Lá pelo início da década de 1980, um prodígio do tênis infanto-juvenil dinamarquês foi para os Estados Unidos melhorar sua técnica. Em vez de investir neste esporte saudável e altamente lucrativo, Lars Ulrich preferiu montar uma banda nos moldes do Mötorhead.

O nome era Metallica.

Para juntar a patota, Lars investiu em anúncios em fanzines. Assim ele recrutou Dave Mustaine, o candidato ao posto de guitarrista que apareceu com o melhor equipamento. Após alguns anos de abuso de drogas, Lars decidiu que era hora de mandar aquele guri xarope passear e procurar um profissional.

metallica
Como era o Metallica antes do Megadeth

Dave Mustaine, que não é mariquinha, pensou consigo mesmo:

“OK, agora meu objetivo na vida é ser mais pesado, mais rápido e mais louco do que a banda dessa mulherzinha eurotrash”.

Assim nasceu o Megadeth, uma banda de um homem só que definitivamente forma o caráter. Veja  por quê.

“Symphony of Destruction” em Woodstock (1999). Dê play antes de continuar lendo.

Primeira fase: Killing is my business

No início, a coisa era complicada para Mustaine. As drogas custavam caro e a grana entrava a conta-gotas. Como se não bastasse, o seu benchmarking Metallica vinha fazendo um disco melhor do que o outro. O que fazer?

Um disco falando de matança, claro.

A grana recebida da gravadora para produzir seu primeiro álbum, Killing Is My Business… And Business Is Good, foi quase toda investida em drogas, álcool e mulheres. O resto foi desperdiçada em comida. Assim, a jaguarada precisou produzir por si mesmo, deixando a coisa meio tosca e abaixo do padrão – já baixo – do cenário thrash. Como fã, digo que o álbum não é ruim, mas é o mais mal feito da banda.

Logo após, em 1986, os caras fizeram seu primeiro bom disco, Peace Sells … But Who’s Buying?. O tema genocídio e massacre de inocentes era bem popular na época, como se vê.

Além da faixa título, animalesca, outras também merecem nota. Eu gosto de “Black Friday”. No geral, é uma compra altamente recomendada para quem gosta de barulheira e muitos fãs o consideram o melhor da banda.

O fodástico clipe de “Peace Sells” é o primeiro da banda

O último disco desta fase foi lançado em 1988. So Far, So Good… So What! é mais irregular do que os seguintes. Com exceção da matadora “In My Darkest Hour”, a coisa é fraca. Tanto que uma das músicas que mais se destacam é um cover dos Sex Pistols.

Segunda fase: Holy wars

Depois de alguns discos mais ou menos e um excelente, a banda estava meio que num limbo de drogas e bebedeira. No entanto, as várias mudanças de formação, a prisão por dirigir bêbado e a desintoxicação forçada fizeram com que Mustaine finalmente mostrasse o seu melhor. Em 1990 foi lançado o disco Rust in Peace.

Se você precisar escolher um disco do Megadeth, pegue este. Se for escolher entre qualquer disco do Metallica e este, lembre-se sempre: Lars era um prodígio do tênis.

Basicamente é um disco com tantos pontos altos que fica difícil destacar algum além da mais fantástica música de trash metal já produzida, “Holy Wars… The Punishment Due”.

Megadeth tocando “Holy Wars” para 140 mil pessoas no Rock in Rio 1991

Depois disso a coisa andou muito bem para a banda. Enquanto o benchmarking Metallica ia sofrendo com a mega ressaca do Black Album, Mustaine foi produzindo um disco melhor que o outro.

Countdown to Extinction, de 1992, e Youthanasia, de 1994, mostram uma banda mais madura que não precisa mais usar reticências (…) para passar seus recados. Discaços!

Terceira fase: The world needs a hero

Cryptic Writings, de 1997, é um disco diferente de todos os outros. Não é trash, mas é pesado. Tem efeitos eletrônicos, mas é rock. Fala de drogas, mas tem uma mensagem positiva. Convenhamos, para uma banda com nome de massacre isso mostra um amadurecimento e tanto.

Como se não bastasse, o disco mostrou um potencial comercial até então inaudito para a banda. Ele vendeu horrores e é, até hoje, o maior sucesso de vendas de Mustaine e um dos discos de metal mais vendidos da história.

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Resumindo: é um tremendo de um disco. Recomendo para quem não curte barulheira demais.

A banda tocando “Trust” no Monsters of Rock de São Paulo, 1998

Na sequência, como uma evolução do anterior, surgiu Risk, em 1999. É o pior disco maduro da banda e o único que só vale a pena baixar ilegalmente. Vale dizer que ele não é exatamente ruim tipo “ruim como Black Eyed Peas”; só não é Megadeth.

Com isso, alguns se frustaram com a banda – eu, por exemplo.

Tentando voltar à formula anterior ao sucesso de Cryptic Writings, em 2001 é lançado The World Needs a Hero: um outro bom disco, mas sem grandes emoções. Na linha de So Far, So Good… So What.

Pouco tempo depois, em 2002, os anos de abuso de drogas cobram seu preço e Mustaine desenvolve paralisia no braço esquerdo após uma pequena cirurgia. Com isso, ele anuncia o fim do Megadeth.

Dave Mustaine, cristão.

Em vez de tentar uma carreira na poesia concretista ou se matar como faria uma florzinha qualquer, Mustaine investiu os próximos meses em tratamento e se converteu. Ele virou um cristão novo, do tipo George Bush e R. R. Soares.

Essa entrevista com o homem, a lenda, deixa clara a posição religiosa dele:

The Columbus Dispatch: Você é um pioneiro no campo médico – dano permanente por bater cabeça.
Mustaine: “É apenas o resultado do uso e abuso da minha coluna. Volta e meia se torna um problema real. Eu lido com isso me alimentando de forma correta, descansando e rezando bastante. A longo prazo, se a carreira de músico se tornar inviável, posso continuar como Pastor, já que amo a Deus e sou um cristão agora“.

“Train of Consequences”

Mas o pior viria a seguir. Para cumprir seu contrato com a gravadora EMI, ele precisava lançar pelo menos mais 2 discos sob o nome “Megadeth”. “Ferrou, vou lançar um álbum com faixas que sobraram do disco anterior e algumas ao vivo. Depois vejo o que faço”, pensou antes de colocar no mercado o inexpressivo Still Alive… and Well?, de 2002. Um disco notável por marcar a volta das reticências.

Mas ainda era preciso fazer mais um disco antes de encerrar sua carreira. Como bom novo cristão praticante, ele achava que romper contratos multimilionários era pecado e então tentou juntar a mesma trupe que o acompanhou no Rust in Peace.

Depois de muitas idas e vindas, viadagens de tudo quanto é jeito e até uma polêmica sobre religião com a patota satanista do Rotting Christ, eis que é parido como derradeira obra da banda, em 2004, The System has Failed.

Impregnado de religião e pensamento neoconservador, além de predestinado a ser o último disco de uma banda já meio decadente, The System has Failed provou-se um dos melhores da carreira da banda. Faixas espetaculares como “Blackmail the Universe”, “Kick the Chair” e “Back in the Day” o colocam num status semelhante ao aclamado Rust in Peace.

“Blackmail The Universe” ao vivo em Buenos Aires, depois da ressurreição

No mesmo período em que a banda do ex-tenista dinamarquês lançava o esdrúxulo metal-sem-solos de St. Anger, Dave Mustaine ressuscitava epicamente sua banda formada apenas para provar que era melhor do que os ex-amigos. A recepção do público foi tão boa que a aposentadoria foi colocada de lado e a banda saiu em turnê mundial.

Segundo a Wikipedia, Mustaine levou seu personal pastor junto, claro.

Depois ainda viriam os excelentes álbuns United Abominations (2007) e Endgame (2009). Ambos igualmente recheados pela filosofia neocon e boas faixas.

Aliás, a capa deste Endgame é particularmente interessante:

endgame
O mundo num brete, coisa de macho mesmo

Agora que você leu até aqui, aproveite e deixe um comentário dizendo se esta história “forma o caráter ou não” e quais outras bandas gostaria de ver por aqui.

Se você é fã, assim como eu, conte-nos a sua história com o Megadeth.

Daniel Bender

Jornalista, Diretor de E-commerce e Caçador de Descontos no <a>1001 Cupom de Descontos</a>. Sempre disponível para conversar no boteco. "