Que atire a primeira pedra quem não ouviu algum burburinho acerca do Grito Rock. Se não em sua cidade, na cidade mais próxima. Isso tudo porque, cada vez mais e já atingindo o patamar de maior evento integrado do mundo, o Grito toma proporções colossais. Mas como assim? Que evento é esse? Que proporções são essas?
A primeira edição do Grito Rock foi realizada em Cuiabá no ano de 2003, pelo Espaço Cubo, como um festival independente – leia-se de baixo orçamento – que visava atingir um patamar de auto-gestão. O intercâmbio cultural se intensificou na edição seguinte, agregando agentes a nível regional. A causa foi abraçada pelo Circuito Fora do Eixo* oficialmente em 2007, quando foi reconhecido pelo crescimento da estrutura e pela integração promovida no evento.
A articulação promovida pela rede de produtores possibilitou expandir geograficamente o Grito em proporções até então inimagináveis. O verdadeiro boom data dessa época: 20 cidades foram integradas após a parceria, saltando para 50 em 2008. No ano seguinte, 60. Em 2010 atingiu a marca de 80 eventos e, desafiando a lógica da progressão artitmética, o Grito Rock 2011 foi realizado em nada menos que 132 cidades em 10 países. Os braços do evento se estenderam sobre a Ibero-América tomando de assalto os distritos de Buenos Aires, San Jose, El Salvador, Nova York, Santa Cruz de La Sierra, entre outros.
Mais de metade dos pólos realizadores do evento (51%) teve sua estreia em 2011, enquanto Cuiabá (cidade natal do festival, como comentado) chega à sua nona edição. Faço parte dessa estatística de newbies a partir do momento em que, esse ano, organizei pelo portal em que trabalho a primeira edição do Grito Rock Itajaí.
Tivemos aqui duas noites de festa, 10 bandas, público agregado de cerca de 400 pessoas. Para uma cidade que vive dos mais previsíveis-e-mal-tocados covers botequeiros de Legião Urbana e Deep Purple, acredite, isso é praticamente um marco histórico.
A circulação de bandas, capital de investimento e giro de imprensa que um festival desse porte promove é até difícil de mensurar, mas certamente reverte em uns tantos milhões de reais em mídia espontânea. Uma banda de Santa Maria (RS), por exemplo, pode tocar em duas ou três edições do evento em seu estado para depois subir até SC e tocar em outras três, sendo uma na universidade federal de Florianópolis para um público de 4000 pessoas.
Tal exemplo, inclusive, não é nada fictício: a situação se passou com uma banda de amigos meus, a Rinoceronte (vale muito o play). Além de vários quilômetros rodados, essa circulação rende muitos contatos e amizades de valor inestimável.
Desenvolvido paralelamente ao projeto do Grito, o portal Toque No Brasil apresentou um novo esquema para o tramite de vagas entre produtores e bandas. Os interessados em gritar seu rock continente afora, independente de quando e onde, só precisavam de um perfil no site para clicar no botão “Quero tocar!” na página das edições escolhidas. Tão simples e óbvio quanto isopor como isolante térmico pra cerveja, nessa brincadeira foram abertas mais de 1000 vagas de shows.
“Por que interdependente?”, você talvez esteja se perguntando em relação ao usual “independente”. Exemplifico com uma entrevista que dei ao Jornal de Santa Catarina, vulgo Santa:
“Há certa movimentação cultural no rock em Santa Catarina e os focos estão começando a surgir, como já aconteceu em praticamente todas as regiões do país. O Grito Rock é um festival interdependente; ou seja, serve como exemplo microambiental dizer que as bandas divulgam o festival e vice-versa.
Nessa lógica inclui-se uma variável até então pouco explorada, que é a mão-de-obra como moeda de troca. Interdependente diz respeito à atuação de vários setores da cadeia produtiva com visão abrangente do processo e funções bem definidas, por mais que os agentes todos costumem se dispôr a dar uma força onde surgir necessidade.”
Temos, então, um movimento colaborativo crescente no Brasil que viabiliza dezenas de eventos onde tocam centenas de bandas e são prestigiados por um público de dúzias de milhares de espectadores.
Cabe a você, entusiasta da música – como coube a mim, a eles e caberia a tantos outros –, tomar parte nisso, como preferir. Só não vale dizer que o rock morreu.
*Quer saber mais sobre o Circuito Fora do Eixo? Fica pra um próximo post, mas dou minha palavra que venho dissecar essa máquina pra vocês. Com mais fontes, mais referências e mais links; esse é o tipo de assunto que, se for pra falar por cima, nem vale citar.
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