localiza-se o museu dedicado a ela, e Cerro del Tepeyac, onde localiza-se a Basílica de Santa María de Guadalupe, padroeira do México.
Ao contrário do que se vê em São Paulo, as regiões históricas da Cidade do México são respeitadas e bem conservadas. Os mexicanos têm orgulho da sua cultura e de seus antepassados, então, os museus estão sempre cheios — tanto de nativos como de turistas — e não se vê monumentos depredados.
As pirâmides de Teotihuacan são um dos pontos turísticos mais visitados no México, mas poucas pessoas comentam a respeito dos vendedores de souvenirs que vagam pela Calzada de los Muertos.
São pessoas extremamente simples e humildes que vendem suas obras artesanais inspiradas na cultura mexicana — desde chaveiros feitos de arames até pedras vulcânicas belamente esculpidas no formato de pirâmides — a um preço bem baixo.
Você leva para casa um pedacinho do amor dos mexicanos pelo próprio país muitas vezes por menos de R$ 10,00.
E os vizinhos gringos?
O México é vizinho dos EUA (os americanos aqui são chamados de gringos) e é inevitável deixar-se influenciar pela potência americana. Alguns shoppings, como o Centro Comercial Santa Fé (o maior do México), Antara Fashion Hall e Paseo Interlomas são bons exemplos disso: possuem lojas grandes como Sears, Best Buy e Forever 21, os deliciosos pretzels da Auntie Anne’s e os sorvetes do Ben & Jerry’s.
As mulheres mexicanas são muito vaidosas (bem maquiadas, unhas bem feitas, cabelos com penteados e salto alto) e apreciam estar na moda. Mas não em qualquer moda. Nos shoppings, em regiões mais nobres (como Polanco e Interlomas), há muitas lojas “high couture”, como Carolina Herrera, Marc Jacobs, Coach, Michael Kors, Juice Couture e Burberry. Os preços são um pouco mais altos que os das lojas dos EUA, mas ainda sim mais baratos que no Brasil.
Datas comemorativas, como o Halloween e o Natal, apesar de manterem suas raízes locais, também sofrem inspirações americanas nas decorações de abóboras e o famoso “trick or treat” misturados com a comemoração do Día de Muertos, e renas e neve (apesar de aqui na Cidade do México não nevar) combinados com a forma que os mexicanos comemoram o Natal.
De um modo geral, a influência que os EUA incidem aqui é como em qualquer outro lugar do mundo, mas sem alterar por completo aquilo que eles acreditam e trazem consigo de seus antepassados.
Não fique com medo, é menos tenso do que parece
Aqui na Cidade do México não vemos a violência estampada nos meios de comunicação como no Brasil; aqui não tem Datena.
O que nos falaram é que as notícias são mascaradas e que não há divulgação sobre o que realmente aconteceu quando há um caso grave porque o governo controla a mídia. Você só fica sabendo de algum caso de violência porque algum conhecido ou vizinho te conta.
Os mexicanos nos alertam para termos cuidado, mas, ao mesmo tempo, reconhecem que as coisas aqui não são tão ruins como em Monterrey, no norte do país.
Há lugares que fomos orientados a evitar, como a colônia Tepito (que, se quisermos visitar, temos que ir com alguém que conheça) e o Centro Histórico durante a noite, por exemplo. São lugares em que a máfia (como nos foi falado) já tomou conta e que te cobram para que nada aconteça caso você passe por lá na hora errada.
Fora isso, a Cidade do México é uma metrópole que tem problemas de metrópole. Não me sinto menos segura aqui do que me sentia em SP, mas é importante sempre tomar cuidado.
E a polícia?
A Cidade do México é bem policiada, principalmente nas regiões mais pobres. É improvável que você passeie de carro e não passe por pelo menos um carro de polícia.
Os policiais estão sempre visivelmente armados e a curiosidade é que, no shopping, por exemplo, os seguranças também ficam armados. Com fuzis.
Um dos pontos que já haviam nos alertado é que a polícia protege, mas também é corrupta. Ainda não passamos por nenhuma experiência com policiais sujos, mas já fomos parados pelo “CET” local e o guarda queria aplicar uma multa de MXN$ 1200,00 (aproximadamente R$ 200,00) por uma suposta conversão proibida. Dissemos que éramos brasileiros, que não tínhamos a carteira de motorista local para ele registrar a infração e ele prontamente disse que poderia resolver “nosso problema” por metade do preço. O dinheiro foi colocado dentro de um livrinho de regras de trânsito que ele carregava.
Me senti assaltada.
Tianguis x Mercado sobre ruedas
As “tianguis” e os “mercados sobre ruedas” são como as feiras de rua do Brasil, que vendem frutas, vegetais, peixes e uma variedade de outros artigos não-relacionados à alimentação como roupas, artigos de beleza (já vi Natura), doces, ração para animais, sapatos, entre outras coisas.
A diferença entre um e outro é que os “mercados sobre ruedas” são regulamentados e fiscalizados pelo governo e garantem um melhor preço por eliminar o intermediário (supermercados). Além disso, todos os alimentos tem sua qualidade fiscalizada, ou seja, é pouquíssimo provável que você compre algo estragado.
