É como se fosse uma coletânea do Pearl Jam, só que com canções novas.

“Gonna See My Friend”, “Got Some” e “The Fixer” fazem a trinca de abertura de disco mais energética dos últimos tempos.

A ‘punkatitude’ brota nas guitarras determinadas da dupla Gossard/McCready, norteadas pela bateria técnica e consciente de Matt Cameron, que não poupa esforços e desce o braço.

Assim começa Backspacer, novo álbum de estúdio do quinteto de Seattle. Acelerado, positivista, animado e pontuando todo o tempo uma nova fase pós Bush.

“Gonna See My Friend” (dá play antes de continuar lendo)

Em vez de se repetir, se refaz

A banda já figurou como mais importante do planeta lá no meio dos anos 90, olho do furacão grunge, influenciou descaradamente dezenas dos que depois vieram e, quando poderiam muito bem viver da paródia de si próprios e revisitar sucessos do passado, usando a dúbia nostalgia para fazer um bom dinheiro, seguiu o curso natural da vida e da música, mudando e experimentando, mas sempre soando genuinamente ‘Pearl Jam’.

Em Backspacer, é perceptível o equilíbrio entre a energia que tanto marcou os primeiros trabalhos da banda com a leveza dos álbuns mais contemplativos como Yield (1998) e Riot Act (2006). Nesse compilado de estilos que definiram a carreira do grupo, antes de qualquer coisa, é perceptível a vontade de se divertir de Eddie Vedder e Cia, que entregam um álbum rápido, porém potente e gracioso.

“Amongst the Waves” ao vivo (uma das baladas mais fodas)

Back to basics

Se um dia eles já desfrutaram do topo da cadeira alimentar do rock’n roll, agora gozam do prazer de gravar de forma independente.

Produzido por Brendan O’Brien (que trabalhou com a banda), o nono disco dos ainda residentes no noroeste americano volta ao que poderíamos chamar de “raízes fundamentais do rock’n roll” – diversão e sentimento.

Não há uma só canção nos pouco mais de 36 minutos que não esteja impregnado com uma dessas bases, e dessa vez sem a angústia da época grunge, sem o experimenalismo do começo dos anos 2000 e sem a indignação dos últimos oito anos que o EUA fora governado por um ‘Texas Leaguer’.

O Pearl Jam juntou toda sua bagagem pra fazer o álbum mais descompromissado de sua trajetória.

Além da tríade de abertura já citada, “Supersonic” também injeta disposição em um estilo que sempre foi buscado pela banda, mas que aparentemente só foi alcançado com a exatidão idealizada agora. “Johnny Guitar” e “Force of the Nature” fazem o equilíbrio com um rock’ roll menos veloz, mas de igual vivacidade.

“Got Some” ao vivo (Tonight Show with Conan O’Brien)

Os diferenciais

A voz e interpretação de Eddie Vedder contam como parte essencial (se bem que nunca foi diferente no passado) nos pormenores, assumindo o tom festivo e potencializando o grácil das canções mais lentas. “Just Breath” (abaixo) seria facilmente encaixada na trilha sonora do filme Na Natureza Selvagem (Into the Wild – 2007), toda composta pelo vocalista.

“Amongst the Waves” (acima) e “Unthought Known” (abaixo) dividem o ápice da sentimentalidade e da noção que Vedder tem em dosar seus talentos vocais.

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“Just Breathe” (com a letra no vídeo)

E até os fãs mais puristas devem ter percebido a importância que as teclas ‘gasparianas’ ganharam. As segundas vozes e guitarras de fundo estão bem apoiadas pelos arranjos de Ed ‘Boom’ Gaspar, pianista e organista que surgiu em 2002 como uma espécie de integrante interino e hoje distribui notas precisas que crescem sempre que a necessidade aparece. Seu apoio chegou a ser mal recebido por uma parcela xiita, mas se solidificou de modo a dividir relevância com a voz do próprio Vedder.

Veja como ambos se complementam na linda “Unthought Known”:

E a vida segue…

Os integrantes do Pearl Jam já não são mais moleques subindo em banquinhos e no bumbo da bateria no acústico MTV (de 1992), escrevendo “Pro Choice” no braço ou batendo o braço do baixo nos pratos, mas suas composições (hoje mais distribuídas entre seus integrantes) ganharam aspirações joviais, mescladas com as divagações de quem já percorreu bons anos.

No geral, as letras exibem epifanias de que a vida deve ser aproveitada e se libertou de algumas questões mais amargas de existência e visão do mundo. Depois de quase vinte anos, Eddie Vedder deixou de se perguntar tantos porquês e figurou mais nas simples constatações (Recentemente, o vocalista disse em entrevista ao programa Radio 1, da BBC, “Depois de escrever por tantos anos, tantos álbuns e por tantas razões diferentes, eu simplesmente não consigo compor por mais de meia hora”).

Curta feito pela banda com o making of do álbum

Se o primeiro álbum (Ten, de 1991, relançado em edição de luxo no meio deste ano) trazia angustias em “Black” (“I know you’ll be a star…in somebody else’s sky, but why…can’t it be mine” – Algo como “Eu sei que você será uma estrela no céu de alguém,mas por que não pode ser minha”) e “Even Flow” (“Freezin’, rests his head on a pillow made of concrete, again” – “congelando, ele descansa sua cabeça em um travesseiro feito de concreto, de novo”), ou até a maldição incrustada no refrão de “Alive” (o “I’m still alive”), Backspacer enaltece o bom proveito do tempo que temos (“I wanna shake this day before i retire” em “Gonna see my Friend”, “Now Johnny he be having lots of women” em “Johhny Guitar”, “I want to live my life with the volume full” em “Supersonic”).

E nada melhor que aproveitar a audição desse disco focado no aviso derradeiro da bela “The End”:

“Give me something to echo in my unknown future / You see, my dear / The end / Comes near / I’m here / But not much longer”
(“Me dê algo para ressoar em meu futuro desconhecido / Você vê, querida / O fim / Se aproxima / Eu estou aqui / Mas não por muito tempo”).

E você?

Estará?

Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados