A base da política pública cultural no Brasil é um negocinho chamado Lei de Incentivo Fiscal. Tem federal, estaduais e municipais. Cada um renuncia uma parte o imposto que lhe cabe para que o pagador de impostos invista diretamente em projetos culturais cadastrados nos órgãos competentes.

A Lei mais controversa deste cenário todo é a Lei federal 8.313/91, a famosa Lei Rouanet. Ela possibilita que seja abatido até 4% do imposto de renda devido para que seja investido em projetos culturais. Assim, a grosso modo, é uma situação interessante.

Depois de apresentar alguns números, deixo meus comentários à nossa condição atual.

Calendário de Pedra

Denise Stoklos, no genial

Dados interessantes sobre a Lei Rouanet

Aqui vão alguns dados sobre a Lei Rouanet até 2000. Estão no livro Cultura Neoliberal – Leis de incentivo como política pública de cultura, da advogada Cristiane Garcia Olivieri, pela editora Escrituras e Instituto Pensarte. Os dados são de dez anos atrás, mas dá pra ter uma noção e entender que a coisa só cresceu. Repare.

  • Até 2000, 10% do captado em Rouanet foi em música, 12% em artes cênicas.
  • Do total investido de todos os patrocinadores, foram 86% na região Sudeste.
  • 46% das empresas patrocinadoras estão sediadas no Rio de Janeiro.
  • O número de empresas incentivadoras aumentou 75% entre 1995 e 2000. O valor médio de um projeto subiu 40,4%.
  •  Em 2000 foram R$ 272.135.625,00 investidos!
  • Em 1996 foi “só” R$ 110.756.985,00.

O número de pessoas físicas incentivadoras também apresentou aumento expressivo (109,92%) no período de 1996 a 2000. No total só de pessoas físicas foram R$ 2.641.703,00 – em 1996, R$ 620.806,00. Tem muita gente se beneficiando por todos os lados! Inclusive os obscuros e sujos. Mas, não vai ter como! Todo lugar com luz tem sombra. Se for só luz, cega!

Aqui segue um trechinho do livro. O que está entre parênteses é por minha conta.

“Vale lembrar que (…) o teto da renúncia fiscal para os benefícios fiscais federais à cultura compostos pela Lei Rouanet e pela Lei do Audiovisual é estabelecido anualmente através de decreto do Presidente da República, com base no orçamento aprovado para a União. No período de 1996 a 1998, o montante total da renúncia foi elevado em 60% e, a partir de então, estabilizou-se em R$ 160 milhões por ano. Deve ser esclarecido que o montante da renúncia corresponde ao total que será disponibilizado de verba pública nos projetos culturais, não compreendendo a contrapartida do incentivador (dinheiro do próprio bolso).
Nos anos de 1996 a 1999, a renúncia total disponibilizada não foi utilizada pelos projetos culturais, pois não houve captação suficiente de incentivadores. Na Lei Rouanet a captação tem apresentado crescimento a cada ano, enquanto que na Lei do Audiovisual a maior captação total aconteceu em 1997 (se quiserem dá pra explicar por que nos comentários), e a partir de então mantém decréscimo a cada ano.
Nos termos dos números divulgados pelo MinC em agosto de 2001, a renúncia prevista para o ano de 2000 teria sido alcançada pela primeira vez e até excedida em 33%. Mas, aí é que tá. Este valor de renúncia utilizada deve ser olhado com cautela, pois o fato de o produtor ter captado verba com incentivo fiscal não significa que a empresa patrocinadora, de fato, utilizou o benefício. Na hipótese de variação do lucro tributável, a possibilidade de utilização do incentivo pode ficar comprometida, uma vez que a empresa patrocinadora somente pode usar o incentivo fiscal no limite de 4% do IR devido no respectivo exercício fiscal.
É importante ser evidenciado que ainda que os números da renúncia sejam uma estimativa do MinC, eles são confiáveis para demonstrar um aumento de utilização dos benefícios. Este aumento ocorreu, principalmente, em razão da divulgação dos benefícios, do maior conhecimento e confiança por parte dos patrocinadores e da elevação da alíquota do incentivo ocorrida em 1998.” –Cristiane Garcia Olivieri

Ainda bem que o PapodeHomem não é um blog.

O Ministério da Cultura, o executivo e legislativo do país já entenderam as distorções da lei. Estão há cinco anos visitando os lugares mais abastados do país para consultar, pesquisar e ouvir sobre a reverberação dessa ferramenta. A Lei será mudada! Será mais democrática, será acessível. Hoje só não entram no esquema das políticas públicas os burros e os preguiçosos! Está tudo lá no site do MinC, está tudo na Internet: vídeo aulas, formulários… Tudo! Clica aqui e dá uma passeada por lá .

Mas sejamos um pouco racionais. Burocratizar é preciso! Quando se sistematiza uma coisa cria-se critérios. Para distribuir, exibir, produzir, pagar, ajudar, atrapalhar, promover, aumentar, ampliar, construir, publicar, expor, enfim… Tudo!

