Muitas horas de treinamento, rivalidade entre equipes, uma torcida apaixonada e competições equilibradas assistidas por muitos. Essa poderia ser a narrativa de muitos campeonatos pelo mundo, mas é tão somente o cenário dos eSports no Brasil.
O termo apropriado – cunhado para não cometer injustiças – é, porém, muito amplo. Os games se dividem em categorias distintas e atraem a atenção de jogadores bem diferentes entre si. Há jogos de luta (Mortal Kombat e Street Fighter), de cartas (Hearthstone e Magic), FPS (disputa de tiro em primeiro pessoa, como Counter Strike e Call of Duty), MMO (muitos jogadores online, como Warcraft) e MOBA (arena de batalha online multiplayer, como DotA 2 e League of Legends). Esta última, a principal representante da turma.
Audiência enorme
Impulsionados pelo interesse natural dos jovens por videogames, o mercado não para de crescer. Um estudo realizado pela SuperData estimou que em 2015 uma comunidade global de 134 milhões de espectadores movimentou mais de US$ 612 milhões. Em 2016, os números já indicam US$ 748 milhões e a perspectiva é de chegar em US$ 2 bilhões anuais até 2018.
Tais valores dizem respeito apenas aos patrocínios, premiações e investimentos realizados nos diversos eventos de eSports espalhados pelo mundo. E se justificam.
A título de comparação, a NBA – famosa por seu potencial comercial – perdeu em audiência para o Mundial de LoL. O jogo sete da série final entre Cleveland Cavaliers e Golden State Warriors realizado na Oracle Arena, em Oakland, estabeleceu um novo recorde de audiência na história da NBA com 31 milhões de espectadores no mundo. Enquanto isso, a final do Mundial de LoL entre Koo Tigers e SK Telecom realizada na Mercedes Benz Arena, em Berlim, foi assistida por 36 milhões de pessoas – 5 milhões a mais.
Exemplo pontual? Em julho, o SporTV transmitiu a final do ESL Pro-League Counter Strike, uma competição mundial de CS, e alcançou uma audiência maior do que a final de Wimbledon, o principal Grand Slam do circuito mundial de tênis. Com 0,18 de share, o canal por assinatura superou a audiência de diversos canais abertos.
Público presente
A grande audiência pela TV, porém, pode insinuar que os fãs de games não saem de casa para acompanhar sua modalidade. E não poderia haver conclusão mais equivocada. Se o número de espectadores remotos impressiona, o número de presentes não fica atrás.
Em 2013, a final do Mundial de LoL foi realizada no Staples Center, em Los Angeles, mais de 12 mil ingressos foram vendidos em menos de um hora. Em 2015, a final na Mercedes Benz Arena, em Berlim, atingiu o recorde de audiência pela TV, mais também contou com 17 mil fãs presentes. O recorde mundial, porém, ainda pertence aos coreanos. País mais tradicional dos eSports, a Coreia do Sul sediou o mundial em 2014 e realizou a final num estádio de futebol para um público presente de 4o mil pessoas.
Aqui no Brasil, não é diferente. O Campeonato Brasileiro de League of Legends (CBLoL) foi realizado no Ginásio do Ibirapuera em julho e reuniu mais de 10 mil pessoas. No ano anterior, a final tinha sido realizada no Allianz Parque, para 12 mil pessoas, com ingressos também esgotados. E em 2014, 7 mil pessoas no Maracanãzinho.
Se o seu negócio é comparar, a média de público do Campeonato Brasileiro em 2016 é de 14,5 mil pessoas. O esporte mais popular do Brasil tem uma taxa de ocupação dos estádios de apenas 37%.
Cenário brasileiro
Enquanto isso, os lugares para o CBLoL 2016 se esgotaram em menos de um dia. Mas quem ficou sem ingresso não ficou sem opções. 22 salas de cinema transmitiram o evento por uma entrada no valor de R$ 50. Achou caro? Mais de 10 mil pessoas em Maceió, Fortaleza, Brasília, Taguatinga, João Pessoa, Curitiba, Londrina, Maringá, Rio de Janeiro, Florianópolis, Barretos, Bauru, Caraguatatuba, Santos e São Paulo pagaram.
E quem esteve em Natal pode fazer diferente. Cinco mil ingressos de R$ 20 foram colocados à venda para quem queria ir à Arena das Dunas assistir ao evento num telão de 16 m² montado especialmente pra isso, além de outros dois de 27 m² fixos no estádio.
No Ibirapuera, mais de mil funcionários trabalharam na produção do evento que contava com uma arena octogonal no centro do ginásio, praça de alimentação com food trucks, exposição de telas dos personagens produzidos pelos fãs e show de abertura com a participação de 300 profissionais de cosplay, entre eles o brasileiro campeão mundial da modalidade, Samui San.
Premiações recordes
Se tem tanta procura assim, é natural que a recompensa para os jogadores, ou melhor, ciberatletas também aumente. O prêmio para a INTZ, equipe campeã, foi de R$ 80 mil, mas esse nem de longe é o maior valor possível.
Além do título nacional, a equipe garantiu o direito de disputar o International Wildcard Qualifier, uma espécie de Libertadores do ‘joguinho’, em busca de uma vaga no mundial. Se conseguir, será a terceira equipe brasileira a participar do evento e arrecadará mais em prêmios.
Em 2014 e 2015, cada mundial distribuiu US$ 2,1 milhões. A equipe sul-coreana Samsung Galaxy White bicampeã arrematou sozinha US$ 2 milhões e o restante foi distribuídos proporcionalmente entre os adversários.
A premiação do LoL, porém, ainda fica muito abaio de outro eSports. O campeonato mundial de DotA 2, por exemplo, distribuiu US$ 2,8 milhões em 2013, US$ 11 milhões em 2014 e US$ 18 milhões em 2015, o equivalente a R$ 58,6 milhões, muito mais do que os R$ 35,8 mi distribuídos pelo Campeonato Brasileiro.
Preparação intensa
Para chegar lá, os jogadores se preparam intensamente. Nas vésperas da competição fazem reconhecimento do local de jogo e cumprem agenda apertada de programação, mas muito antes disso treinam muito.
Engana-se quem pensa que o sofá de casa basta. As equipes competitivas ficam reunidas em gaming houses que podem abrigar até oito jogadores e exigir investimento inicial de até R$ 1 milhão.
Nesses QGs, os cyberatletas tem uma rotina profissional. Jogam por até oito horas, estudam os adversários e fazem reuniões para definir estratégias de jogo. Eles ainda contam com o acompanhamento de psicólogos, nutricionistas e são recomendados a praticar outros esportes já que o gasto energético durante uma partida é comparável a outras modalidades esportivas.
Nada que interfira no desejo de milhares de jovens de se tornarem jogadores profissionais. Pelo contrário. A idolatria pelos players é tanta que o documentário Legend Rising – que acompanha a rotina de jogadores profissionais de League of Legends – já está chegando na sua segunda temporada.
Com números, estrutura e mobilização como essas, aquela pergunta mal intencionada “eSports é esporte?” parece já fazer parte do passado. Até quem faz parte de modalidades tradicionais parece ter admitido que os games vieram pra ficar.
“Claro que é esporte. Enchem arenas, estádios, tem toda uma rede construída em cima deles e tem um mercado robusto de times que precisam ser desenvolvidos”
David Stern, ex-diretor da NBA
É por isso que tem quem aposte que não demora muito para que os eSports se tornem olímpicos. Será?
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