Brás Cubas encoxa Lolita há três meses. A culpa é toda minha.

Eu adio a compra de estantes para meus livros. Há pouco espaço para todos os títulos. Eles estão encaixotados e se espremem numa orgia literária que desafia tempo, espaço e convenções – clássicos do século XIX estão juntos das graphic novels; literaturas russa e norte-americana dividem a caixa de papelão como se nunca tivesse havido Guerra Fria; Mario Vargas Llosa e Gabriel García Márquez passam os dias juntos e felizes.

Prefiro imaginar que Dolores Haze se faz de difícil. Caso contrário, Humbert Humbert ficaria arrasado.

Porra, Dolores! Não facilita pra cima do cara, porra!

E eu, cúmplice dessa sem-vergonhice entre Brás Cubas e Lolita, iria para o inferno. Se bem que isso é quase certo. Afinal, de boas intenções e de literatura o inferno está cheio.

Lá ardem eternamente autores que nunca se deram bem com o próprio ego e o sucesso alheio. Não raro, há trocas de farpas entre grandes literatos. William Faulkner, por exemplo, sempre achou a escrita de Ernest Hemingway simplória demais e apontou:

“Ele nunca foi conhecido por usar palavra que pudesse levar o leitor a um dicionário.”

A isso, Hemingway respondeu:

“Pobre Faulkner. Ele realmente acha que grandes emoções vêm de grandes palavras?”

Parece até briga de primário. Coisa de criancinha mimada. Ou seria quase uma contenda mafiosa?

Recentemente acompanhei um debate chamado “Ficções, compadrio e as tias”. E me assustei ao ler uma espécie de resumo do terceiro bloco:

Depois das restrições feitas à Geração 90 e ao corporativismo entre os escritores brasileiros, o terceiro segmento avança esse debate. Ambos os críticos condenam a ausência do embate de ideias entre os autores e a relação de cumplicidade que mantêm. “O lugar da literatura virou o lugar das tias”, diz Pécora. Para Beatriz Resende, além de alguns grupos combinarem elogios mútuos, chegam a formam “gangues”, que podem isolar um escritor da mídia.

E você aí, com medo do crime organizado… Amigão, tema a Academia Brasileira de Letras!

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Mas não são apenas os autores que devem queimar no inferno. Lá estarão também alguns críticos que nunca tiveram sucesso como escritores e, por isso, jogam suas frustrações sobre o trabalho alheio.

Qualquer pessoa que exerce o trabalho intelectual de criticar algo está a meio palmo de cair no abismo da ignorância. É preciso cautela, pois é muito fácil falar mal de Paulos Coelhos. E é necessário saber: livros são escritos para serem lidos. Qualquer coisa além disso – crítica, debate, resenha, ponderações, trabalhos acadêmicos, a porra toda – é supérfluo.

Porra, Paulinho! Não facilita pra cima dos críticos, porra!

Eu trabalho com livros há quatro anos. Primeiro como editor em uma editora pequena, depois como repórter cultural na VIP e na Vida Simples. Há três anos fico resenhando obras, mas nunca – nunca! – me senti à vontade próximo de críticos, de escritores ou de gente que gosta de literatura ao ponto de criticá-la.

É ego demais para pouco tempo de vida.

Sim, o inferno está cheio de gente como eu, que trabalha com literatura. O inferno é um eterno clube do livro.

Espero ao menos encontrar estantes por lá.

Nota do editor: Como segunda-feira é um dia infernal para muita gente, os editores do PdH resolveram fazer textos curtos sobre “O que é o inferno para você?” e publicá-los no primeiro dia útil das próximas semanas. Os leitores PapodeHomem certamente têm seus infernos pessoais e, por isso, nós gostaríamos que vocês dissessem nos comentários: o que é o inferno para vocês?

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Ilustradora, engenheira civil e mestranda em sustentabilidade do ambiente construído, atualmente pesquisa a mudança de paradigma necessária na indústria da construção civil rumo à regeneração e é co-fundadora do Futuro possível.