Já são quase 21:00hrs do dia 28 de março. Um cliente qualquer entra em uma loja para checar o preço de uma bolsa.
Cliente: Posso ver essa bolsa?
Vendedor: Claro! Consigo fazer um preço especial para você.
Cliente: Bem bonita mesmo. Quanto sai?
Vendedor: O preço de etiqueta é R$1000,00.
Cliente: Mas…
Vendedor: Mas eu faço R$900,00 para você.
Cliente: Só para mim?
Vendedor dá um sorriso sem graça.
Cliente: Uma pena. Eu estava disposto a gastar R$500,00.
Vendedor: Aí você me quebra as pernas, cara. Isso é preço de custo.
Vendedor encosta a mão no ombro do cliente, como se fossem melhores amigos.
Vendedor: Vamos conversar com meu gerente.
Cliente: Não, cara, não se incomode.
Vendedor: Mas eu faço questão! Vai ficar bem em você.
Chega o gerente, que nunca tinha visto o cliente, forçando uma intimidade.
Vendedor: Boa tarde, meu querido! Vamos fechar essa bolsa! Podemos fazer por R$800,00, em 5 vezes. Não vai nem sentir a parcela.
Cliente: Tudo bom, Rafael? Prazer.
Gerente: Tudo, cara, tudo ótimo. Gostou da bolsa?
Cliente oferece um aperto de mão e interrompe a fala do gerente.
Cliente: Gostei, mas não estou disposto a gastar tudo isso. Que curioso, é parecida com a que tem aqui na loja do lado, né? Agradeço, mas vou levar só a camiseta.
Gerente: Mas o que pesa é o valor da parcela?
Cliente: Não, o que pesa é o preço da bolsa.
Gerente: Você compra sempre conosco, quero manter o cliente. Quanto você está disposto a pagar?
Cliente: R$500,00.
Gerente: Mas é metade do preço da etiqueta!
Cliente: É o que estou disposto a pagar, Rafael. Não tem problema não fecharmos negócio. Alguém vai comprar essa bolsa, tenho certeza. Só achei que poderíamos negociar melhor porque não deve ser comum alguém se interessar por um dos itens mais caros da loja. Final de mês, né? Vocês tem meta, comissão…
Gerente: Olha, consigo chegar em R$750. São 25% de desconto. Não consigo mexer mais que isso.
Cliente: Sem problemas, cara. Vamos fechar só a camiseta.
Gerente: Faço por R$750, em 6 vezes.
Cliente: Agradeço, cara.
Gerente: Vai ficar sem a bolsa?
Cliente: Sobrevivo.
O cliente caminhou em direção ao caixa, disposto a pagar a camiseta e finalizar a compra.
Gerente: Vamos ver na parcela quanto fica. Olha lá! Vai dar uma diferença de menos de R$50 em cada parcela. É menos do que você vai gastar no jantar quando sair daqui.
Cliente: Me disponho a pagar R$600. Hoje é dia 28, já são 21:00hrs, o período de pico de vendas do dia já passou, amanhã é domingo e o horário de funcionamento de vocês é reduzido. Vai ser difícil fazer um dia bom, hein? Fechamos em R$600, à vista, e você bate sua meta do mês.
Gerente: R$700, à vista.
Cliente: Não, obrigado.
Gerente: Você vai deixar de levar a bolsa por conta de R$100? R$20 em cada parcela?
Cliente: Na verdade é você que vai deixar de vender a bolsa por conta de R$100, $20 em cada parcela. Tenho certeza que essa bolsa está parada na loja há meses. Essa loja é cara para o padrão desse shopping. Você poderia abrir mão desses 12% ou 13% em prol de fechar uma venda grande e ajudar seu funcionário. Sua comissão depende da comissão dele, não?
Cliente oferece o cartão à moça do caixa.
Gerente: Ok, fechamos em R$600, cara.
História real.
O outro lado do balcão
Negociar é, antes de tudo, um exercício de empatia. É muito difícil sacar argumentos convincentes sem antes enxergar a situação com os olhos do outro. É preciso ler o cenário, se deixar levar até um certo ponto, até que uma conexão favorável tenha sido criada, para então assumir o controle e conduzir. Sem realmente deixar que o outro se mova, não conseguimos ganhar confiança. Qualquer argumento soa forçado.