Ocupam a rua inteira e são bem longos (o que nós frequentamos, por exemplo, pega mais de 6 quarteirões). Funcionam todos os dias, cada dia da semana em uma delegação/colônia diferentes.
Um ponto muito legal é que se pode provar o que quiser, sem medo. Eles são extremamente higiênicos e cuidadosos; como são fiscalizados pelo governo, você não vê nenhuma barraquinha suja nem aquele cheiro de coisa podre no ar.
Bom, eu sempre provo frutas e, principalmente, queijo e nunca passei mal.
A variedade de produtos e os preços são incríveis. O tomate, por exemplo, custa mais ou menos 4 reais o kg.
As “tianguis” são anárquicas. Os comerciantes se juntam e se organizam sem nenhuma interferência do governo e não estão permitidos de fechar as ruas para montarem a feira, ou seja, montam nas calçadas.
Aliás, uma coisa que você pode esquecer sobre o México é que eles só são bons em pimenta, tacos e tequila.
A comida mexicana
Os restaurantes possuem uma cozinha variada e os pratos não são absurdamente picantes como se espera. Sim, gostam de pimentas e, se você não pergunta, pode acabar recebendo um prato bem apimentado. Mas é muito mais raro do que parece.
Além disso, o queijo aqui é uma delícia e, se você estiver planejando uma visita ao México, não deixe de provar o queso oaxaca, um queijo artesanal “inventado” no estado de Oaxaca.
Trânsito, trânsito, trânsito…
Dizem que o trânsito na Cidade do México é pior que São Paulo. No final das contas, é tão ruim quanto.
Desde que cheguei aqui, já peguei, sim, trânsitos insuportáveis, já demorei 2 horas para chegar no meu destino e já fiquei bem puta por estar perdendo meu tempo dentro do carro.
O que eu observei, no entanto, é que em São Paulo eu pegava trânsito praticamente todos os dias, em qualquer lugar. Saía do trabalho na Berrini em direção à minha casa, na Casa Verde (zona norte), já com a consciência de que se demorasse menos de 1 hora estaria no lucro.
Aqui, o trânsito tem muitas rotas alternativas.
Óbvio que existem exceções e há lugares sem escapatória em nenhum dia da semana, do tipo “liga o rádio e enjoy the traffic”, mas eu não saio de casa sempre de saco cheio com a certeza de que vou demorar uma vida para chegar.
Além disso, aqui eles tem uma alternativa incrível e um tanto quanto “segregadora” chamada Autopista Urbana, também conhecida como Segundo Piso.
Funciona exatamente como o Elevado de SP (Minhocão), mas aqui, paga-se por trecho e ele conecta a cidade inteira de uma maneira bem eficiente, com saídas para as principais zonas da cidade. É um valor baixo para se escapar do trânsito, e eu chamo de “segregador” porque, se você tiver dinheiro e estiver disposto a pagar, você foge do trânsito tranquilamente.
O sistema de pagamento/cobrança é similar ao do Sem Parar, mas sem a cobrança da mensalidade.
Festas de Fim de Ano
Que os mexicanos adoram comemorar, não é segredo para ninguém. Eles gostam de festas regadas a bebidas alcoólicas e muita comida.
As festas de final de ano começam bem antes do que você pode imaginar. Aqui, eles iniciam as comemorações 9 dias antes do Natal: são nove dias de fiesta conhecidos como Las Posadas, herdadas da Espanha.
Cada dia de Las Posadas representa um mês de gravidez da Virgem Maria, finalizando no dia anterior ao nascimento de Jesus. Sim, apesar de adorarem um gorózinho, os mexicanos são católicos e bastante religiosos.
Não é difícil que algumas famílias comemorem também as Pré-Posadas, que é mais pretexto para festa, muita comida e bebidas alcoólicas.
Outra coisa superinteressante do México é que o Dia de Reis (6 de janeiro) também é comemorado. As crianças podem ganhar presentes na Navidad e no Día de Reyes.
O México não é só pimenta
Sério, se você ainda só relaciona México a tequila e comidas exorbitantemente apimentadas, você tá sabendo errado. Também não é só tacos e o que você encontra no cardápio de restaurantes mexicanos aí no Brasil.
Os mexicanos são buena gente e eu me sinto bem-vinda no México desde o meu primeiro dia aqui. Não sou fluente em espanhol (ainda!) e, em todas as situações em que precisei me expressar (mas me faltaram as palavras), os mexicanos tentaram me entender da melhor forma possível.
Sem contar que eles adoram brasileiros.
Eles são ensinados sobre o valor da história do país desde pequenos e são patriotas, no estilo de se ver bandeiras espalhadas pela cidade e coladas no cantinho nos carros, e não é só porque a Copa está chegando. Simplesmente porque, apesar dos problemas, amam o próprio país.
Eles respeitam a própria história, os monumentos, as datas comemorativas — o Dia da Independência aqui é realmente comemorado com declaração do presidente e tudo — e, é claro, deve existir os espíritos de porco, mas com certeza são em menor quantidade do que aqueles que realmente se sentem orgulhosos de serem mexicanos.
Pode sim ser um país cheio de problemas sociais e econômicos, mas, honestamente, eles são muito mais unidos pela herança cultural do que o povo brasileiro.
E dá orgulho de se ver.
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