Aquele assovio brega do Whatsapp recebendo mensagem e o corpo todo começa a latejar. Pipoca mais outra vez e de novo. Uma sequência de mensagens da namorada dele. De novo.

Os eventos se repetiam, um loop de conversas de dois dias via mensagens, coisa de brincadeiras de futebol, o disco novo do Radiohead. Tá frio, como você tá vestida, tá linda hoje, o abraço que encaixa, as lembranças do último encontro, tô na região, desce, casa dele, sexo e suor, disponível, exibida, atenta. Um papo incrível depois, pelados, ela deitada e ele sentado, mãos na pele dela, dedos nos pelos dele. Fora Temer, aqueles vídeos de receitas deliciosas feitas em um minuto filmadas por cima, uma tortura ver delícias depois da foda, eu quero voltar, mas você namora, eu vou terminar, você já disse isso, agora vai de vez, metem mais uma vez, dormem. 

E logo cedo, as mensagens. Explodem nos ouvido, é uma atrás da outra, um sinal claro de quem quer ser ouvido e sabe estar sendo sumariamente ignorado. Ele nem se mexe. Ela se vira de barriga para cima e vê a claridade que vence as cortinar fazer uma mancha esbranquiçada no teto. Cheiro pesado no quarto fechado. Cigarro e culpa. Os momentos eram únicos, mas o contexto não podia ser pior. Voltou pra casa dos pais no interior quando acabou o trabalho e terminaram. Ele fez todo um esforço para ajudá-la, entregava currículos para amigos, parente, conhecidos, em redações que pegava o endereço pela Internet. Meses depois conseguiu. Um baita projeto. Uma oportunidade. E ela voltou.

Somava o desejo de recompensá-lo com a vontade de tê-lo. De novo. Mas quando retornou e se instalou na casa de uma amiga, ele estava namorando. Coisa de maldição, acaso atrasado. Na mesma semana. Ela bota os pés na cidade e a menina que ele estava saindo o pede em namoro. Ele aceita. Ela prefere não conhecê-la. Ele a leva ao endereço do novo trabalho e eles se beijam. Ela diz estar confusa e ele confirma sempre saber que voltariam.

Começam a sair. Transam sempre que se veem. Ela promete para si ser a última vez. Eles transam de novo. Conversam conversas cada vez mais acertadas, como se fosse tudo ensaiado, encaixado, mágico. Risada, gostos, apoio. Mas a comparação na cabeça dela era constante. Se ele não termina, é porque ela é melhor. Terminamos rápido, não teve esse entrave todo, então o nosso relacionamento não era tão interessante. Será que ela é melhor que eu na cama? O Whatsapp fica ensandecido. Apitos, sibilos, gritaria, insistência. Ele se mexe. Senta-se no canto da cama, desliga o celular. Ela começa a desvirar o jeans pra se enfiar nele e cair fora. 

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Ele salta da cama e dá um abraço. Aquele de aninhar. O enlace é quente. Familiar. Ela amolece o corpo dentro dele. Ele pede desculpas. Pede pra ela se sentar. Levanta os dois indicadores para cima e bota pra fora sua grande ideia. "Quer saber? Vou fazer pra gente umas panquecas!". Ela adora panquecas, aquelas americanas de filmes. Ele sabe fazer umas. Perfeitas.

Xícara com farinha de trigo, açúcar, fermento em pó e dois ovos levemente batidos. Leite, manteiga derretida, sal e óleo. Mistura umas coisas num pote e outras noutro pote. o grande segredo tá no ponto da massa, não líquida demais. Tem que escorrer. Fritou, virou, encheu de chocolate ou geleias e não tem erro. Sucão de laranja pra ajudar a descer. Lavar a garganta. 

Entra com a brincadeira toda em cima de uma bandeja. Não tem ninguém no quarto. O telefone dela começa a receber notificação atrás de notificação. Não é o assovio brega, só um "plim" mesmo, do mais simples. Mas o desespero é o mesmo. Ela respira, segura o aparelho e aperta o botão. A tela fica preta. No dia seguinte ela trocou o número. Ele não foi procurá-la no trabalho.

O amor cansa.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados