Não é que você seja ansioso. Não é que seu amigo tenha dificuldades de se concentrar. Não é um problema de uma ou outra pessoa. Estamos todos vivendo em uma cultura da distração.
É uma epidemia, uma doença coletiva, social, essa nossa dispersão. Seres humanos considerados os mais saudáveis e normais ainda sofrem do que Alan Wallace chama de “distúrbio obsessivo-compulsivo-delusório”. Ora, se estamos em um ambiente que promove a pressa e a desatenção, qual é a melhor forma de se adaptar? Viver “na correria”, se distraindo sempre que dá.
Se nossa cultura fosse uma pessoa (impulsiva, desligada, entretida), ela não seria um adulto, ela seria um adolescente.
Sinais e sintomas estão por todo lado. Imaginem, por exemplo, um universo repleto de conglomerados de seres dedicados a produzir entretenimento — apenas entretenimento, sem arte, sem valores, sem sentido, sem nada por trás (pior, com visões e premissas que pioram nossa vida). Em qualquer universo imaginário minimamente digno, tais seres não conseguiriam dinheiro, teriam de arrumar outro trabalho. Mas em nosso mundo eles ganham dinheiro, obtém sucesso, magnetizam outros seres. Mais ainda: religião, arte, cultura, ciência, histórias incríveis e tragédias, tudo vira entretenimento e espetáculo aos olhos de quem está operando sob efeito do vírus da inquietude.
É como se estivéssemos permanentemente distraídos, como se vivêssemos qualquer experiência sempre com pelo menos 20% da atenção voltada a uma lista lateral de vídeos relacionados, pensamentos relacionados, insights incríveis, posts relacionados, músicas, livros, notificações, bips, mensagens, emails, comentários… Alguns não desligam o celular nem mesmo em retiros fechados de silêncio no meio do mato.
A fala perfeita de Louis C.K.
Se já viu, hora de rever. Se não viu, pare tudo e ouça com atenção a sabedoria do querido Louie (ative as legendas em português):
Transcrevo as três melhores porradas e deixo em inglês porque considero Louie um artista intraduzível:
“I think these things are toxic, especially for kids…they don’t look at people when they talk to them and they don’t build empathy. You know, kids are mean, and it’s ’cause they’re trying it out. They look at a kid and they go, ‘you’re fat,’ and then they see the kid’s face scrunch up and they go, ‘oh, that doesn’t feel good to make a person do that.’ But they got to start with doing the mean thing. But when they write ‘you’re fat,’ then they just go, ‘mmm, that was fun, I like that.'”
“You need to build an ability to just be yourself and not be doing something. That’s what the phones are taking away, is the ability to just sit there. That’s being a person. Because underneath everything in your life there is that thing, that empty—forever empty. That knowledge that it’s all for nothing and that you’re alone. It’s down there.”
“The thing is, because we don’t want that first bit of sad, we push it away with a little phone or a jack-off or the food. You never feel completely sad or completely happy, you just feel kinda satisfied with your product, and then you die.”
Variações sobre o tema
1. O vídeo do Louie rendeu um ótimo papo no podcast Atrás do front.
2. Vale parar por mais 17 minutos para assistar ao curta Noah (quem me recomendou foi a querida Anna Haddad, do Cinese), que se passa na tela do computador de um adolescente. É genial.
3. Sugiro também a leitura desse artigo no New York Times sobre o que podemos perder não apenas com o mal uso de um smarthphone, mas com o cultivo de uma mente desatenta em geral (mesmo quando não há nenhuma tecnologia por perto): “Your Phone vs. Your Heart”.
4. Eduardo Pinheiro recomendou o filme Disconnect e vários amigos me recomendaram a série Black mirror sobre o efeito da tecnologia e das redes sociais em nossa experiência humana. Vi apenas o episódio “The entire history of you” e pirei.
5. Por fim, recomendo o texto do Eduardo Pinheiro sobre economia da atenção.
Não é sobre celulares e redes sociais, é sobre nós
Calhou de ser essa tecnologia, mas qualquer coisa poderia evidenciar e potencializar nossa infinita capacidade de se perder, de se distrair, sofrer e fazer sofrer.
Fico sempre com a mesma pergunta: por que não paramos logo com tanta distração? Por que escolhemos, de novo e de novo, um dia cheio de entretenimentos? Por que é tão difícil encarar a tristeza, a solidão, a inadequação, o silêncio, o tédio, a morte, a realidade?
Uma pista surge de nossa relação com o ritmo: durante um intensivo de TaKeTiNa muitas pessoas preferem passar horas, dias inteiros quase no ritmo, tentando acertar, sem alegria, por obrigação, sofrendo pra valer, tudo porque não suportam nem por alguns segundos a sensação de estar fora do ritmo, de não pertencer, de errar, de se frustrar.
E não suportam, como sacou Louie, porque não conseguem imaginar (e quase nunca pagaram para ver, investigaram com genuína curiosidade) o que aconteceria se saíssem do ritmo e ficassem um pouco mais, só um pouquinho mais sem tentar voltar, se apelar para hábitos manjados, sem tentar se dar bem, apenas se relacionando com a realidade que se apresenta, momento a momento, sem tantas preferências e comentários e ajustes e tentativas. A partir desse estado mais relaxado e atento, podemos nos relacionar diretamente com a realidade (com a vida, com o ritmo, com os outros…), realmente se comunicar.
A alegria de não precisar de entretenimento talvez seja muito maior do que as mil alegrias que os entretenimentos prometem e tentam causar. E talvez essa seja a cura para a nossa cultura da distração.
Este post pode virar distração…
Podemos converter o vídeo do Louis C.K. em mais entretenimento — achar genial, levantar o tema no bar e seguir a vida igualzinho — ou podemos levar isso a sério, olhar com mais cuidado o tamanho do buraco e começar a estimular outra cultura.
Será que dá desenvolver a atenção e aplicar antídotos à dispersão mental? É possível aumentar nossa capacidade empática e compassiva? Como oferecer nossa presença e criar espaços nos quais as pessoas naturalmente sejam menos ansiosas? Como se aproximar da solidão e da tristeza? Como sair da eterna adolescência?
Criamos um laboratório coletivo de transformação para compartilharmos e aprofundarmos essas descobertas. Você está convidado.
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