Um cheiro de cigarro pela casa. Havia parado de fumar havia mais de ano e sua mulher nunca botou um toco, uma birra – nem uma bituca sequer – na boca. Zanzou pela casa fungando aquele resto de massa fedida. Estranhou e deixou estar. Foi dormir. 

No escritório, já no dia seguinte, voltou a pensar no cheiro de cigarro que sentiu e lembrou-se ser, o dia anterior, uma quarta-feira. Às quartas, sua mulher ia ao curso noturno de costura. Coisa de ano e meio. Sempre às quartas. Não faltava um dia, chegava meio de semana e era batata, lá estava ela, arrumada e de malinha com cacarecos de coser debaixo do braço. Quando ele voltava do banho, ela já havia saído. Retornava perto de meia-noite, cansada e pronta para se deitar. 

Na escrivaninha do trabalho passou a matutar as ligações que ela recebia e ficava de risinho, o perfume novo que comprou e nunca usara com ele, mas abusava dele nas quartas. Reparou que nunca voltara das aulas com alguma coisa costurada, nenhuma roupinha, alguma peça, qualquer treino. Nada. Era sempre ela e a malinha debaixo do braço.

Começou a lhe doer a cabeça. Estaria ela aprontando alguma? Nunca viu nenhuma das amigas desse curso, nunca ouviu o nome delas, tinha algum cara costurando também? E aquele cheiro de cigarro? Névoa. Teria que esperar até a quarta-feira seguinte.

A semana se arrastou mas a quarta chegou e, assim que ela saiu, ele se enfiou nas calças jeans e a seguiu. Em vez de curso, ela entrou foi num bar. O cara do balcão já a conhecia, chamou-a pelo nome e ela correspondeu também sabendo o nome dele. Pediu "o de sempre" e se sentou. Uma hora e meia sozinha. No bar, ele entrou como quem não quer nada, cabeça baixa e passos apertados, se aproveitando do foco que ela dava às pedras de gelo no fundo do copo curto e largo. Se sentou no balcão e perguntou ao garçom da mulher sozinha ali na mesa. Disse que ela era bonita, questionou se ela vinha sempre aqui. O rapaz do balcão disse que fazia tempo que ela vinha, sempre às quartas, mas que nunca a viu com ninguém. Chegava sempre sozinha, tomava dois ou três bebidas da casa, pedia às vezes para aumentar o volume do rádio ia embora. Sempre pagava em dinheiro.

Bebericou dois drinks, pagou em dinheiro, deixou o troco e saiu. Na esquina, ele a abordou já em lágrimas.

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 Obrigado, meu amor! 

 Cacete! Homem, o que você tá fazendo aqui?

— Você me ama! Você me ama de verdade!

— Tá maluco? Para de gritar no meio da rua!

— Tava fazendo o que lá dentro? Se você não tem amante?

— Que porra de amante? Nunca saí com vagabundo nenhum. 

— Eu sei! Eu vi! Mas o que você vem fazer aqui todas às quartas, mulher?

— Ficar longe de você.

— O quê?

— Você se tornou um cara muito chato! Não faz nada, não tem ânimo para nada. Contigo é tudo na base da letargia, da rotina, da babaquice. Então eu saio e venho para o bar. Ver gente, beber, pensar em mim. 

— Então você nunca saiu com outro cara mesmo?

— Não. Só queria encontrar uma folga na semana pra sua chatice.

Um gelado lhe acometeu a pélvis e sentiu as pernas amolecerem. Caiu de joelhos, junto com as primeiras lágrimas que não paravam de escorrer pelo rosto. Chorava e ria quase que como uma criança que viu macaco pulando no zoológico. Se deitou aos pés da mulher e quanto mais soluçava, mais gargalhava.

— Obrigado por não me trair. Obrigado.

Ela levantou o pobre e chamou um táxi. Ele foi dormindo todo o trajeto até em casa.

O amor é uma mentira que a gente adora.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados