Se você costuma andar por aí a pé, sabe que não é surpresa que nossas ruas sejam, pra muitos, habitação. Há pessoas sentadas no meio-fio, lavando-se com a água suja que escorre pelas beiradas das ruas, e há gente que às sete da matina ainda dorme sob o calor dos cobertores e papelões que os envolvem. Há quem seja itinerante por opção, mudando de bairro a cada semana, e há quem prefira o cantinho específico de uma ponte, mas seja forçado a viver em nomadismo pelas forças legais.
Aqui em São Paulo, principalmente na capital, a quantidade de pessoas em situação de rua é tanta que, para a maioria de nós, a visão tornou-se banal. Verdade é que a vida vai dando conta de rebocar as arestas e vamos nos tornando bastante resistente às mais horríveis coisas do mundo.
Bom é quando alguém alcança lucidez plena sobre esse fato, e consegue ver caminhos pelos quais nos sensibilizar novamente. E foi isso que fez o artista Maxwell Rushton, com a obra Left Out – ‘ignorados’ ou ‘deixados de lado’, em tradução livre.
Maxwell exercita um olhar social bastante crítico na sua arte: o artista espalhou sacos de lixo que lembram figuras humanas pelas ruas de Londres. Construiu um molde idêntico que, posicionado até em pontos turísticos, causa choque e as mais fortes reações de aproximação e também repulsa em quem passa por ela.
O que eu, você ou a londrina do terceiro frame sentiram, é impossível especificar ou homogeneizar – cada um processa a informação de um jeito. Mas com certeza a obra cumpriu sua função de reviver a consciência sobre a situação de moradores de rua por meio da ressensibilização dos cidadãos.
Aquilo que era banal volta a causar choque e voltamos a procurar soluções para a questão – é como aquela dor de cabeça que não deixa esquecer a visita necessária ao médico, ou o despertador que insiste em te acordar pra realidade.
Além do despertar, a obra também promove reflexão: como se sentem essas pessoas? O saco de lixo assusta pelo questionamento que infere: essas pessoas são descartáveis? O melhor é realmente ignorá-las, como se não quiséssemos que existissem?
O choque pode incomodar, mas é justamente o que promove a sensibilização.
O próprio Maxwell falou sobre o desenvolvimento da peça, da sua percepção acerca dos efeitos dela e também de como isso impacta sua identidade enquanto artista aqui neste vídeo mais longo.
“A ideia desta escultura começou em 2015, quando, ao sair de uma loja, tropecei em uma lixeira e sem querer a pedi desculpas pois achei que era um morador de rua deitado no chão. Esse sentimento de horror ficou comigo por algumas semanas e o modo como passei a ver pessoas que moram na rua depois dessa experiência mudou bastante.
Eu quis criar um gatilho visual que oferecesse esse mesmo impacto e pudesse existir nesse mesmo contexto, ao redor de pessoas nas ruas, de transeuntes, e foi isso que deu vida ao projeto.”
Aqui no Brasil, a situação não é muito diferente. Nas últimas semanas, houve um pequeno rebuliço em São Paulo acerca do assunto: rodaram notícias de que os cobertores dos moradores de rua estavam sendo retirados por funcionários da prefeitura, além de especulações acerca dos porquês de muitos deles não quererem dormir em abrigos ganhou a pauta.
A discussão é cheia de controvérsias. Como muitos mesmo falam, cada um está na rua por um motivo, e conversando com essas pessoas a gente geralmente descobre o porquê. Muitas delas querem ajuda – seja uma troca de palavras na esquina pela manhã, comida, oportunidade e apoio do estado ou até mesmo um moletom.
Acredito na importância de fazer um esforço para colocar-se em suas posições e tentar fugir um tico da nossa posição defensiva, de julgamento. Essas pessoas não podem esquecer de sua humanidade, dignidade.
Precisamos de elementos que ressignifiquem as nossas banalidades, fazendo saltar aos nossos olhos questões que já ignoramos no bate-perna do dia-a-dia. A escultura é um deles.
Por essa, obrigada, Maxwell.
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