Mostrar-se ofendido com esse comentário impediria que o jogo continuasse. Mostrar-se desconfortável colocaria o comprador em uma posição péssima.
Em situações em que os papéis estão escrachadamente declarados (vendedor de shopping e comprador, por exemplo), a ironia manda uma mensagem do tipo ”Eu sei que isso é um joguinho e estou confortável com isso”. É um bom quebra-gelo.
Movimentações implícitas
Movimentos corporais gritam mensagens. Dificilmente um comprador encostaria no ombro de um vendedor. São liberdades tomadas pela parte que, em teoria, dita o ritmo da conversa.
Quando o comprador interrompe um movimento do vendedor, oferecendo outro, a dinâmica se torce inteira, ainda mais quando movimento proposto é mais maduro do que os praticados antes, como é o caso do aperto mão.
O comprador não perguntou o nome do gerente, mas estava atento quando o vendedor mandou chamá-lo. É mais difícil se sentir à vontade para engambelar uma pessoa observadora, a gente fica com pé atrás. Tudo que a gente quer, numa negociação, é negociar com quem tem medo de se mover.
O vendedor é, no geral, o personagem que fornece os insumos para que a conversa se desenrole. É ele quem dá detalhes do produto, quem fala o preço, quem dita as condições de pagamento. O comprador, indefeso, tenta absorver os dados que julga relevante, separar o joio do trigo, o que procede do que é papinho. É sempre uma posição de defesa.
É por isso que declarar autonomia é tão importante. Quando o comprador comenta que viu uma bolsa parecida na loja do lado, na verdade ele está deixando claro que é perfeitamente possível sair daquela loja e entrar em outra.
O vendedor, que antes só precisava se preocupar em convencer o comprador a comprar pelo preço oferecido, agora precisa se preocupar em reter o cliente dentro da loja. Quem perdeu a liberdade agora foi ele.
“Eu te entendo, meu amigo”
Da mesma forma que a indústria do consumo se aproveita dos nossos lapsos e das nossas carências, podemos nos aproveitar das brechas que o sistema tem.
Os vendedores são comissionados, eles têm metas a bater. Fazer compras no final do mês geralmente é vantagem. Quando o comprador expõe a situação toda, deixando clara a data atual, o dia da semana, o horário e o posicionamento da loja no shopping, o teatrinho perde força. Tiramos o script do ator, relembrando que ele não está em um degrau tão mais alto assim.
No exemplo, o cliente ressaltou ao vendedor que talvez o desconto não seja tão absurdo assim, dado o cenário. Ele se colocou na posição de quem conduz, de quem tenta convencer o outro de que possui a melhor proposta. Tudo isso de um jeito amigável, de quem entende a situação.
Malabarismo com os dados
A maneira como os dados são expostos alteram a maneira como o decisor vai processá-lo e influenciam drasticamente a decisão. Na psicologia, o fenômeno é conhecido como “framing”. Em uma definição rasa: pessoas reagem de maneiras distintas a diferentes descrições de uma mesma situação.
Uma série de experimentos foram feitos para demonstrar a teoria. Um exemplo deles:
Solicitou-se que os participantes de uma pesquisa escolhessem entre dois tratamentos para uma doença mortal. O tratamento seria aplicado em 600 pessoas. No tratamento A, a previsão era que haveria 400 mortes. No tratamento B, havia 33% de chance de que ninguém morreria, contra 66% de chance de que todos morreriam.
Para os participamentes da pesquisa, porém, os tratamentos foram expostos de duas maneiras distintas.
1ª possibilidade – framing positivo
- Tratamento A: salvará 200 vidas;
- Tratamento B: 33% de chance de salvar a todos, 66% de chance de não salva ninguém.
2ª possibilidade – framing negativo
- Tratamento A: morrerão 400 pessoas;
- Tratamente B: 33% de chance de que ninguém morra, 66% de chance que todos morrerão.
