“Porra! Que palhaçada, cara!”. Saiu do vestiário da academia batendo os pés nos chinelos. Depois do treino matutino, enquanto todo mundo se vestia depois do banho com a pressa que o inverno impõe, um dos amigos questionou, em voz alta, em queria um abraço, gracejo com alusão ao frio e à necessidade de calor humano pra suprir a falta de temperatura elevada no corpo depois da natação.
Mas a piada foi vista com maus olhos por ele quando o mesmo amigo ainda simulou uma ida até o seu banco, nu e com oa braços abertos, como se pudesse abraçá-lo assim, um em pé e o outro sentado. “Abraço à meia altura, amigo”, disse alguém rindo. Ele viu na jocosidade um atravessar de liberdade que feriu sua virilidade na frente de todos e gritou, fez cara feia, enfiou as roupas de qualquer jeito dentro da mochila, como se desse socos nas calças, camiseta e sunga para dentro da sacola, e saiu bufando.
“E homem lá brinca dessas coisas?”, questionou com a namorada em frente a casa dela. Estava mesmo incomodado, as sobrancelhas pareciam se digladiar uma com a outra enquanto ganhava abraços da pequena que, ao vê-lo naquele estado de desconforto, pôs-se a tentar tirar da atenção dele o recente episódio. Entrelaçando beijos no pescoço e boca com passadas longas dos dedos nos cabelos dele, a menina ia contando das novidades de sua pesquisa para a próxima viagem deles nas férias. Estavam programando de ir para a serra com os amigos, em uma dessas cidades que se aproveitam do frio para fazer eventos e festas, chamar turistas para cervejarias, chocolates, fondues. Mas estava difícil desprender dele a imagem tão fresca do amigo vindo em sua direção. Ela falava de chalés que tinha separado e ele ruminava uns palavrões maldizendo a zombaria, ela dizia as amigas que já tinham dado certeza da ida e ele mordia os próprios dentes num ranger sem fim, ela fazia contas de possíveis orçamentos e ele questionava se podia nesse mundo haver amigo mais babaca que aquele.
“Ah, gato, para de falar nisso, parece até que vocês não se amam”. Ela disse isso passando o dedinho longo no peito dele e disparou novamente o embaraço: “ah, caralho, mas que porra de amor, cacete! Você é besta, menina?”, disparou com a boca, olhos e nariz. Fissão, fusão, disparo da bomba e a reação imediata da nova inimiga. “Mas vai pra puta que o pariu, garoto, o que você tem hoje, hein? Quer saber? Some da minha frente, vá. Vai embora que eu não quero mais te ver hoje não”. Fechada a fronteira do portão, ela entrou e ele ficou parado em meio à terra arrasada.
Em casa, com a cabeça pesando toneladas em cima do travesseiro, fritou por algumas hora na cama, virando pra um lado e pro outro atrás de conforto, mas só lhe rendia mais e mais arrependimento. Não precisava ter ficando tão abalado com a brincadeira, por mais que devesse se impor para não voltar a acontecer, uma zombaria dessas não pode ser deixada de lado, “a gente tem que ser durão também, se não vão pensar o quê?”, se questionava. Também não precisava ter descontado tudo na namorada, já que ela só queria ajudar. Precisava se desculpar, comprar um presente talvez, algo que tivesse ligação com a viagem, ela iria adorar isso. Levantou-se. Precisava se distrair.
Pegou o celular e olhou as mensagens. O grupo dos amigos estava fervendo já nas centenas de envios nas últimas horas. Estavam marcando de sair à noite e era tudo o que ele precisava. Deu umas risadas das besteiras que tinha no meio e perguntou onde ia ser a farra hoje. “A gente tá indo no forró ver umas meninas. Leva a sua namorada, vai ser legal”. “Dançar, gente?”, ele respondeu já com fogo saindo pelas ventas. “Mas quando é que a gente vai fazer algo de homem, sentar no bar pra beber, jogar conversa fora? Dançar? Ah, vão vocês, eu não sou dessas não”.
Desligou o celular e apagou a luz. O dia havia acabado pra ele. “A gente tem que ser durão também, se não vão pensar o quê?”, repetiu para si mesmo mentalmente, já de olhos fechados.
É. Tem razão.
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