A maior busca de todo homem é pela liberdade. Somos fascinados e atraídos por tudo o que envolve alguma espécie de superação, avanço, ampliação, conquista: esportes, batalhas, filmes de guerra, ciência, religião, sexo, negócios…

“Sua motivação básica é ser libertado da prisão e experienciar a liberdade do outro lado. Quais são algumas das mais comuns formas de êxtase masculino? Orgasmo é uma. O orgasmo típico masculino, como você provavelmente sabe, envolve uma construção de tensão, ou prisão, até a barragem finalmente quebrar, e sua tensão e energia serem liberadas. O estado pós-orgasmo é de uma paz similar à morte, um vazio que aparenta um alegre esquecimento. O masculino está sempre buscando essa libertação de um modo ou de outro.” –David Deida, no excelente They way of the superior man

Não apenas no sexo. Podemos acionar essa liberdade a qualquer momento. Não falo de visualizações ou estados mentais. Falo de algo bem próximo, imediato, tátil, em nada diferente da experiência de sentir os dois pés no chão.

O fu do ritmo

Aula de taiko: mais do que bater, você aprende a parar (Fonte: Taiko Project)

Faço parte de um espaço de transformação de moleques mimados em homens virtuosos. Em um final de semana com essa galera, participamos de uma roda de polirritmia. Confusos com vocalizações e ritmos para pés e mãos, tentávamos controlar cada movimento, entender cada batida.

A cada três passos simultâneos às sílabas “ta-ke-ti”, havia um descanso, um local de repouso, um momento sem passo algum. Com foco nisso, ouvi do líder da roda:

“Apreciem o silêncio, o espaço que abre a chance de você tomar outro rumo: ta ke ti [fuuuu] ta ke ti [ffff] ta ke ti [fu]…”

Comecei então a observar o fu, o espaço, a pausa, o silêncio entre as pisadas. Não era nada misterioso ou esotérico, apenas a ausência de som, como se pudéssemos parar e soprar, como se ventasse em um deserto completamente aberto, tudo em poucos segundos, sem necessidade alguma de adiantar o próximo momento. Dava até para relaxar ali, como se eu tivesse tempo, muito tempo, antes de precisar me mover de novo.

O fu da montanha

Créditos da foto para o senhor Gustavo Gitti

Recentemente tive a oportunidade de fazer uma trilha rumo ao topo do Monte Crista, em Santa Catarina. Oito horas de subida em meio a rios de lama, mata fechada e animais desconhecidos.

Ao observar aquela paisagem maravilhosa, percebi algo familiar. Por várias vezes sentei quieto para entender o que estava diante de mim. Não era a montanha, não era o horizonte, não era a cidade. Essas são coisas comuns a que nos aprisionamos. Tinha algo de livre, algo não palpável, algo que sempre esteve por ali.

Não havia nada de místico, nenhum milagre, nenhuma crença. Aquilo que eu estava vivenciando, aquilo que trazia brilho nos olhos, fogo no peito, energia no corpo, vontade de penetrar a vida, aquela coisa que sempre esteve comigo e por isso era tão familiar, aquilo era o fu. Assim como na roda de polirritmia, assim como na meditação e na vida, aquele espaço, aquela sensação. Fu.

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O fu no sexo e em qualquer experiência

Com esses dois baques, passei algum tempo abismado de como o fu sempre esteve presente em minha vida e eu nunca percebi.

Depois de cada respiração, o fu é onde se define se você vai respirar de novo. Depois de cada passo, o fu é onde se define se você dará um novo passo ou mudará de direção. No bar, enquanto ela fica calada e você toma mais um gole, o fu é onde se define se você a levará para cama ou se ela vai cruzar os braços e falar que você é um idiota.

O fu é o respiro, a brecha, a espacialidade. Onde se decide se o sangue corre, se o suor espalha, se você morre ou vive. Porque não há coisa alguma, tudo pode partir dali.

Este espaço, meu amigo, é a própria liberdade. Quantos filmes você já viu, quantas histórias você já viveu em que ambos estão brigando e surge um silêncio antes de uma mudança abrupta? Olho no olho, espaço com espaço, e do nada a briga já não é mais briga. É pegada, tesão, potência, putaria.

Link vídeo | Uma das melhores cenas de sexo… Percebeu o momento do fu?

Ou lembre daquele momento em que você estava com ela e a coisa perdeu o sentido. Já sem tanta conexão, querendo gozar logo, de repente vocês pararam, se olharam, e então tudo ganhou cor de novo, como se vocês tivessem pausado e apertado “play” novamente.

“Existem segundos pensamentos ocorrendo a cada momento em que você age. Há hesitação, e da hesitação, ou abertura, você pode ir para frente ou para trás. Mudar o fluxo do carma acontece nesta abertura. Então a abertura é muito útil. É nela que você dá nascimento a uma nova vida.” –Chögyam Trungpa, em The truth of suffering and the path of liberation

“Quando silenciamos sempre surge algum nível de lucidez. […] Em qualquer momento, mesmo já tendo construído algo, nós temos a possibilidade de fazer assim [estala os dedos] e criar uma outra coisa.” –Lama Padma Samten (ensinamento em áudio sobre liberdade não-causal)

Como cultivar o fu

As pistas que compartilhei aqui podem servir para que você experimente esse espaço de respiro, basta testar. Mas há incontáveis outros caminhos para viver com mais espaço, com mais liberdade, com mais fu.

Os métodos mais diretos que conheço são pela meditação silenciosa, pelo contato com a natureza e pelo ritmo. E vocês? Quais experiências já tiveram com isso que chamei de fu?

Arte: Fabio Rodrigues (clique para fazer download do wallpaper)

Cleyton Bruno

Arquiteto de software e aspirante a escritor. Mantém os projetos <a>"Oceano de Dharma"</a> e <a href="http://www.queropensar.com.br/">"Quero Pensar"</a>."