E lembre-se que os principais defensores da Lei Rouanet não são as empresas. São os próprios artistas. Quem fez a lei ser como é foram os artistas, que buscaram fazer a lei acontecer. Precisaram de anos para entender os erros. Com as novas mudanças, ainda persistirão outros, mas é visível os esforços para deixá-la o mais próximo do ideal possível.

Link YouTube | Espetáculo da companhia Mimulus inspirado no samba de gafieira

Cultura sem oba-oba

Em se tratando especificamente de leis de incentivo, qualquer produtor, maior ou menor, famoso ou anônimo, tem problemas com captação de recursos. Sim, temos hoje os inúmeros editais, prêmios e fundos. Além de infinitas formas de viabilizar qualquer projeto, como o Siconv, Programas, o próprio Ministério da Cultura, ainda tem o Ministério da Ciência e Tecnologia, do Turismo, do Esporte. Em todos eles é possível puxar verba para a cultura. Mas não pode ser no oba-oba!

Imagina liberar verba a reto e a esquerdo, sem critério, sem fiscalização!? Se já temos uma tendência nata a sermos corruptos por cultura. Ou culturalmente corruptos. Entenda como entender. Com um sistema aberto ao povo. Com todos colocando a mão no dinheiro só por se dizer artista. Será que todos agiriam de boa fé? Duvido.

Quando se diz que a burocracia empacota a cultura, acho que é demasiada severidade! O MinC tem o programa dos griôs, que sustenta os mestres natos, contadores de histórias, artistas sem formação que hoje dão aula em universidades, mestrados e doutorados, sem ter o ensino fundamental completo. Dá pra acreditar? A Secretaria de Estado de Cultura do Ceará foi pioneira ao apresentar e colocar em prática formas de beneficiar, com fundo de garantia e aposentadoria, estes artistas.

O que a gente sempre quis como artista está sendo construído no Brasil. Há esperanças de um futuro melhor para a nova geração.

Claro que para se beneficiar de programas como este tem que estar tudo no papel, escrever, planejar, registrar e prestar conta. Bobeira nossa achar que vida de artista é ganhar o dinheiro do almoço de hoje, do jantar e do café, e o amanhã fica a prova da sorte. Não! Definitivamente não podemos tratar a cultura assim.

Tem de sistematizar, sim. Tem de planejar, fazer plano de carreira, ter perspectivas, planos e metas. É assim que funciona o mundo em qualquer área! Em qualquer profissão. Seja lá qual for, o indivíduo tem de ter perspectivas. Tem de se munir de informações dos mais variados segmentos para poder executar sua função com qualidade.

Alma Imoral

Clarice Niskier, em

O artista como agente da acontecência

Há de se jogar em todas as posições, ou pelo menos saber jogar em todas elas. Com essa sistematização – com as leis e editais – os artistas estão aprendendo a jogar na lateral, no meio de campo, bater o escanteio, cabecear e ainda pegar no gol.

O grande barato da produção cultural do Brasil hoje é poder utilizar a máquina pública favor dos artistas, a favor do cidadão. Quem manda é a sociedade civil. Não dá pra fazer uma democracia paralela! A democracia é uma só. A de todos e pronto!

Não adianta ficarmos com previsões e profecias apocalípticas! O negócio é pegar e fazer. O artista, o cidadão, o produtor tem de ser o agente da acontecência.

Quanto mais leio e estudo sobre as políticas públicas culturais do Brasil, mais chego próximo de concluir que estamos num caminho bom. Que buscamos uma democracia no discurso, na ação, na interação, na convergência, em cada passo.

O Brasil usa de sua cultura para entrar no mundo. Não foi com a força como dos Césares Romanos, não foi com a estupidez do austro-húngaro ditador da Alemanha Nazista, não foi com a potência atômica, não foi com produtos em massa de Hagel, tampouco com as libras da Thatcher.

Nós entramos no mundo com a bola, com os paetês, tamborins, máscaras, sapatilhas, letras, tambores, fitas, palcos, telas, novelas. É assim que a gente é conhecido no mundo todo! É isso que movimenta bilhões e bilhões incalculáveis no país. E ainda há quem ache que, nos últimos 20 anos, nós conseguimos entrar no mundo só com a soja transgênica, com o biodiesel, com o pré sal, com o quartzo a R$ 0,95 a tonelada?

A cultura brasileira é nosso maior ativo. É nosso maior produto de venda.

Esse é o caminho do meu pensamento. Está aí!

E vocês? Quais visões e experiências tem para abrir o papo?

Bravo

<strong>Bravo</strong> é professor de artes pós graduado em Gestão e Produção Cultural pela FGV e em Teatro pelo UBM. É diretor de produção do Coletivo Teatral Sala Preta (Barra Mansa/RJ) e responsável pela elaboração de projetos culturais da BSC - BrainStorming Soluções Culturais.

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