O que a Hebe Camargo pode ensinar aos homens?

As pernas estão cruzadas sobre a almofada do famoso sofá. O vestido preto, cheio de brilho, é curto “…para a sua idade” – completariam as mais (falsas) moralistas. E as coxas que escapam dali são grossas, lisas, lindas. A batata da perna é delineada, dádiva proporcionada pelo sapato de salto altíssimo, que enrijece aquele músculo ao lhe colocar numa distância de 15 centímetros acima do chão. O cabelo, impecavelmente firme, não ameaça sequer uma movimentadinha de comercial de xampu com Gisele Bündchen. Além do laquê, há sim, também em demasiada quantidade, marcas de maquiagem em seu rosto.

Fiquei confusa quando entrei no estúdio da RedeTV, já montado para a gravação do segundo programa da Hebe na nova emissora.

Tem muita tecnologia no cenário… Não combina com ela. “Falta uma coisa mais íntima, glamorosa e menos hightech”, discuti com minha amiga publicitária. Mas essa confusão foi passageira, ínfima, um detalhe que esqueci rapidinho depois que a senhora bonita, forte e muito carismática entrou no palco e mudou o astral do lugar. Eu não sabia, mas essa sua presença inegável me deixava, a cada minuto, mais despreparada para o que estava por vir ao final daquela gravação.

Graciosa, Hebe arranca risos dos seus entrevistados mesmo quando faz as perguntas indiscretas que lhe são características. Os músicos convidados da noite são Alexandre Pires, Diogo Nogueira e Martinho da Villa, os malandros do samba que lhe provocam para dançar durante suas apresentações – isso é, claro, quando ela mesma não toma a iniciativa de provocá-los.

Através de uma superfície holográfica (eu disse que o programa era muito moderno), ela dá sermão em Marcelo Nascimento da Rocha, o vigarista da moda que terá sua vida representada no próximo filme de Wagner Moura, VIPs. Ele, que cede a entrevista direto da prisão, agradece e venera Hebe ao final, mesmo com os puxões de orelha dignos de vó católica.

Já a outra entrevistada, uma menina estrangeira de burca, fica nitidamente incomodada com os carinhos que Hebe faz na sua face… Chega a soar irritada com as perguntas culturais feitas pela apresentadora. Mas ela não percebe ou simplesmente supera o desânimo da garota, exercitando outra de sua prática cativante. Hebe, que assumidamente não fala inglês, tece vários elogios à muçulmana. “Gente, que gracinha ela, né?”, pedindo a afirmativa da platéia. “Diz pra ela que ela é muito linda e muito inteligente!”, olhando para a tradutora. E tudo soa verdadeiro.

Eu, que estava sentada na primeira fileira da plateia, há pouquíssimos metros dali, confesso que tive vontade de chacoalhar a entrevistada. Socorram-me! Desceu-me a tiete – uma fã que descobri ser só ali, ao vivo. Perdi as estribeiras da sensatez, deixei a ignorância aflorar e queria que a menina com olhar de desdém soubesse com quem estava falando.

Hebe, como profissional, inovou quando mulheres ainda não podiam inovar. Parte do time dos precursores da TV brasileira, cantou, dançou e interpretou numa época que nem era necessário ser modelo pra fazer tudo isso… Depois de experimentar tantas coisas, se encontrou como apresentadora. Há 60 anos (leu? sessenta anos!) trabalhando na TV, aproximadamente 45 se deram no seu sofá, onde até hoje distribui selinhos em homens, mulheres ou nenhuma das alternativas anteriores.

Na vida pessoal, Hebe mostrou paudurescência. Foi uma das primeiras mulheres públicas a se divorciar no Brasil. E bem antes de superar um câncer e ficar careca, lançou a moda do cabelo amarelo no Brasil – por isso, Xuxa, Angélica e Galisteu lhe devem respeito. Mas não só elas: aposto que se eu me juntasse às outras autoras aqui do Ladies Room, loiras ou não, poderíamos enumerar agradecimentos para ela.

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Minhas amigas e eu na plateia: “Obrigado, Hebe!”

“Obrigada por ter libertado nossas bocas para o que não deve ser dito em nome da elegância burocrática. A TV ficou mais divertida e tudo isso veio traduzido pro mundo real. Hoje em dia é fácil falar palavrão, dividir trabalho com marmanjo e conversar sobre sexo na mesa do bar, usando uma mini saia, graças, também, aos seus esforços (e às suas pernas), querida Hebe Camargo”, imagino para o último trecho da cartinha.

E foi com essa gigante que eu me surpreendi ao final daquela gravação, que vai ao ar hoje, às 22h, na RedeTV. Quando o programa acabou, pude circular livremente pela emissora, e enquanto procurava a porta atrás do cenário, a vi sendo praticamente carregada por dois de seus assessores até o carro… É, a fortaleza de segundos atrás precisava de apoio para caminhar, estava totalmente fragilizada!

No caminho, ainda dentro do estúdio, ela passou por mim, me estendeu sua mão e disse “Ai, que linda”, enquanto suspirava, no intervalo entre uma respiração e outra para pegar mais ar para seus gemidos. Hebe gemia de dor, de cansaço. Estava exausta com uma gravação que durou cerca de duas horinhas…

120 minutos praticamente sem cortes para erros de gravação, diga-se de passagem. “E isso é coisa rara”, garantem os produtores de outros programas. Ela entra no palco e a coisa simplesmente flui, mesmo com o intervalo para os merchandisings que faz de móvel popular, coloração de cabelo e outras cositas más que patrocinam o show. Hebe faz a TV parecer simples, lidera tudo aquilo com tanta naturalidade, energia e simpatia que ninguém que estava ali, se chacoalhando na platéia, ou que assiste ela daqui, pela telinha, imagina um troço daqueles acontecendo nos bastidores.

Foi tudo muito rápido, muito confuso. E só não sai de lá triste com a cena, porque me pus a pensar sob outro ponto de vista. Tentei fugir do raciocínio comum que criticaria sua “incapacidade de perceber que o seu tempo de estrelato já passou”… Blá, blá, blá.

Tentei sugar o que o rosto cheio de botox tinha me ensinado naquele dia. Hebe não faz seu programa por dinheiro; sabe-se que sua caixinha de jóias garantiria a aposentadoria de muitos que me lêem agora. Também não faz por carência; tem gente transpirando admiração por ela a todo instante; o tal do ostracismo demoraria para bater à sua porta. Hebe insiste, percebi, por amor – sem pieguice, sentimentalismo ou exagero.

Ela realmente ama o trabalho que lhe fez conhecida, ama receber carinho dos fãs, e ama a sua vida. Tem um espírito que não parece querer parar, mesmo com o corpo dando claros sinais de arrego. Os médicos que se preparem.

E você, homem que agora coça o saco, olha pra tela do computador e pensa “Que porra tenho eu a ver com isso?”, reflita. Vai honrar seu H maiúsculo? O corpitcho de 82 anos vai admitir um espírito de 40? Ou agora, com bem menos que isso, você já está pedindo pra sair?

Amanda Denti

Relações Públicas com síndrome de jornalista. Menina mulher metida a amiga de homem. Namoro a distância, não traio e não pratico sexo virtual. Paulistana que descobriu que morar na praia é muito mais legal. Sem álcool há poucos dias, com senso de humor todos os dias. Descalça sempre que possível. Escreve no <a>PapoAlDenti</a>."