O sol estava quente, apesar de já ser quatro da tarde. Eu só via a minha noiva chorando, repousando sobre o meio fio, reclamando do cansaço de andar de moto pequena, com medo de não ter onde dormir e com a grana curta demais para um quarto de hotel daquela cidade. O GPS do celular não funcionava e eu olhava para o mapa em busca de uma solução.
Ao contrário do que você pode pensar, esse foi um dos melhores momentos da minha vida.
Freqüentemente, vejo fotos e ouço relatos de pessoas que conheceram lugares incríveis, viajaram o mundo. Mas também percebo que a maioria das vezes o fizeram via agências de viagem. Sem deixar espaço para o imprevisto e conheceram uma realidade forjada para turistas.
Ou, então ouço, dos que nunca se permitem, justificativas do tipo:
- Não tenho tempo para isso, o mundo vai acabar se eu me afastar daqui;
- Não tenho grana, aventura é a pra filhinho de papai;
- Legal, mas não sou foda suficiente para sair do meu mundo e morro de medo de sair da barra da saia da mãe, da namorada ou do chefe (esse medo é bem difícil de ser admitido, ao menos com essas palavras).
Você pode fazer coisas legais e conhecer lugares distantes, dignos de cartão postal. Isso é muito fácil, principalmente se você tiver grana. Mas talvez, viagens assim não sejam tão transformadoras.
Confesso que, para alguns, esse relato pode parecer uma viagem comum, feita por um casal comum, indo há lugares comuns do sul do continente. Mas talvez esse relato sirva de estimulo a alguém também pegar a estrada e sair do lugar.
A ideia era conhecer a região Sul do Rio Grande do Sul, pois não era absurdamente distante (e caro) e por ouvir as histórias de meu falecido pai, que falava sobre as belezas da região e a Lagoa do Patos. Um homem, um dia que seja, precisa ir de encontro às suas raízes. E, como nesse momento, meu relacionamento não ia bem, uma viagem para uma praia deserta parecia ser uma ótima ideia.
Assim sendo, escolhemos a Praia do Mar Grosso, em São José do Norte, uma cidade de pescadores que fica “do outro lado” do porto de Rio Grande–RS.
Apesar da distância não ser grande, levamos praticamente a sexta-feira inteira para concluir a primeira parte da viagem, entre descansos, esperas para as tempestades de verão passarem, a espera da balsa para cruzar de Rio Grande até a pequena cidade que lembrava mais o Nordeste do país do que as Ítalo-germânicas com as quais estávamos acostumados.
Passamos a noite em uma pousada, mas já na outra noite, estávamos em uma casinha alugada, bem desligados do mundo. Sem internet, sem horas a cumprir, apenas com uma TV preto e branco e um radinho para fazer a trilha sonora. Menos é mais.
Interessante foi conversar com o dono da casa, um pequeno comerciante da cidade, e que visivelmente prosperava na vida financeira enquanto eu patinava nesse aspecto. Nós dois beirávamos os 30 anos. Ele nunca tinha saído da pequena cidade, nem mesmo “nas famosas excursões de colégio do primário”.
Aprendi com esse choque de realidade, e creio que ele também aprendeu alguma coisa com isso.
Após esse fim de semana, deixei a maioria da bagagem na casinha e fui conhecer a região da Estação Ecológica do Taim. Não dá pra entrar no parque, mas na beira da estrada dá pra ter uma noção de como a natureza é incrível.
Um lugar que merece destaque é a Igreja da Capilha, que fica numa prainha banhada pela lagoa do Mirim. Segundo os moradores, seria a igreja mais antiga do RS. O local é incrível pela história e pela natureza.
Já que o Uruguai era logo ali, dei uma espichada de uns 100 km até o Chuí, extremo sul do Brasil. Após o almoço (Parrilla, é claro) retornamos, sofrendo com o vento “nordestão”, que insistia a atrapalhar a moto em sua tarefa de ir adiante. Chegamos mortos à casinha no fim da noite.
Na terça nos despedimos da pequena cidade, rumando a Pelotas, conhecendo a bela cidade e com planos de ficar próximos à belíssima praia do laranjal. Por falta de planejamento, não sabíamos que era tão complicado e caro para os nossos padrões ficar por lá. O preço de descobrir as coisas por conta é esse.
Rumei para uma cidade vizinha, que é São Lourenço do Sul, terra onde meu pai viveu a infância. Chegamos à noite lá e ficamos em uma hospedaria simples, porém, mais do que adequada.
Mal sabíamos que após um amanhecer cinzento, seriamos presenteados com uma manha incrível. A lagoa dos patos parecia uma piscina, de tão limpa e transparente. Na hora que partimos dali, o presente se desfez com o vento a calmaria da Lagoa se foi.
No fim dessa tarde, estávamos em casa e incrivelmente felizes.
Felizes para sempre? Um mês depois, me separei da companheira de viagem e de relacionamento de 8 anos.
Por mais lugar comum que pareça, nem sempre nos lembramos que, cada um tem a sua jornada a cumprir e nem sempre os caminhos são os mesmos.
Nota do editor: Mandem seus relatos para as próximas edições do Na Estrada
Queremos mais histórias viscerais, queremos ver vocês saindo da cadeira e rodando por aí. Queremos saber das trilhas, escaladas, caminhadas, comidas exóticas, animais selvagens e tudo mais que vocês ousarem desbravar em suas expedições. Queremos inspirar vocês.
Instruções para envio:
- o e-mail é naestrada@papodehomem.com.br
- faça um contexto rápido, contando quem estava lá, onde e quando foi a aventura
- escrevam textos curtos, concisos, contando o melhor, como se estivessem narrando os feitos para um amigo
- não esqueçam de ler as orientações para novos autores
- inclua as fotos mais descaralhantes da aventura; se tiver vídeo, mande também
Vamos sentir a qualidade e quantidade dos relatos para decidir a frequência da série. Relatos fracos serão negados, já avisamos pra ninguém ficar tristonho. Além do que, mais importante do que ter a história publicada na web é ter vivido tudo na pele.
Até breve!
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