Acontece todo sábado.

De manhã, distribuímos um email-coletânea de links interessantes para os 2 mil e poucos leitores do Oeneque assinaram a nossa newsletter semanal. Já foram 26 edições e agora estamos ganhando uma centena de assinantes toda semana, além de alguns fãs ilustres, como o Gustavo Gitti.

Sábado de manhã, um café com leite e as notícias
Sábado de manhã, um café com leite e as notícias

Estou aqui para fazer uma autopromoção, é claro, mas também para dizer por que acho que uma newsletter, das maneiras mais antigas de se comunicar na internet, faz tanto sentido nesse nosso mundo louco e rápido demais. E por que eu gostaria de ver mais disso.

Escrevi aqui dia desses que ser inteligente hoje é ser seletivamente ignorante. Temos contato com uma quantidade incrível de informação e, pra não ficarmos perdidos, precisamos escolher melhor o que merece nossa atenção. Criar filtros ou mesmo escolher as fontes certas é uma tarefa não tão trivial, e pode resultar na formação de bolhas. Então é sempre bom ter algum amigo (ou site-amigo, como o PapodeHomem), que aponta para coisas que podem ajudar você a melhorar a sua visão de mundo. Coisas que você nem estava procurando, mas que te fazem se sentir melhor depois de ler.

Era o que queríamos quando criamos o Oene. Na realidade, a ideia mesmo era escrever ensaios que fossem “comida para o cérebro”. Escreveríamos apenas quando tivéssemos algo relevante e diferente a dizer, faríamos os textos completos, com teses bem defendidas, cheias de referências, mas equilibradas — debatidas às vezes por meses e editada com carinho antes de serem publicadas.

Essa receita complexa funciona até certo ponto, porque é algo difícil, lento e, cá entre nós, um tantinho presunçoso. Obviamente nós não somos os únicos a escrever assim, nem fazemos isso melhor. E aí, antes de colocar o site no ar, pensamos que o que queríamos mesmo era separar o sinal do ruído.

E podíamos fazer isso não só escrevendo, mas fazendo uma curadoria de textos publicados por aí que tinham a ver com a nossa visão, que compartilhávamos entre a gente. Surgiu a ideia de uma newsletter, baseada no que víamos lá fora na Atlantic, New York Review of Books, Brain Pickings e PandoDaily, para ficar em algumas.

Escolhemos mandá-la sábado de manhã por um fator psicológico mesmo. Na época, que lançamos justifiquei assim:

Lembra quando você ficava ansioso para ver a capa da revista semanal que chegava na sua casa sábado de manhã? A sensação de folhear as reportagens incríveis que apareceriam? Eu também não lembro. Mas mesmo assim, gostamos da simbologia de pegar algo novo e interessante para ler e ir pra praia/piscina/parque.

Não são muitos textos que selecionamos — algo entre 5 e 10. Aliás, não há um número definido. É como nas melhores casas de sushi aqui de São Paulo: se houver coisas frescas, de boa qualidade, oferecemos. Se não, é o mínimo e olhe lá (o Jun Sakamoto — restaurante japonês aqui de São Paulo — sequer abre se o peixe não está fresco e cancela as reservas). Brinco que escolhemos “links orgânicos selecionados”. É uma piada, mas a ideia é mesmo lembrar que precisamos de menos informação-fastfood.

Camponês lendo o jornal em Coryell County, 1931
Camponês lendo o jornal em Coryell County, 1931

Mudamos o menu da newsletter sempre, mas tentamos colocar alguma reportagem mais “atemporal” e longa, alguma que investigue assuntos importantes e que não estão ganhando a devida cobertura, alguns artigos curtos bem sacados sobre um tema fresco e uma dica cultural com resenhas para acompanhar. Cuidamos também para não compartilhar coisas que já tem milhares de likes — não queremos ser redundantes, e gostamos de surpreender o leitor.

Deixamos coisas polêmicas demais ou com posições extrema de lado. O lema do Oene, afinal, é “bem razoável”.

Além dos links, escrevemos um textinho explicando por que gostamos do assunto, damos o contexto e falamos por que vale ler sobre esse texto especificamente, com algum trecho bacana selecionado. Fica assim:

O que significa a nossa angústia sobre o avião desaparecido – Enquanto escrevo esta newsletter, não sabemos o paradeiro do 777 da Malaysia Airlines e as 239 pessoas que estavam a bordo. Completamos uma semana e a última informação que temos é que o avião ficou cerca de 7 horas no ar. Mas nada é certo, e há algo muito errado quando um negócio daquele tamanho some no dia de hoje, quando absolutamente tudo é encontrável.

