A caixa com álbuns de família e o HD com pastas de fotos de antigas guardam imagens daqueles que amamos. São fotografias marcadas por um filtro de nostalgia e registram  não só nossas histórias, como também o espirito de uma época: as roupas, as casas, as festinhas de aniversários, as relações…

Foto por Carolina Ferreira

"A Fotografia Documental de Família é um gênero comercial bastante novo",  conta pra gente Giovanna Guiotti que, junto de Manu Rigoni, fundou o Diretório Fotografia Documental de Família.

O que é fotografia documental de família?

"Em oposição aos momentos idealizados, ela busca registrar aqueles que são reais e acontecem no dia-a-dia das famílias, independente da direção do fotógrafo.

Acreditamos na força do real, na beleza do cotidiano, na existência do caos. Queremos mostrar para as famílias que, da birra ao abraço, todos os momentos são importantes, e que a perfeição, de verdade, não existe!", explica Giovanna

Foto por Rafael Rosa

"Por seu papel de evocar emoções e recuperar memórias, a fotografia acabou privilegiando apenas uma parte de nós, selecionando momentos eliciadores de sensações agradáveis. Assim, a câmera se torna míope para a morte, para a doença, para o envelhecimento, para o choro, para o sofrimento, para a queda, para a cara lavada, para a casa desorganizada, para a roupa desalinhada, para a birra e para o cansaço, por exemplo.

E como o que é visto é tido como real, quanto mais imagens positivas são publicadas, e negativas deletadas, maior a confirmação de que são o ideal a ser perseguido, gerando uma crescente bola de neve, que esmaga a originalidade e a autenticidade, deixando um rastro de estresse, ansiedade e angústia."

Foto por Giovanna Guiotti

Além dos ensaios de casamentos e aniversários, as fotos do dia-a-dia deixam registros do que era o cotidiano de uma família.

Para nós do PapodeHomem, ver  registros em fotos e referências de homens da vida real vivendo o cotidiano familiar para além da "caixa do homem",  é peça chave pra jogar luz em outras possibilidades de existência, na diversidade das masculinidades. 

Conversamos com o fotógrafo Lisandro Castro (que também faz parte do diretório) e ele falou sobre o dia-a-dia desse trabalho e também sobre as masculinidades que se refletem nas fotografias.

Foto por Lisandro Castro

 O baú de família é registro histórico

Foto por Lou Bueno

Como começou o interesse e o trabalho com fotografia da família?

"Minha mãe sempre guardou um baú de fotos em casa. Eu sempre gostei de fuçar nas fotos e chegou um momento em que eu não sabia se a minha memória de infância era por conta das fotos, de coisas que eu vi no baú, ou coisas que eu lembro mesmo.

Como fotógrafo a sensação que eu gosto de dar pras pessoas é que eles tenham essa noção, de quão importante é a gente ver o que está vivendo e guardar isso pra, no futuro, também conseguir se lembrar e reviver."

 Como captar um dia real da família?

Foto por Simone Ribeiro

​"A gente trata toda fotografia como documento. Quando a gente fala de fotografia documental é aquela coisa quase fotojornalismo, de registrar aquilo que se vê sem interferência.

Uma das opções é passar um dia inteiro com a família e fazer como se fosse um documentário da rotina.

A gente vai contando estas pequenas histórias do dia, eu costumo dizer que são essas pequenas histórias que formam o todo: acordar, escovar os dentes, brincar com as crianças, a família…

São essas coisas que a gente faz e não percebe, mas depois quando olha na foto percebe: 'nossa é isso que a gente é!'."

Foto por Adriana Costa

"A gente tenta mostrar as coisas sem interferência, mas a gente entende que estando na casa de alguém a gente já está interferindo né? Porque quando você recebe uma visita você não age da mesma forma que se não tivesse ninguém na sua casa.

As pessoas vão querer mostrar o que elas querem guardar. As mais desprendidas as vezes conseguem ficar de boa… Às vezes rola uma treta ou outra na família. Isso é normal, principalmente com criança." 

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As famílias estão mudando? 

