Temos em nosso modelo mental que uma pessoa capaz de causar mais de um milhão de mortes não deve ser um sujeito bom. Mao, Stalin e Hitler se encaixam nesse perfil do vilão absoluto, assim como outros carinhas complicados com muito poder nas mãos.
Mas, apesar de ter matado bem mais, o reconhecido filantropo James Buchanan Duke não tem nada a ver com esse perfil.
Nada a ver mesmo, exceto que a busca por dólares fez nascer uma indústria que mata 5 milhões de pessoas todos os anos, segundo a Organização Mundial da Saúde. Se não fosse ele, outra pessoa certamente teria iniciado aquilo que poderia ser reconhecido como o mal do século XX. E teria ficado podre de rico em seu lugar.
Tudo começou em 1885, quando Duke mandou construir a primeira máquina de processamento de cigarros. Antes disso, em sua “fábrica”, um operário produzia artesanalmente 200 cigarros por dia enrolando-os à mão. Esta máquina, a primeira de seu tipo, produzia 120 mil cigarros no mesmo período.
Considerando apenas o que se consome de cigarros em um nervoso jogo da Libertadores, até que não parece tanto, mas na ocasião isso era o equivalente a um quinto do consumo norte-americano. Até então, as únicas opções para usar tabaco eram usar um cachimbo ou charuto ou enrolar o próprio fumo. Tudo muito caro e pouco prático se comparado com os cigarros fabricados em escala industrial.
Era tanto cigarro que o problema de Duke agora não era mais produzi-los, mas vender toda essa produção. Pelo preço que fosse.
Até de graça ele distribuía cigarros para promover o produto. Mas não em qualquer lugar: ele sempre os distribuía em desfiles de moda, estreias de peças teatrais e outros locais de alto status. A ideia era que as estrelas fossem fotografadas fumando, aumentando assim o status do cigarro.
Ou seja, além de matar milhões de pessoas todos os anos, Duke também inventou a disciplina favorita dos políticos brasileiros, o marketing, muito antes da Coca-Cola e da GM.
Milhões de mortos
Todo mundo sabe o mal que o cigarro faz. Hoje em dia. Mas Duke morreu numa época em que médicos até mesmo recomendavam o consumo do tabaco. Para ele, estava fazendo do mundo um lugar melhor. Era tão bem intencionado que fez um doação gigantesca para o Trinity College, nos Estados Unidos, que, honrado, mudou o nome para Duke University.
Ou seja, Duke também foi o precursor da moda do Naming Rights, algo que só pegaria fôlego em 1990.
Assim como Henry Ford, cujos automóveis baratos deram mobilidade (e propensão a morrer em acidentes) a bilhões de pessoas, Duke permitiu que o consumo do tabaco fosse massificado. Depois dele, restaurantes, cinemas e outros lugares públicos passaram a aceitar fumantes. E mais: apenas fumantes do cigarro produzido em massa, porque faziam menos fumaça que os cachimbos ou palheiros. A facilidade de fumar cigarros, aliada ao hábito de tragar, fez explodir os casos de câncer de pulmão.
Estes dados do Ministério da Saúde mostram como deu certo o esforço de Duke:
“(…) o fumo é uma das principais causas de morte evitável, hoje, no planeta.
Um terço da população mundial adulta – cerca de 1,3 bilhão de pessoas – fuma: aproximadamente 47% da população masculina e 12% da população feminina fazem uso de produtos derivados do tabaco. Nos países em desenvolvimento, os fumantes somam 48% dos homens e 7% das mulheres, enquanto nos desenvolvidos, a participação do sexo feminino mais do que triplica, num total de 42% de homens e 24% de mulheres fumantes.
No Brasil, pesquisa realizada recentemente pelo Ministério da Saúde, por meio do Instituto Nacional de Câncer (Inca), indica que 18,8% da população brasileira é fumante (22,7% dos homens e 16% das mulheres).”
Fonte: Portal da Saúde
Ele inventou o produto, desenvolveu formas muito eficazes de vendê-lo e, mais ainda, ficou extremamente rico nesse processo. Para concluir, um único americano motivado pelo interesse pessoal de enriquecimento matou mais gente do que Hitler, Stalin e Mao juntos.
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