Quando encontrei esse livro pela primeira vez na prateleira de uma livraria, fui motivado a comprá-lo por dois motivos: o título, que é extremamente convidativo, e um texto de quarta capa que dizia ter sido aquele livro adaptado para o cinema por Francis Ford Coppola, sob o nome de Apocalipse Now e que conta com atores renomados como Marlon Brando e Martin Sheen.

Confesso que ainda não havia assistido ao filme, mas como todos os meus amigos descolados diziam ser um “filmaço”, não pude evitar o desejo de ser mais descolado que eles e dizer a todos que, antes de tudo, o meu alvo era a fonte original.

Ô nome foda para um livro

O resultado não poderia ser outro. Fiquei fascinado pela leitura. Em diversos momentos, parecia ter sido hipnotizado pela narrativa. Eu não sabia, mas Joseph Conrad se tornaria um dos meus autores preferidos e, para muitos, é considerado um dos clássicos da literatura do século XX.

Para começar a falar sobre o livro, devo começar mostrando, aos caríssimos leitores que decidiram me acompanhar nessa jornada literária, uma das características do afamado escritor polonês, que é a de criar, a partir de experiências extremas de amadurecimento, reflexões acerca da natureza humana. E por ter se tornado um marinheiro e trabalhado em embarcações por muitos anos, até se tornar capitão, muitos de seus livros narram algumas das vivências que as viagens lhe trouxeram.

E foi em uma dessas viagens que, aos 32 anos, Conrad esteve no Congo e testemunhou as graves atrocidades que, ao longo de quarenta anos, enriqueceram a Europa (principalmente a Bélgica) e tiraram a vida de cinco milhões de negros na busca por riquezas como marfim, ouro, diamantes e borracha. As cenas que viu o chocaram e a experiência o fez refletir mais sobre o que é essência de um ser.

É nesse contexto que ele escreve O coração das trevas, um livro que narra a odisseia de um homem por um rio, nas profundezas de uma selva primitiva. Contudo, a história guarda mistérios que vão se construindo aos poucos, até o leitor conseguir identificar o lado sombrio da natureza humana, por meio de traços de decadência moral e física.

Para acompanharmos a história, Conrad nos apresenta a Charles Marlow, o personagem principal da trama. Ele será o capitão de uma tripulação que deve penetrar na selva africana e encontrar Kurtz, um antigo chefe de posto que deseja, a sua maneira, civilizar os negros selvagens do Congo.

Conforme a história vai se desenvolvendo, Marlow vai percebendo dois pontos importantes. O primeiro é a maneira como os europeus consideram sem importância as vidas miseráveis dos africanos e o outro são os boatos sobre Kurtz ter contraído uma doença desconhecida que o enlouqueceu.

As dificuldades que a jornada impõe e todas as reflexões que faz tornam o personagem mais consciente da sua realidade. E como podemos tirar uma reflexão de “macho” dessa história? Para responder, fiz uma retrospectiva da minha adolescência e percebi que o limite entre ela e a fase adulta não é bem definido, mas é facilmente identificável.

O que é mais simbrio? As águas desconhecidas ou o coração de cada homem?

Essa é a fase que as descobertas vão surgindo sucessivamente, a sexualidade começa a dominar e os posicionamentos políticos são estabelecidos.

Engraçado recordar que nós, homens, temos muita dificuldade para amadurecer. De onde tiro essa conclusão? Da comparação com as mulheres. Elas tomam consciência de seus corpos e mentes com mais facilidade e em menos tempo. Basta dar uma volta nos tempos de escola e lembrar que, enquanto as meninas já se preocupam com os primeiros namorados, os meninos só querem saber de jogar futebol e brincar.

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É por conta disso que, ao ler O coração das trevas, faço a associação com a maturação masculina.

É como se o homem fosse deixando para depois a fase de amadurecimento. Quando percebe que o momento chegou, já está tarde e algo mais radical é necessário para estabelecer um caminho a seguir: um que leva à evolução, e outro, à degeneração moral. Esse limite leva o homem a questionar certos valores na sua vida, que por sua vez vão definir que adulto será a partir da decisão tomada.

E é essa mesma reflexão que Marlow passa durante sua experiência n’OCoração das trevas. A realidade dura e cruel da natureza humana que se concretiza no assassínio de seus semelhantes em troca de riquezas fazem com que Marlow defina a sua posição diante do mundo. Esse choque de identidade é visível quando, já na África, o personagem chega ao posto de trabalho em que pegará seu barco e, no caminho, vê negros acorrentados – a escravidão já era proibida, mas quem se importava com isso? – carregando marfim para dentro dos barcos, e cadáveres auxiliam na decoração do ambiente.

Dentro dele, germina uma pergunta: devo ou não me sentir mal com isso, quando os outros europeus do posto agem com naturalidade? E os que vivem na Europa, que não fazem ideia do que acontece por aqui?

Com as perguntas crescendo em sua mente, Marlow parte para sua missão, que na verdade não é apenas um trabalho para a empresa que transporta marfim para a Europa, mas sim a jornada solitária do herói nas profundezas de um mundo desconhecido.

E como disse no começo do texto, esse livro se transformou, com muita competência, em filme. Para alguns, pode parecer estranho que um livro se passe na selva africana e o filme seja uma história sobre a guerra do Vietnã, mas para observadores mais atentos, elementos narrativos, cenas e até mesmo diálogos foram diretamente transportados para as telas, o que torna a experiência cinematográfica uma adaptação moderna e bastante fiel da história que Charles Marlow viveu em O coração das trevas.

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Joseph Conrad nasceu em Berdichev, Polônia, em 3 de dezembro de 1857. Foi marinheiro por quinze anos e recheou suas histórias com as experiências que passou no mar. O coração das trevas (1902) é um dos seus livros mais conhecidos, ao lado de Lord Jim (1907) e A linha de sombra(1917).

Filipe Larêdo

Filipe Larêdo é um amante dos livros e aprendeu a editá-los. Atualmente trabalha na Editora Empíreo, um caminho que decidiu seguir na busca de publicar livros apaixonantes. É formado em Direito e em Produção Editorial.