Leia também  Foo Fighters nos ensina a brincar com a nossa vida profissional | Eu ouvi pra você #12

A repentina falibilidade da tecnologia – e o sentimento de ansiedade que ela cria – é magistralmente explorada por José Miguel Wisnik, em sua coluna dO Globo de hoje: “No tempo em que as tragédias reais são denegadas, em que o oceano não é mais tido como inescrutável, em que a morte não tem permissão para fazer o seu trabalho, o avião desaparecido grita aos céus, mais do que como um índice da pequenez humana, como uma heresia frente a essa religião contemporânea que podemos chamar de tecnocapitalismo.

Desde o celular de qualquer pessoa, capaz de fotografar e pôr no mundo qualquer acontecimento imediato, passando pelas câmeras vigilantes espalhadas por toda parte, pela onipresença dos meios digitais e pelo alcance fulminante das máquinas de guerra, um aparato intensivo e extensivo de vigilância pressupõe que tudo está dentro do sistema. Que não o esteja, que não possa ser rastreado, configura uma espécie de escândalo novo e infinito enquanto dure.”

Ou assim:

A geração de crianças superprotegidas – Uma capa de revista ainda é capaz de gerar discussões importantes e duradouras, e é o que está acontecendo lá nos EUA por causa da última reportagem especial da Atlantic, que tem o URL “Hey, parents, leave those kids alone”.

Hanna Rosin tenta explicar como exatamente que a preocupação com a saúde e a segurança das crianças americanas está privando-as de habilidades como independência e convivência com o perigo, e fala do movimento que surge agora, pregando que crianças se machuquem e fiquem perdidas (dentro do razoável, claro).

A geração de pais surperprotetores (que existe, com um pouco menos de neuras, aqui também) parece ter tido origem no movimento que pediu mais segurança nos parquinhos, lá nos anos 70. Relatórios alarmistas e uma mídia pronta para vender novos perigos contribuíram para a criação de diversos mitos e comportamentos reativos, como o “nunca fale com estranhos”. Há conclusões interessantíssimas: “O que mudou desde os anos 1970 é a natureza da família.

Por uma variedade de razões — divórcio, mais famílias de mães ou pais solteiros, mais mães trabalhando — tanto famílias quanto vizinhanças perderam um pouco de sua coesão. Então talvez seja natural que a confiança, em geral, tenha sofrido, e que os pais tenham buscado controlar mais fortemente aquilo que podem – mais do que tudo, seus filhos.”

Mas há um processo

Redação do Jornal do Brasil, no fim dos anos 60 (Foto: Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil)
Redação do Jornal do Brasil, no fim dos anos 60 (Foto: Luiz Orlando Carneiro, Jornal do Brasil)

Temos um arquivo no Editorially, que é tipo um Google Docs mais classudo (que está indo embora, infelizmente), onde o Leandro e eu colocamos os links durante a semana. Na sexta de noite ou sábado de manhã, peneiramos o que valeu à pena, relemos o que merece ser relido e escrevemos a newsletter.

Não é difícil, e esperamos ver cada vez mais gente fazendo isso. Lá fora, a popularização de ferramentas simplificadas como tinyletter ou mailchimp — e a dificuldade de se sobressair do excesso de informação pelas “vias normais” estão gerando uma renascença das newsletters editoriais, como apontou a Wired ano passado.

Aqui no Brasil, o Rodrigo Ghedin faz uma newsletter bem legal no Manual do Usuário, que vai por essa linha. Certamente há outras boas — que vocês nos comentários devem saber (e eu adoraria conhecer).

Pra assinar a do Oene, basta clicar neste link e escrever o seu email. Se quiser saber o que esperar, dá pra ler as edições passadas por também.

Pedro Burgos

Já escreveu para um monte de revistas, como Superinteressante, Galileu, Exame e VIP, e passou 3 anos como editor-chefe do Gizmodo Brasil. Atualmente, prefere compartilhar artigos conversando ao vivo, mas também seleciona boas leituras para estranhos na Newsletter do <a>Oene</a>. Lançou este ano seu primeiro livro