Domingo 6:30 da manhã, o céu está limpo, faz sol, mas está frio em São Paulo.
Minha filha e esposa ainda estão dormindo.
Normalmente eu ficaria um pouquinho mais na cama, mas hoje tenho um encontro especial. Pulo da cama, coloco uma calça jeans, duas meias, bota e camiseta.
Vou naquele cantinho do armário que guardo as roupas de inverno e pego minha jaqueta, o cheiro do couro que ficou o verão inteiro guardado se espalha pelo quarto.
Minha esposa acorda com o barulho.
– Você vai andar de moto?
– Vou.
– Não demora muito. Traz pão.
– Pode deixar.
– Cuidado.
Desço até a garagem, sento na moto. O banco é firme e a suspensão traseira é um pouco dura. Viro a chave e os faróis acendem automaticamente, padrão dessas motos novas.
Penso em apertar o botão de partida, mas prefiro dar a partida com o pé, só pra ter a sensação nostálgica. Uma, duas, três, quatro pisadas, a moto liga, torço a manopla direita até a metade, o barulho do escapamento ecoa pela garagem inteira, a moto vibra, como se o pistão do motor de 500cc fizesse parte de mim agora.
Solto a mão do acelerador, o pistão desacelera, bate cada vez mais devagar. A sensação é de que o motor vai desligar, mas não, ele se mantém em baixíssima rotação, lembrando as motos carburadas da época.
Abro o portão da garagem, sem destino, a cidade ainda está vazia.
Desço a rua de casa no sentido Av.Sumaré. As ruas íngremes de Perdizes não me deixam acelerar, apenas pisar no freio duro da moto.
O freio tambor na traseira parece não segurar o peso todo da moto na descida, aperto um pouco mais e sinto que retomei o controle. Abre o farol da Av Sumaré. Finalmente, uma reta. Não tem ninguém na rua. Primeira marcha, acelero tudo, meus pés tremem com a vibração da moto, o escapamento grita, sinto o torque me empurrar para trás com aquela arrancada gostosa. Segunda marcha, o barulho do vento assobiando começa a surgir, terceira marcha, o vento invade o capacete entreaberto e a brisa fria da manhã paulista gela meu rosto. Quarta marcha e já passei do limite de velocidade.
Reduzo para terceira, segunda, o giro vai lá pra cima e sinto o pistão batendo forte.
Sigo para a estrada, passa a turma de speed a 200km/h do meu lado, minha Bullet chega aos 100km/h, o vento castiga na posição em que piloto. Acelero até 110, 120, e os retrovisores ficam inúteis por conta da vibração da moto. Avisto um pequeno grupo de motociclistas de custom andando a 100km/h e me junto a eles.
A atenção se vira para minha moto estilo 1932 que acabou de chegar ao Brasil.
Andamos por mais alguns km até o retorno, me despeço do grupo com aquela buzinadinha e acenada de cabeça clássica que todo motoqueiro conhece.
No caminho de volta para casa, paro no farol. Ao meu lado para também um motoqueiro de Harley Davidson.
Ele olha para Bullet 500, olha para mim, me acena com a cabeça, eu aceno de volta.
– Parabéns pela moto garoto.
– Obrigado
– Ela tá muito bem cuidada, que ano é?
– 2017
O farol abre, saio acelerando e o homem fica com uma cara de confuso.
Chego em casa com nariz gelado, tirando as luvas e o cachecol, abro a porta e encontro minha esposa acordando. Esqueci a porcaria do pão. Penso em ir até a padaria da esquina, mas tem uma um pouquinho mais longe que o pão é melhor.
Dá pra ir de moto.
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