Quando você pensa em São Paulo, o que vem a cabeça? Eu diria assim: correria, carro, trânsito, prédio, indústrias, poluição, pizza, entre outras. 

Foi justamente a quebra com essa visão que me surpreendeu quando eu dei de cara com o trabalho do André Bueno. No projeto "Margem: um olhar sobre o Extremo", André retrata uma parte da vida na capital que gira ao redor da represa Billings.

E ai o panorama é o seguinte: água, verde, pesca, agricultura, tudo isso misturado com urbanidades e problemas paulistanos.

Casas da margem, 2016. Represa Billings – Bairro Jd. das Gaivotas, São Paulo, SP.

O André Bueno é morador da região e criou o projeto “Margem: um olhar sobre o Extremo” há cerca de 10 anos. Ele retrata a realidade da convivência entre "a margem e o urbano, a água e a terra, e também entre a juventude e a cultura tradicional que ali resistem."

A represa Billings é fonte de abastecimento da região metropolitana de São Paulo e também é palco de conflitos: áreas de proteção ambiental contrastam com áreas urbanas habitadas por comunidades que vivem às margens da represa e que dependem desta para sua economia. 

Bueno fotografou, a partir de 2009, os arredores da represa incluindo o bairro do Grajaú, Parelheiros, Ilha do Bororé e outras partes que, apesar de estarem dentro do município de São Paulo Capital, são comunidades rurais e agricultoras. 

Nós do PdH o convidamos para contar mais sobre este e outros trabalhos e vamos compartilhar esta conversa.

Minha relação com a região e com a represa é afetiva e vem desde a infância. Meu avô, Pedro Bueno, ajudou a construir a represa na década de 30.

Tenho tios e primos que foram criados nas águas da represa Billings e ainda vivem da pesca artesanal. Trata-se de um retorno às minhas histórias de infância nas margens da Billings e da Mata Atlântica.

Agora eu retorno com um olhar fotográfico e documental, pensando nas imagens e histórias que posso deixar para que as pessoas possam refletir e dialogar sobre a região”.

"Meu trabalho de documentação sobre o extremo sul é um projeto de vida de documentação sem previsão para acabar. A medida que vou fotografando, vou também reinventando meus usos fotográficos em diversos formatos, como por exemplo com intervenções urbanas."

A fotografia de André traz um pedaço da realidade da região que é pouco conhecida por boa parte da população paulistas. 

“Não deixa de ser um trabalho cujo sentido principal busca promover discussões mais amplas sobre as vidas nas comunidades e culturas tradicionais, valorizando a pesca, a agricultura familiar, os indígenas, as culturas urbanas, expressões da juventude, e projetos culturais da região.

Mas também não deixa de ser uma crítica à falta de políticas públicas que valorizem a cultura, preservem o meio ambiente e respeitem o direito de morar com dignidade”. 

Além de retratar os extremos da cidade, André também trabalhou como educador. Ele desenvolveu projetos que envolviam jovens da periferia da região sul e também trabalhou com a população de rua do centro.

Leia também  As capas da The New Yorker sobre o 11 de setembro

No projeto "Pontos de Vista",  moradores em situação de rua que estavam em processo de transição puderam aprender sobre fotografia e retratar, através do próprio olhar, a vida nas ruas do centro de São Paulo

Foto tirada por André Luiz, aluno do projeto "Pontos de Vista".

"Eu comecei a desenvolver o trabalho com fotografia e educação em 2008 com um trabalho em Paraisópolis, e depois também em outras comunidades, principalmente da zona sul.

O que me motivou na época foi entender que a fotografia também era uma possibilidade de olhar para a nossa própria realidade de uma forma diferente. Eu acredito que a fotografia possibilita desenvolver um outro olhar para a cidade e pra própria realidade.

Além disso, é uma forma de expressão artística que nos permite documentar essas regiões, essas comunidades, e contar um pouco a história local e das pessoas." 

Foto de André Bueno retratando as Rinhas de Mcs no Grajaú

André conta que, por muito tempo, o Grajaú foi visto como uma região violenta e perigosa (e talvez alguns ainda o vejam assim) e que, embora a região ainda tenha problemas sociais, "é pela fotografia e por outras expressões artísticas que temos mostrado um outro olhar que valoriza as potencialidades e peculiaridades locais."

Para André, retratar o extremo sul da cidade é um projeto de vida sem previsão pra acabar.

"A medida que eu vinha documentando, eu também fui conhecendo muitas pessoas, muitas histórias e a cultura local principalmente na área rural: com conhecimento de agricultores orgânicos, agricultura familiar, além da comunidade de pescadores – parte dela da minha própria família. Também tem a cultura urbana que vem de movimentos de diversas linguagens: grafite, hip hop, entre outros…

Tudo isso impactou, de fato, a forma como eu passei a ver essa região ao longo dos anos. O que eu passei a ter foi uma consciência maior foi pra minha própria relação identitária com a região, com as pessoas e o quanto a minha história familiar também está relacionada com essa região em que parte dela ainda é uma região rural dentro de uma metrópole."

A partir dos ensaios fotográficos, o André também cria peças de intervenção para serem expostas nas ruas e em paredes maiores.

 

Dá uma olhada nas fotos da intervenção mais recente de Bueno.

Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho do André, pode ver mais ensaios aqui, no site dele. Ou continuar rolando pra ver mais fotos do ensaio "Margem: Um olhar sobre o extremo".

 

 

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP