Dia desses encontrei um amigo que não via há anos. Foi um daqueles encontros que precisam ser combinados, discutidos, cancelados e remarcados porque, hoje em dia, ninguém tem tempo para nada. Mas, enfim, semanas depois do primeiro “cara, precisamos beber algo”, o encontro rolou.
No primeiro copo matamos a saudade. O segundo e o terceiro foram os das gargalhadas. E, a partir daí, com as lembranças em dia, começamos a falar sobre a vida atual. Trabalho, dinheiro, situação política do país e outros assuntos de amigos que viraram adultos.
E falamos sobre casamento.
Na verdade, quando o assunto apareceu na mesa, a conversa virou um monólogo, porque ele não se casou. Claro, isso pode acontecer com qualquer pessoa e não é algo que a torna melhor ou pior que as outras. Às vezes a pessoa nunca quis se casar. Ou ainda não achou uma pessoa certa – porque sim, acredito que existe mais de uma pessoa certa andando por aí para cada um de nós. Existem diversos motivos para as pessoas não se casarem; às vezes é escolha dela; em outras, da vida.
No caso deste meu amigo… Bem, não é simplesmente “não se casou” ou não se amarrou com ninguém. A coisa vai um pouco além: ele deixou de se relacionar com as pessoas. Jogou a toalha. E, claro, isso também poderia ser opção dele. O problema é que ele sofre visivelmente com essa decisão. Nunca assumiu isso abertamente, claro, mas essa tristeza surge em seus olhos sempre que o assunto aparece. Ele não é uma pessoa que não tem ninguém, e sim uma pessoa que desistiu de ter alguém.
Parece complexo? Talvez. O problema é que nenhum dos relacionamentos dele deu certo porque cada hora surgia um obstáculo novo. Desde que eu o conheci, todos os seus relacionamentos bateram na trave.
Estamos falando do sujeito mais azarado do mundo?
Não. Estamos falando do maior caso de autossabotagem da história moderna.
Eu conheci algumas das garotas com quem ele saiu. Com umas duas até mesmo chegou a namorar, mas nunca passou disso. E jamais durou muito tempo. Na verdade, seus relacionamentos morriam antes mesmo de nascerem, por causa da expectativa que meu amigo criava. Era uma expectativa que se resumia em quatro palavras: “não vai dar certo”.
Seu discurso era praticamente o Manual do Amor escrito pelo Hardy Har-Har. Nunca ia dar certo. Veja bem, não é “não deu certo, que pena” ou “não está dando certo, não sei o que faço”. É “não vai dar certo”. Tempo verbal: futuro. Era como se tivesse uma bola de cristal que entregasse apenas previsões ruins sobre todo e qualquer relacionamento que entrasse.
E os motivos para não dar certo era ele mesmo quem criava. E, na verdade, se dedicava bastante para isso, apresentando sempre um empecilho único e especial para cada mulher que passava por sua vida.
– Ela trabalha demais, não tem tempo para mim.
– Ela não faz nada, não estuda, não trabalha, então fica me ligando o dia inteiro.
– Ela já foi casada, como eu vou contar isso para os meus pais?
– Não sei… Acho que ela não faz meu tipo.
E eu sempre tentava derrubar o argumento da vez.
– Sábado? Domingo? Isso não existe na vida dela? Ela não faz refeições?
– Já pensou em dizer para ela que você trabalha e não pode conversar o dia inteiro?
– Que tal dizer a verdade, colocando um foda-se no final? Assim, olha: “Ela já foi casada e foda-se”.
– Você também não faz meu tipo e eu janto com você duas vezes por semana.
Nunca adiantava. Quando ele falava “não vai dar certo”, era porque o negócio estava condenado. Pensei bastante sobre isso. Ainda penso, na verdade.
Você conhece alguém assim? Porque desde então eu vejo que existe muita gente que se comporta desse jeito. Pelo menos, mais do que eu imaginava. São aquelas que nunca acharam a pessoa certa apenas porque passaram a maior parte do tempo procurando a pessoa supostamente perfeita.
Meu amigo agia assim. Procurava algo perfeito – ou, melhor dizendo, algo que fosse perfeito para ele. Talvez realmente tenha encontrado essa perfeição em algumas, mas durava apenas alguns dias. De repente, ele acordava numa manhã e descobria que aquela mulher perfeita que havia dormido ao lado dele havia se transformado em uma pessoa real. Começavam, então, a aparecer os entraves: era preciso conciliar os horários de cada um; ele e ela possuíam gostos diferentes; ambos provavelmente tinham valores, sonhos e desejos distintos.
Acho que meu amigo nunca conseguiu entender que encaixar uma nova pessoa dentro da sua realidade – e, ao mesmo tempo, descobrir como fazer parte da realidade dela – não precisa ser necessariamente um problema. Na verdade, pode – e deve – ser uma delícia.
Mas ele não queria uma pessoa, mas uma esposa (ou namorada, ou noiva, chame do que quiser) que já viesse pronta. Essa era a perfeição que ele buscava: um relacionamento que nascesse planejado e construído e formatado dentro dos moldes que ele mesmo criou.
Era como se ele fosse um príncipe encantado que queria viver um conto de fadas, mas apenas se isso acontecesse naturalmente, com a princesa indo até o castelo onde ele morava e pronto. Viveram felizes para sempre. Como a princesa nunca deu as caras exatamente desse jeito, ele simplesmente levantou a ponte levadiça e está lá escondido no castelo.
Na verdade, a suposta “aposentadoria” é mentira dele. Ele nunca jogou a toalha de verdade, tanto que está sempre olhando ao redor, procurando por alguém. Mas faz isso quase como um exercício acadêmico. Quando encontra uma pessoa que poderia ser “alguém”, ele apenas finge que não reparou e olha para o outro lado.
Ele simplesmente não se permite. “Não vai dar certo”. Acho que ele nunca entendeu que o primeiro passo na história de um relacionamento é apenas deixar o relacionamento acontecer.
Quando eu comecei a namorar minha esposa, eu estava com depressão e não conseguia sair de casa. Ela, por outro lado, trazia na bagagem um filho adolescente. Tínhamos tudo para dar errado. Provavelmente muita gente achou que não iríamos durar nem uma semana.
Demos certo. Não porque somos melhores ou piores que as outras pessoas, mas apenas porque permitimos que as coisas acontecessem. Adequamos aqui, consertamos ali, brigamos sobre isso, nos beijamos sobre aquilo. E em nenhum momento pensamos que “estamos fazendo o certo, estamos deixando as coisas acontecerem”. Não, as coisas estavam apenas acontecendo e nós não pensávamos a respeito. Estávamos ocupados demais vivendo. Ela e eu nos permitimos ter um dia de cada vez, sem impedir nada de um lado, sem forçar nada de outro.
Certa vez, meu enteado estava conversando comigo e me perguntou se algum dia eu tinha imaginado que me casaria com uma mulher com um filho de (na época) dezesseis anos. Eu respondi que não. Disse que se, vinte anos atrás, alguém tivesse me falado que isso iria acontecer, eu teria dado risada na cara da pessoa. Ele me perguntou:
– E como você decidiu entrar nessa encrenca?
– Eu não decidi. Só que ao invés de molhar a ponta do pé para ver se a água da piscina estava gelada, eu apenas mergulhei. Quando eu vi, tudo estava acontecendo.
Ele sorriu, eu sorri de volta. Hoje, essa encrenca, usando o termo que ele escolheu, não é a coisa mais importante da minha vida. Essa encrenca é a minha vida.
E eu me sinto feliz demais por ter permitido que essa vida acontecesse.
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