Remake de um animê de 1995, protagonizado por Scarlett Joahansson, Ghost in the Shell estreia nessa semana no Brasil.

Envolvido na polêmica da escolha de uma atriz não-asiática para interpretar uma personagem caracteristicamente oriental (whitewashing), o filme vem pra mostrar como questões de identidade, diversidade e representatividade estão em voga e como novas tecnologias possibilitam a existência de algo como uma aldeia global, desbalanceando não só as hegemonias, mas também o próprio conceito de identidade.

ghost-in-the-shell-scarlett-johansson-lu-2048x1152.jpg

Tudo começou com o mangá Ghost in the Shell criado por Masamune Shirow. A partir dele, Mamuro Oshi dirigiu uma animação homônima, em 1995, que acabou considerada uma das produções mais influentes da cultura pop sobre os limites e possibilidades da Inteligência Artificial.

Agora, a mais nova encarnação da franquia virá como mescla da história principal com algumas secundárias que aparecem no segundo longa animado, também dirigido por Mamuro Oshi, chamado Ghost in the Shell 2: Innocence (2004).

Mais a conta não fecha aí: além do mangá e dos animes, a história ainda serviu de base para uma série com duas temporadas de 26 episódios cada, intitulada Stand Alone Complex, e um novo filme que é uma colagem de tudo isso – Ghost in the Shell: The New Movie (2015). Versões contadas e recontadas de uma história que já provou que rende inúmeras reflexões sobre questões de identidade, interação entre humanos e máquinas, ética e cultura.

Produções

O animê de 95 conta a história da ciborgue Mokoto Kusanagi (uma máquina que tem em seu sistema a consciência copiada de um ser humano) e seus companheiros da Seção 9 (um departamento de polícia especial), na busca por um hacker conhecido como O Mestre dos Bonecos e a partir disso, a história é conduzida pelas questões psicológicas e filosóficas de seus personagens.

O mangá de Shirow, por sua vez, tem uma pegada um pouco diferente. Obsessivamente detalhado, com notas de rodapé e textos explicando cada pedaço da tecnologia introduzida na narrativa, a história é mais focada no cenário e nas investigações do Seção 9.

Na animação, os traços do desenho são bastante diferentes do mangá. O diretor Mamuro Oshi e a produtora Production I.G. (a mesma da série animada Zillion), nos mostram um futuro sujo, superpovoado e iluminado por neon, numa alusão direta à Hong Kong do filme Blade Runner (1982). Nessa versão, quase não há alívio cômico e as cores escuras e os reflexos das luzes e do rosto da personagem principal, reforçam a dúvida existencial de Kusanagi.

Screen_Shot_2017-02-28_at_9.18.00_AM.png

Algumas das sequências da animação foram literalmente copiadas serviram de inspiração para outras produções que também abordavam temas como tecnologia e inteligência artificial. Em Matrix (1999), o código de programação em letras verdes que preenche a tela – a primeira sequência de perseguição entre Neo e o agente Smith – e a clássica cena das colunas estilhaçadas por balas no lobby do prédio, são tiradas diretamente de Ghost in the Shell. Já muito mais recentemente, a abertura da série Westworld, que mostra etapas da fabricação de um de seus “anfitriões”, também foi inspirada na sequência de abertura do animê.

Leia também  Por que minha casa parece um inferno e eu acho horrível viver aqui? | Dicas práticas contra a bagunça

Inspirações

A narrativa também serviu para quebrar um importante paradigma no cinema ocidental: a transição de sequências. Além de uma cena sem diálogos com uma trilha sonora ao fundo, em que agentes da Seção 9 atravessam a cidade de carro (referência à série policial Miami Vice, com direito a mullets e policiais de blazer), existe um interlúdio que quebra o ritmo da narrativa. Segundo Scott McLoud, em seu livro Desvendando os Quadrinhos, no ocidente a maior parte das transições de um quadro para outros são de ação para ação. Já no oriente, é comum a transição de aspecto para aspecto (ponto de vista), que tira o foco da ação (tempo linear) e se concentra no ambiente (espaço).

Em Ghost in the Shell esse interlúdio mostra diferentes ângulos da cidade, suas contradições entre o velho e o novo. As luzes e os reflexos, as pessoas apressadas, o lixo e a sujeira dos canais formatam as reflexões de Kusanagi. Tanto a identidade quanto o espaço no anime estão em constante mudança. A ideia do cyberpunk é que a mescla de humano e máquina tem efeito no indivíduo igual ao que espaços coletivos como cidades multiétnicas têm na nossa cultura – desconstroem as definições de gênero, raça e classe que herdamos de tempos menos plurais. A busca de Kusanagi pela própria identidade é uma investigação e sobre a definição do “eu”.

maxresdefault_156.jpg

Existe um nível mais amplo de investigação sobre esses temas que é comum a todos nós humanos. Assim como o espaço físico (a cidade) delimita (determina) nossa ação, a construção da identidade também depende de fatores externos sobre os quais não temos controle. Assim como nós, a ciborgue Kusanagi quer ser tudo o que ela pode ser, mas tem medo de não se reconhecer mais. Além disso a possibilidade de uma I.A. consciente nos encanta e aterroriza; nos perguntamos se seremos obliterados pela nossa própria criação.

Portanto, se Scarlett Joahansson e seus amigos não foram capazes de criar essa intricada conexão, não desista. Fica aqui o convite para revisitar outras peças dessa franquia tão rica e reflexiva.

***

Esse texto faz parte da parceria editorial do PapodeHomem com os Quadrinheiros.

A série inclui um artigo original publicado aqui, pra vocês, uma vez por mês. Mas se você sentir o gostinho de quero mais, tem muito mais à disposição no site deles e no canal do Youtube.

E pra ajudar a manter tudo isso funcionando, você pode apoiar os Quadrinheiros por meio do projeto de crowdfunding já ativo. Você pode contribuir com valores a partir de R$ 7 e ainda receber mais conteúdo exclusivo direto no seu email. Fala sério. Faz todo sentido.

Mauricio Zanolini

É tão apaixonado por quadrinhos que tem até identidade secreta - <a>Picareta Psíquico</a>. Com os Quadrinheiros tem <a href="https://quadrinheiros.com/">blog</a>