O Fórum Brasileiro de Segurança Pública encomendou uma pesquisa que trata da percepção sobre violência sexual e o atendimento a mulheres vítimas nas instituições policiais.

Alguns dos dados ficaram em evidência nas discussões. Por exemplo, 30% dos homens concordaram que, dependendo da peça escolhida para sair de casa, a mulher não tem o direito de reclamar sobre uma possível agressão sexual, o que acaba culpabilizando a vítima.

30% das mulheres pensam da mesma forma. 

O primeiro comentário que eu li sobre o assunto foi de um amigo, dizendo que “pior do que ver a resposta dos homens é ver a das mulheres”. Num primeiro momento, minha reação foi péssima. Como assim? Você continua culpando as mulheres?

Depois de algumas voltas nos meus pensamentos, me dei conta de que aquela frase poderia fazer sentido de alguma forma.

É exaustivo repetir o óbvio a todo momento. A culpa do estupro nunca é da vítima, batom vermelho não é marca de promiscuidade, o tamanho da saia não importa, lugar de mulher é onde ela quiser.

Também é exaustivo escutar sempre a mesma coisa, tenho certeza.

Mas, claro, partir do principio de que as pessoas tem as mesmas informações, ou possuem experiências semelhantes o suficiente para chegarem nas mesmas conclusões, também não é saudável. Ninguém nasce descontruidão, e eu arriscaria dizer que vamos morrer sem saber o que é ficar livre de preconceitos, porque crescemos dentro de uma cultura que nos aprisiona e nos condiciona a pensar de um modo x.

Isso não quer dizer que a gente deva se conformar, sentar na grama e aplaudir o sol.

Quando 30% dos homens culpabilizam mulheres, alguma coisa vai mal. Quando 30% das mulheres concordam, as coisas vão muito mal: significa que tá dando certo.

Como assim?

No momento em que o oprimido repete o discurso do opressor, significa que o sistema excludente está funcionando bem, a ponto de levar alguém a concordar com algo danoso a si próprio (seja como indivíduo, seja como classe política). Nós, mulheres, não nos beneficiamos de maneira alguma com a misoginia e o machismo. Mas essas práticas estão enraizadas de uma forma tão profunda, que alguns homens continuam a praticá-las e mulheres a reproduzi-las. 

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Diante desse cenário, a própria pesquisa, que está disponível em pdf, aponta caminhos para quebrar o ciclo. Muitos dos dados presentes nela se contradizem, de certa forma. A impressão que se tem é de que, ao mesmo tempo que há culpabilização da vítima nas respostas, há uma necessidade de encontrar uma saída para o problema. 

Para 91% dos entrevistados, por exemplo, é preciso ensinar meninos a não estuprar.

53% acham que as leis brasileiras protegem os estupradores.  

Essas são estatísticas positivas, que mostram um avanço a passos curtos no assunto. 

O objetivo da pesquisa do FBSP era justamente fomentar o diálogo acerca do tema, incluindo nele a sociedade civil, órgãos públicos, academia e instituições policiais, até porque a luta para diminuição das desigualdades de gênero deve ser de todos.

É triste saber que muita gente ainda concorda com a frase “A mulher que usa roupas provocativas não pode reclamar se for estuprada”. É desanimador que ainda seja necessário repetir o quanto estuprar é errado. Mas apesar do cansaço de girar em torno desse mesmo assunto, é urgente que os debates continuem e, mais do que isso, que sejam colocadas em prática medidas para mudar o quadro atual.

Você pode dar uma olhada em alguns textos aqui do PdH que ajudam nessa caminhada, como o 9 ações para contribuirmos com a igualdade de gênero na prática e 14 ações para combater a cultura do estupro.

Continuemos a luta!

Carol Rocha

Leonina não praticante. Produziu a série <a> Nossa História Invisível</a>