Em dado momento, quando um barbudo David Letterman pergunta ao ex-presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, se ele novamente se candidataria para uma terceira administração caso a lei americana assim permitisse, ele diz que não, porque sua esposa Michelle o deixaria caso acontecesse.

E aí que vem a pequena mágica que me deixou encafifado por dias. Ele diz exatamente assim:

“Michelle would leave me. I want her around.”

"A Michelle me largaria. E eu quero ela por perto"

Agora esquece o Obama. 

A frase é o que importa. "Eu quero ela por perto". Talvez até só tenha sido pronunciada com essas exatas palavras por conta da língua inglesa e seu caráter mais sintético, mas é de uma doçura sem tamanho.

A gente fala "eu sou dela e ela é minha", "volta pra mim", "te amo tanto que até dói", uma coisa de posse, de urgência, de necessidade. Isso é romântico até o osso e perigoso em vários sentidos, já que essas construções de frases denotam exigência, condicionamento, quase uma fatalidade e não a coisa leve desse "eu quero ela por perto".

Reparem na noção de parceria. Querer alguém "por perto" já de cara dá um alívio, uma sensação de espaço e, mais ainda, uma percepção clara de impermanência, do finito. Querer alguém "por perto", "por aí", já deixa imputada a insegurança natural de qualquer relação, a sensação de perecível, transitório, de que tudo mesmo pode acontecer, até a possibilidade de a outra pessoa não estar mais por perto. Ao contrário do "Você ainda vai ser minha" ou do "Era pra ser, era pra gente ficar junto mesmo" ou então o bom e velho "a gente se completa", afirmações contundentes, fechadas, cercadas. Com isso em mente, de que não tem outra opção a não ser o "ficar juntos", passamos a criar e acumular sofrimento, fechamos todo um leque de opções para nossas vidas e as vidas das pessoas que tanto queremos bem.

Uma relação é parceria. É avançar juntos para pontos não determinados, até onde a vista alcança e mais um pouco. Por que limitar essa caminhada num único trajeto? Ter alguém por perto não significa perdê-la ou ter menos dela, mas simplesmente criar um ambiente, uma estrutura de rotina em que cada ser tem seu próprio universo em que o outro, vez ou outra, com maior ou menos intensidade, orbita como achar mais prazeiroso. Porque em toda relação que vai ganhando mais prazo, haverá uma oscilação natural de atenção, seja o emprego novo, as contas pesadas pra pagar ou um mestrado que vai sugar toda a energia propositiva da outra pessoa. Imagine então oito anos de um mandato como presidente? Como dizer "mas você é minha" em quase uma década em que a pessoa ao seu lado é a décima oitava prioridade?

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Agora, essa relação pode seguir saudável e tão estimulante quanto, se cada um entender seu momento e se ambos souberem aproveitar as ondas de maior aproximação, seguindo juntos, avançando juntos, criando situações e espaços para que os dois (ou três ou quatro, não precisamos limitar, né?) avancem em diversos âmbitos, profissional e pessoal, no mundo interno, até nas relações amorosas caso seja o combinado. 

É a importância de se perceber coadjuvante. De se ver menor e compreender que isso é positivo, ou melhor, parte do processo.

Menos peso e mais vontade.

Uma delícia só.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados