Ontem o Luciano Ribeiro nos enviou um email comentando como tinha ficado assustado e um pouco triste ao ver este vídeo sobre o Google Glass.

Link YouTube

“Não sei vocês, mas que tristeza de ver isso se tornando realidade. Ao mesmo tempo, espero que seja um passo a mais na direção de percebermos a loucura que é vivermos tão distantes do presente, da terra e do contato humano verdadeiro.”

Todas as relações são virtuais

O pensamento budista, por exemplo, sustenta que nenhum objeto, evento ou fenômeno tenha existência inerente – inclua-se nossos entes mais queridos, namorados, cachorro, dinheiro, estas palavras, os objetos estéticos, as linguagens, os valores, mesmo aquilo que entendemos por “eu”… Qualquer destes fenômenos só nos surge na dependência de uma série infindável e complexa de causas e condições, momento a momento e para uma experiência mais ou menos privada de cada um – mas nunca completamente compartilhada.

Na filosofia ocidental encontramos noções bem próximas disso, especialmente no campo das linguagens, das semióticas e da estética. O lama Padma Samten explica resumidamente como isso é descrito por Immanuel Kant, por exemplo:

“Ele afirmava ser impossível conhecer o “objeto em si”, dizia que tal conhecimento é inatingível para a razão. A mente funcionaria com base em uma certa percepção dos fenômenos como um conjunto de asserções nascidas a partir da intuição transcedental e a priori de tempo e espaço, ou seja, uma primeira interface entre os sentidos físicos e a realidade exterior, um local de encontro.
Posteriormente, e já mediados por categorias transcendentes do conhecimento ou da razão, os objetos que aparecem externamente como fenômenos surgiriam internamente como conceitos, uma abstração de fato.”

E neste vídeo o professor Clóvis de Barros nos leva em uma reflexão rápida e afiada sobre o tema. Sugiro parar tudo pelos próximos 12 minutos, botar em tela cheia e recostar-se:

Link Vimeo

As aparências surgem como se estivessem verdadeiramente lá fora, pré-definidas, mas o fato é que participamos ativamente do seu surgimento, ajudamos a conferir seus significados e qualidades. Não nos relacionamos com as pessoas, coisas e eventos autoxistentes, mas com nossas experiências de pessoas, coisas e eventos – lidamos sempre com aparências virtuais, mesmo quando estamos frente a frente, se olhamos olho no olho. Não parece haver outra possibilidade, e um par de óculos mágicos não vai aumentar nem diminuir isso.

Leia também  Como usar o Facebook para manter contato com as gringas que você conheceu na viagem

Agora, dada a nossa óbvia propensão para o autocentramento, para medos e ansiedades de todo tipo, e como isso tem nos levado, desde sempre, a usar as tecnologias também para perpetuar a loucura pelo mundo afora, a questão é de fato muito pertinente: será que algo assim é potencialmente mais benéfico ou mais maléfico?

Como se tornar um otimista

Em 1999 assisti ao programa Roda Viva com a participação do filósofo francês Michel Serres. Entre tantas coisas impressionantes que ele falou nesta entrevista, me marcou bastante esta fala sobre como ele se tornara um otimista:

Link YouTube

“Eu tinha um professor, era um homem admirável, e descrevia a maneira pela qual o homem se levantou. Ele estava de quatro e levantou. E ele nos mostrava, ficando de quatro, mostrava que as duas mãos sustentavam o corpo. E, quando o corpo levantou, dizia ele, as mãos perderam a função de sustentar.
“Perderam a função de sustentar, mas adquiriram a função de pegar.” Portanto, a mão apareceu. Mas, antes, quando estávamos de quatro, a boca tinha a função de pegar, já que as mãos estavam ocupadas. Portanto, a boca perdeu a função de pegar, não é? Mas ganhou a função de falar. E, desde que esse professor me explicou tal fenômeno, tornei-me um homem otimista.”

Pois bem, alguns emails depois, o Luciano já andava um pouco menos aflito.

“De fato… minha tristeza vem de não querer passar por esse momento de expansão. Talvez seja só uma ansiedade besta minha. Daqui a pouco as coisas se configuram de um jeito que eu mesmo terei um desses e vou ter de encontrar um equilíbrio pra isso na minha própria vida.
Igual Facebook, igual e-mail, igual smartphone, igual tudo. É ferramenta, então ela serve aos propósitos que dermos a ela.”

Fábio Rodrigues

<a>Artista visual</a>