O que alguém aprende escutando continuamente histórias de pessoas em situação vulnerável?

Foi a resposta que buscávamos quando começamos a conversa com o Vinicius Lima, um dos criadores do SP Invisível e nosso décimo quarto entrevistado do Caixa-preta, que está há anos conhecendo e dando voz a cidadãos em situação de rua.

O teor das perguntas não surgiram do nada. O Vinicius é  conhecido da casa de certa data. Tivemos um primeiro contato quando o entrevistamos no ano passado. Lá, ele contou o que é o SP Invisível e o valor que vê no movimento. E acendeu a fagulha que foi o combustível para nossa conversa, quando falou da mudança que sofreu ao ter mais contato com pessoas em situação de rua: 

(…) Quando comecei o SP invisível, sempre ouvia essas histórias com esse ouvido antigo e o cara, por exemplo, falava sobre fumar crack ou beber, eu já falava "mas não pode, tem que parar" e cagava várias regras pra cima dele.

Só que aos poucos fui ficando mais velho e aprendendo que a galera bebe pra dormir, pra não se matar, pro frio e por aí vai. Além de ser uma hipocrisia danada porque eu também tomo uma cervejinha e falava pro cara não beber. Com o tempo, fui aprendendo que cada um tem um motivo de ser como é, estar onde está e fazer o que faz. Inclusive, é isso que quero mostrar às pessoas.

A fala nos fez querer perguntar mais sobre o que ele estava dizendo. E durante os quarenta minutos que fizemos isto, conhecemos um amadurecimento que nasceu em meio a uma série de incômodos. De encontrar homens em situações vulneráveis e se reconhecer, entender que poderia ser ele ali. Do incômodo de descobrir que não poderia solucionar todos os problemas que desejava, ou ajudar todos que queria. Mas ao escutar e dar voz a pessoas por tantas vezes invisibilizadas, com a esperança de assim gerar alguma mudança, o Vinícius acabou encontrando uma transformação em si mesmo e na maneira de ver o mundo.  

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E vejo a escuta como fator crucial dessa mudança. Ouvir além das palavras é tarefa árdua, mas profundamente transformadora.

Envolve o exercício consciente de uma suspensão de nossas opiniões e o permitir de uma curiosidade genuína, que busca entender a história do outro como narrativa única, e não meio para impormos nossas verdades e nosso eu, como tantas vezes fazemos.

É difícil, é mais simples interromper aquilo que o outro diz, colocar nossa história, voltar o olhar ao nosso umbigo. Mas quando tateamos essa outra abordagem, quando damos a liberdade do outro contar sua história, escutando com atenção, a chave vira. Saímos diferentes do encontro, tocamos o chão. Mudamos quem somos. 

Com o Vinícius, ele descobriu escutando pessoas em uma posição tão diferente da dele que todos tem sua história e suas razões de estarem onde estão. Aprendeu na pele que não existem super-heróis e ninguém é capaz de mudar o outro quando este não quer. Mas que pode, de certa forma, ao se abrir para conhecer e escutar pessoas, mudar a si mesmo. 

E você, como anda praticando a escuta por aí? 

Pra se aprofundar: 

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Caixa Preta é uma série de relatos em primeira pessoa, na qual homens quebram o silêncio e discutem momentos importantes de suas vidas ou do masculino.

Bruno Pinho

Estagiário do PapodeHomem e estudante de jornalismo.