No cenário em que o framing positivo foi utilizado, o tratamento A foi escolhido por 72% das pessoas. No cenário em que o framing negativo foi utilizado, esse número caiu para 22%.
Tão importante quanto saber expôr os dados da maneira mais favorável, é saber reconhecer e desconstruir cenários que foram montados com a intenção clara de nos prejudicar. Quando o vendedor fala que determinada combinação acrescentaria apenas R$50 em cada parcela, ele claramente tenta tirar nossa atenção do fato de que pagaríamos R$250 a mais.
Quanto mais hábil somos em alternar diferentes maneiras de analisar os mesmos dados, mais facilmente conseguimos nos posicionar.
Agilidade mental
Dados matemáticos endossam nossos argumentos. Uma coisa é falar “É um baita desconto”, outra coisa é falar “Cara, são 20% de desconto”. Os números levam a conversa a um patamar mais preciso, onde a margem para o carisma é menor.
Suponha que a vendedora seja linda. Se ao invés de ficar olhando com cara de tonto quando ela diz “Leva! Te faço um descontão” nós parássemos para pensar que esse desconto é de menos de 10%, a chance de nos sentirmos tentados a comprar a roupa e pedir a vendedora em casamento são menores.
Se um dos negociantes é carismático e, ainda por cima, habilidoso em lidar com os dados, a possibilidade de perder algum negócio é muito baixa.
O problema é que essas situações não acontecem enquanto estamos sentados na mesa, com uma folha de papel e uma calculadora do lado. É tudo em tempo real. Precisamos avaliar, ponderar, simular cenários, brincar com os dados, tudo isso enquanto o vendedor destila elogios, faz dezenas de comentários e torna a paisagem cada vez mais embotada.
Pessoas que são expostas frequentemente a tomadas de decisão sob pressão muitas vezes desenvolvem uma série de truques. Tente contar, em menos de 20 segundos, quantas figuras geométricas existem na figura abaixo:
Se você contou figura por figura, dificilmente conseguiu terminar a tempo. Quando nos deparamos com um problema analítico (como o exemplo acima), surge uma série de situações muito semelhantes às situações presentes em uma negociação. Alguns pontos que servem de base para bons insights e argumentações :
1. Descartar informações que não agregam à discussão. O que buscamos são figuras geométricas. Tanto faz se são quadrados ou círculos, já que ambos ocupam o mesmo espaço na figura. Saber que em determinado ponto da discussão o vendedor disse que 500 reais é o preço de custo é irrelevante, por exemplo;
2. Fracionar o problema. Nosso cérebro é poderosíssimo, mas carece de metodologia. Lidar com diversos pequenos problemas é mais fácil do que lidar com um problema grande. A figura é composta por 15 grandes blocos;
3. Reduzir o problema em busca de informações relevantes. Não temos tempo para contar figura por figura, mas talvez faça sentido contar a quantidade de figuras em um dos blocos. Chegaríamos ao número 9;
4. Extrapolar e analisar o cenário macro. Se focamos em um dos blocos, apenas, não conseguimos enxergar o problema todo. Da mesma forma que se ficamos discutindo o valor da parcela, sem se preocupar com o impacto disso no preço final, facilmente aceitaríamos a primeira proposta feita pelo gerente;
5. Identificar descrições diferentes de um mesmo problema. Analisando os blocos, perceberíamos que cada um deles possui uma figura grande, seja ela um círculo ou um quadrado, colocadas em posições diferentes. Se desconsiderarmos a posição da figura grande, teríamos 15 blocos iguais:
Temos então 15 blocos, com 9 figuras cada um. Multiplicação: 9 x 15. Não é tão elementar sem uma calculadora. É nesse ponto que já estamos cansados e geralmente aceitamos um argumento mais meia boca. É quando o vendedor falaria: “Fechamos por R$650, então”.
De novo, faz sentido fracionar o problema. 9 x 15 na verdade é (9 x 10) + (9 x 5). Agora sim, conta confortável. (9×10) é 90. (9×5) é 45. Pronto: 90+45 = 135.
E você? Quais macetes utiliza para argumentar melhor? O papo segue nos comentários.
Se você não quiser abrir suas táticas, sem problemas… Podemos negociar.
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