Domingo, Dia dos Pais e 16ª rodada do Campeonato Brasileiro. São Paulo e Grêmio no estádio Cícero Pompeu de Toledo, o popular Morumbi.

Fui.

Mas fui cedo. Afinal, o jogo era na casa do adversário. Para evitar trânsito ou qualquer problema com a torcida rival, cheguei ao estádio por volta de 14h, bem antes do horário marcado para o início da rodada: 16h.

Além da camisa do Grêmio por baixo do moletom preto que me fez passar despercebido entre dois grupos de pelo menos 300 torcedores do São Paulo, uma réplica do uniforme de 1995 com o número 7 do Paulo Nunes nas costas, levei um livro de bolso:  “El fútbol a sol y sombra”, de Eduardo Galeano. Uma excelente coletânea de crônicas sobre o futebol arte na visão de um uruguaio. Um verdadeiro assassinato da lógica, mas brilhantemente provocativo e coeso.

A ideia é fazer o tempo passar, já que eu havia ido ao jogo sozinho e tinha pelo menos duas horas de hiato e procrastinação até o apito inicial. Uma boa ideia, aparentemente. Mas uma boa ideia que encontrou um sério problema para ser executada: a lei.

O livro que – quase – rendeu uma dor de cabeça

—  É proibido entrar ao estádio com material  inflamável. — disse o policial que me revistou na entrada do Portal 15.
— Ok. — resmunguei, sem prever qualquer problema.
— O livro. Não pode entrar com livro. O livro é inflamável. —, argumentou o oficial.

Eu não sou de discutir. Muito menos com a polícia. Mas a curiosidade foi maior.

— Como assim? —, questionei.
— O papel. Você pode por fogo no papel, é inflamável.
— Dinheiro também é papel.
— Mas você não bota fogo no dinheiro.
— Nem ponho fogo em livros.
— Por fogo em dinheiro é crime.
— Por fogo em livros também é crime. Ou até algo pior.

Nesse momento o oficial chamou um superior. A instrução foi a mesma: eu deveria seguir as ordens do policial da revista, pois a proibição estava no Estatuto do Torcedor. O livro teria que ficar de fora. Onde?

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— Sei lá, se vira. — foi a resposta.
— Tenta deixar atrás daquela moita. — sugeriu um funcionário do estádio que acompanhava o papo de longe.

 

Já no estádio. E de mãos vazias

Não tenho problemas com o Estatuto do Torcedor. Admiro os benefícios que a lei sancionada pelo presidente Lula trouxe ao futebol brasileiro. É muito melhor ir ao estádio de futebol do hoje que há 15 anos, quando era praticamente impossível cogitar esse programa na companhia de namorada ou crianças. Os clubes souberem utilizar as adaptações obrigatórias a favor do torcedor, atraindo um público novo e que consome.

Contudo, a falta – ou excesso – de critério comprovam as recorrentes falhas na execução da lei. Em alguns estádios, como no próprio Olímpico (Porto Alegre/RS), é entregue um Guia da Partida antes do jogo. Em papel, aquele mesmo material utilizado na produção de livros e inflamável. As pessoas chegam mais cedo, entram no estádio, pegam o guia e curtem a leitura antes do jogo. Essa singela tolerância é uma atitude que evita a tradicional muvuca nas catracas. Ninguém deixa pra chegar em cima da hora, pois há o que fazer antes.

Aparentemente falta instrução nos estádios de São Paulo. Não é um livro de bolso que vai causar um incêndio ou tragédia. Mas sim, a maneira arcaica e primitiva como os torcedores ainda são tratados.

 

Guia da Partida: uma atração que evita o tempo ocioso

Não consegui dobrar o policial. Dei a obra para um guri que catava latinhas na entrada do estádio.

Perdi o livro. Mas ganhei três pontos.

Fred Fagundes

Fred Fagundes é gremista, gaúcho e bagual reprodutor. Já foi office boy, operador de CPD e diagramador de jornal. Considera futebol cultura. É maragato, jornalista e dono das melhores vagas em estacionamentos. Autor do <a>"Top10Basf"</a>. Twitter: <a href="http://twitter.com/fagundes">@fagundes</a>."