Antes mesmo da existência da internet, o poeta americano Audre Lorde já disse:

“Não há novas ideias. Apenas novos modos de fazê-las serem sentidas.”

Do lado de cá dos anos 2000, o escritor Steven Johnson usou um livro, um vídeo incrível e uma palestra do TED para dizer uma mesma coisa: as boas ideias vêm da lenta junção de ideias antigas em novos formatos. Enquanto isso, o diretor Kirby Ferguson fez uma websérie em vídeo com quatro episódios para dizer, com autoridade, que “tudo é um remix“.

Entrando no mundo da música a partir deste princípio, mesmo as bandas que fazem um som “original” só estão pegando múltiplas influências e ideias e processos e noções de estética sonora, juntando tudo de um jeito parcialmente novo, específico, e vendendo como se fosse algo novo.

Nesse sentido, gosto de pensar que as bandas covers são as mais sinceras. Ao contrário das que alegam ser originais, elas já de saída entregam os pontos e deixam claro estarem fazendo um som completamente baseado em outros, apenas aplicando uma camada de estilo próprio.

O resultado às vezes é incrível, como você vai ver a partir de agora.

Richard Cheese & The Lounge Against The Machine (lounge)

Richard Cheese é um homem de muitos méritos, o maior dos quais talvez seja ter sido capaz de transformar “Creep”, do Radiohead, o hino de uma geração cujo maior ícone se suicidou com um tiro de espingarda na boca, em uma música genuinamente animada.

Fora isso, o cara é quase um comediante, fazendo várias tiradinhas entre as músicas. Se um dia eu me casar — não está nos planos –, pretendo contratá-lo para tocar na festa.

Baseballs (rockabilly)

Tenho um amigo, fã de rockabilly, que é bastante ressentido pelo fato do Baseballs ser provavelmente a banda mais popular do gênero hoje em dia. “Não sei o que é isso, mas com certeza não é rockabilly”, diz ele, esfregando sua tatuagem do Stray Cats.

Talvez não seja rockabilly mesmo, mas não me importo. O som dos caras é extremamente divertido, e ainda dá um ar saco-roxo aos maiores sucessos pop recentes, como “Umbrella”, “Hot N Cold” e “Ai, Se Eu Te Pego”. Sim, você leu certo.

Ben L’Oncle Soul (soul)

Quando conheci esse cara, do modo mais aleatório possível (cliquei sem querer em uma playlist estranha do Spotify e decidi ficar ouvindo), virei fã imediatamente. Era uma música original, mas depois, indo atrás de mais sons dele, descobri a preciosidade que é o EP Soul Wash, de 2011, no qual ele executa seis covers sensacionais.

Ele teve as manhas de pegar umas músicas pop de gosto bastante duvidoso, como “Barbie Girl”, do Aqua (lembra?) e “Say You’ll Be There”, das Spice Girls (você lembra), e transformar em músicas extremamente gostosas, cheias de levada e malemolência. A grande coroa, porém, fica com o cover de “Seven Nation Army”, do White Stripes, que ficou tão inegavelmente incrível que ele até lançou como single e incluiu como faixa de abertura no álbum completo de músicas próprias.

Nouvelle Vague (bossa nova, ou quase isso)

Versões lentinhas e de voz doce para antigas músicas new wave ou punk.

De tão francês e hipster, o Nouvelle Vague só escolhe músicas não muito conhecidas para fazer covers. Entre as poucas realmente famosas estão as duas acima, “Love Will Tear Us Apart”, do Joy Division, e “Dancing With Myself”, do Billy Idol.

Easy Star All-Stars (reggae/dub)

O Easy Star Records é um selo musical de reggae em Nova York. Em 1997, os fundadores decidiram fazer um som com alguns dos melhores músicos das bandas do selo, e o que se formou foi o Easy Star All-Stars, talvez a banda mais impressionante dessa lista.

Em vez de gravar versões cover de músicas famosas, eles regravam álbuns inteiros traduzidos para reggae/dub. E não são quaisquer álbuns: eles já fizeram o “Dark Side of The Moon”, do Pink Floyd (que virou “Dub Side of The Moon”), o “Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band”, dos Beatles (que virou “Sgt Peppers Lonely Hearts Dub Band”) e, o meu favorito, o “OK Computer”, do Radiohead (que virou “Radiodread”).

Eu não sou fã de reggae, mas definitivamente sou fã desses caras. Quando se fala em versões cover em estilos diferentes das bandas originais, o Easy Star é sempre a minha primeira referência.

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Rockabye Baby (canções de ninar)

Foo Fighters, Black Sabbath, Ramones, Weezer, Motorhead, Guns ‘n’ Roses, Van Halen, Def Leppard, Bon Jovi, Pearl Jam, Aerosmith, Radiohead, Queen, Pixies, AC/DC, Rolling Stones, Björk, Nine Inch Nails, Smashing Pumpkins, Queens of The Stone Age, Nirvana, Led Zeppelin, The Cure, Metallica.

Todas essas bandas são ótimas, mas têm um defeito em comum: não servem para colocar o seu filho recém-nascido para dormir.

Exceto se você usar as versões do Rockabye Baby.

Antes de dar play, fica o aviso: ouvir isso dá vontade de ter filhos.

Dirty Loops (synth pop)

Direto da Suécia, esse trio de músicos extremamente bem treinados tem uma missão: pegar o pop básico que faz sucesso em cima de fórmulas manjadas e aumentar o nível de complexidade das músicas, transformando-as em algo que até mesmo outros músicos habilidosos pudessem, na falta imediata de um termo melhor, pagar pau.

Tecnicamente, eles são mesmo impressionantes. Se fazem as músicas ficarem melhores de fato ou se só as transportam para o lado oposto do espectro de músicas chatas (levando para o lado técnico demais, sem feeling), quem vai decidir é você.

Me First And The Gimme Gimmes (hardcore/punk)

Unindo membros de bandas de rock e punk consagradas, como Lagwagon, NOFX, No Use For a Name e Foo Fighters, o Me First é o supergrupo cover de punk rock. Ponto final.

Qualquer música, de qualquer estilo, vira um perfeito hino da bateria quadrada e dos power chords e acordes oitavados na mão desses caras. Na ativa desde 1997, eles já têm 9 álbuns nas costas e fazem um som extremamente divertido.

Gregorian (canto gregoriano)

Tá aí uma coisa que nem eu esperava encontrar quando comecei a pesquisa para este texto: algo relacionado a canto gregoriano. No entanto, esses alemães me surpreenderam.

Formado em 1991 (mas só em 1998 começaram a fazer covers), o Gregorian seleciona só músicas pop e rock com temas religiosos, que possam ser traduzidas para a escala heptatônica, e depois ainda grava em igrejas vazias, à meia luz, usando os melhores vocalistas de coral disponíveis.

Como diria Rodolfo Viana, em seu bordão extra-oficial no QG: “É mole?”

Beatallica (metal)

Essa banda já se entrega pelo nome: Beatles + Metallica.

Os nomes das músicas são quase sempre misturas de nomes de uma músicas de cada banda (Exemplo: “…And Justice For All My Loving”), e as letras também frequentemente se misturam. Em termos de sonoridade, eles pegam as bases das músicas dos Beatles, mas tocam com o peso e o estilo do Metallica.

Por terem escolhido misturar provavelmente as duas bandas mais chatas no que diz respeito a copyright, seria de se esperar que não sobrevivessem muito mais do que alguns meses, mas estão na ativa desde 2001, apoiados por ninguém menos que o próprio Metallica. A banda de metal os defendeu quando os responsáveis pelos direitos autorais dos Beatles entraram com ação judicial pedindo o encerramento das atividades.

Apocalyptica (música clássica)

Falando em Metallica, temos aqui um trio de violoncelistas iniciado na forma de tributo ao metal de James Hetfield e companhia. É algo lindo de se ver, os acordes pesados traduzidos no som de um dos instrumentos mais sublimes e versáteis de uma orquestra.

The Lost Fingers (gypsy jazz)

Os franco-canadenses de Québec escolheram esse estilo “jazz cigano” bem animado para fazer cover de vários clássicos dos anos 80 no seu CD de estréia, Lost In The 80s, de 2008.

Depois disso, lançaram mais três CDs, mas sem fazer cover de nenhuma música tão famosa.

Hayseed Dixie (bluegrass)

Te desafio a assistir a qualquer um dos dois vídeos acima e não dar risada. A combinação do estilo musical inusitado com o naipe dos tiozões é impagável, ainda mais em contraste com o material de origem.

Apesar disso, o Hayseed Dixie não é só uma banda de zoeira. Eles começaram com um álbum só de covers do AC/DC, mas hoje têm uma vasta discografia que, sim, inclui muitos outros covers, mas também um monte de músicas próprias tão bacanas quanto. Virei fã.

E você, virou fã de alguma?

Fabio Bracht

Toca guitarra e bateria, respira música, já mochilou pela Europa, conhece todos os memes, idolatra Jack White. Segue sendo um aprendiz de cara legal.rnrn[<a>Facebook</a> | <a href="http://www.twitter.com/FabioBracht">Twitter</a>]"