Todo prédio tem histórias, para quem sabe ouvir.

O subsíndico

Moro em Copacabana, em um prédio de dez andares e quarenta quitinetes por andar, construído em 1957.

Ninguém aceitou a responsabilidade de ser síndico dessa minicidade de idosos, prostitutas e estrangeiros. O subsíndico é um velho português, entrevado e rude.

Sempre que eu entrava ou saía do prédio, lá estava ele, torto e transtornado, nas áreas comuns, na portaria, na calçada, descascando funcionários, destratando porteiros, desesperando moradores.

Quando meus vizinhos se esgueiravam pelo prédio, era sempre dele que fugiam.

Um dia, enquanto eu conversava com os porteiros na administração, ele entrou e imediatamente deu início a uma diatribe infindável de reclamações, sem nenhum respeito pela conversa que já estava em curso.

Para minha surpresa, todos os porteiros o ignoraram sumariamente e continuaram conversando comigo. Para minha ainda maior surpresa, ele permaneceu imperturbável declamando seu rosário, como se desfrutasse da atenção exclusiva de todos.

Uma noite, na rua, ao lado de uma viatura, o velho de cabeça ensanguentada falava com dois PMs.

Daqui a pouco, saíram outros dois PMs escoltando uma moça negra, musculosa e bonita, de cabelos brilhosos e pouca roupa. Algemada. Entraram todos na viatura.

Segundo o porteiro-chefe (de quem falei mais aqui), a moça era uma prostituta que morava com o velho e tinham tido uma briga qualquer.

Briga de amantes?, perguntei.

Parece que não, respondeu. Ela só não tinha onde morar e ele deu abrigo. Acho que cozinha pra ele. Menos solidão pros dois.

No dia seguinte, a prostituta e o subsíndico estavam de volta. Tinham feito as pazes na delegacia.

Hoje, perguntei por ele. Morreu.

O poeta, no banco, em Copa.

O síndico

Quando meu apartamento está alugado, moro na casa da minha amiga Sônia, no Flamengo, em um prédio de doze andares e oito apartamentos de três quartos por andar, também construído em 1957. O ano de construção é a única coisa que possuem em comum.

Em frente ao prédio, tem um banco de madeira onde passei horas fazendo companhia a uma ex-namorada fumante.

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Quem também passava horas naquele banco era o síndico, um coroa enxuto, de pernas bem torneadas e costas eretas. Sempre ao seu lado, um cachorro boxer, tão empertigado e atlético como o dono.

Moravam sozinhos, homem e cão. Ele não tinha emprego, nem aposentadoria: era proprietário do imóvel e se sustentava frugalmente com o pró-labore de síndico. Seu único filho morava em Goiás.

Um dia, minha ex-namorada teve um surto psicótico, me agrediu e tive que chamar a polícia. Mais tarde, eu a perdoei e retomamos o relacionamento. Só que não ali: o síndico proibiu que ela entrasse no prédio.

Não tinha direito de fazer isso, claro, mas o escândalo foi tão grande que não quisemos reclamar.

Talvez o síndico tivesse razão: o relacionamento só durou mais dois meses e o escândalo se repetiu. Em outros lugares.

Há pouco tempo, eu o encontrei sentado no banco sozinho, costas arqueadas, olhar cansado. O boxer tinha morrido dormindo, ataque cardíaco. Me dei conta que nunca o vira em movimento: em minha cabeça, ele existia praticamente como um gárgula, sempre imóvel ao lado do dono.

Começou a aparecer menos e menos no banco de madeira. Logo depois, adoeceu e morreu.

Sônia, minha anfitriã, passou o dia inteiro prostrada na cama. Ambos tinham passado quase a vida inteira naquele prédio. Eu nem sabia que eram amigos.

O filho veio de Goiás, rapidamente resolveu o enterro, e voltou.

* * *

Copacabana.

Um dia, também vão perguntar por mim e por você. Pelo barbudinho que ficava no banco com a namorada fumante. Pelo cara que lia o PapodeHomem e compartilhava com os amigos.

E alguém vai dizer, como se fosse a coisa mais banal do mundo, “morreu”. E a pessoa que perguntou vai fazer “ah”, e talvez fique até sentida, mas logo vai esquecer o assunto, porque daqui a pouco tem novela, reunião ou pelada.

Alex Castro

alex castro é. por enquanto. em breve, nem isso. // esse é um texto de ficção. // veja minha <a title=quem sou eu