Lisandro tem retratado famílias desde 2014 e comentou sobre as mudanças que observa:

"Nesse tempo eu percebi que tem algumas mudanças, sim. Fotografei famílias que o pai é o que cuida mais e o mãe é a que trabalha mais, por exemplo (o que seria a inversão do que a gente foi acostumado a ver e aprendeu que era o tradicional).

Eu já fotografei famílias assim, mas ainda vejo que a maioria é o pai provedor e a mãe se desdobrando pra limpar e fazer outras coisas. 

Essa coisa da sociedade esperar da gente que a gente seja o macho alfa, provedor, do homem falar pro filho 'engole o choro'… Desde cedo a gente aprende que o homem não pode demonstrar sentimento.

A gente acaba vendo essas coisas na fotografia de família mas também a gente acaba vendo que tem muita coisa mudando, têm pais mais conscientes, que ensinam o filho de outra forma.

Acredito que essa sensibilidade de perceber a foto, o documento da família como um  valor histórico de família vem principalmente da mãe (na minha família, apesar do meu pai ser muito carinhoso, foi minha mãe que fotografava, que guardou o baú).

Mas a gente quer que os pais também tenham isso e, por isso, que a gente tem que debater mais, falar sobre isso, falar sobre os pais."

Foto por Rafael Rosa

Refletir sobre fotografia de famílias é refletir sobre masculinidades?

"A gente conversou muito sobre o documentário, O silêncio dos homens, e a gente vê tudo muito traduzido nas fotografias.

A arte, às vezes ela é controversa, as vezes causa reflexão sobre um tempo, sobre um comportamento de uma época. E acho que a gente está passando por isso na fotografia documental."

Foto por Karol Saadi

O Diretório é um espaço em que os fotógrafos que enxergam esse cotidiano muitas vezes trabalhando sozinhos, podem se reunir para conversar, refletir, trocar pontos de vistas e isso inclui reflexões sobre os modelos não só de "como a família deve ser", mas também de "como os homens devem ser."

"Da parte das masculinidades, a gente tenta, o tempo inteiro, desconstruir e aprender. 

A gente sabe que não é fácil, que a gente vai cometer deslizes, falar bobagens vez ou outra… E elas [Giovanna e Manu] também ajudam muito a gente, de mostrar o que a gente ainda faz de errado.

É muito importante aprender a ouvir. 

A gente tenta se desconstruir, entender e reproduzir isso na fotografia: mostrar recortes e mostrar que a vida em família não é só a mulher trabalhando e o pai de perna pra cima.

Acho que a gente tem um papel importante em contar a história e mostrar que as coisas não tem que ser assim"

Foto por Carol Belini

​Documentar rotinas e voltar para a sua:

"Me mudou muito, principalmente depois que eu tive os meus filhos, me aproximou muito mais.

Eu fotografo muito na minha casa ainda: durante a pandemia eu fiz um diário da pandemia registrando nossa rotina. Até pra mostrar pros meus filhos no futuro como eles estavam, como eles passaram por isso, se uniram ainda mais durante a pandemia. 

Quando eu estou com outras famílias eu acabo sempre projetando a minha ali. Então volto pra casa cheio de saudades, querendo estar com meus filhos,  registrar mais, de guardar mais as coisas que a gente vive junto, sinto falta de ter um fotógrafo também me fotografando pra guardar aquilo. (Eu já fiz isso também).

Os fotógrafos gostam de fotografar a família um do outro. Acho que é por isso. Quando a gente vai fotografar a gente fica querendo ter pra gente também"

E você? Guarda os registros do dia-a-dia da sua família?

Conte pra gente nos comentários como você costuma registra e guardar os tesouros da rotina em família.

​Um mergulhos nas fotografias documentais de algumas família:

Foto por Lou Bueno
Foto por Marcos Paulo
Foto por Cris Mota
Foto por Juliana Pacheco
Foto por Daniel Freitas
Foto por Daniel Freitas
Foto por Giovanna Guiotti
Foto por Juliana Pacheco
Foto por Lisandro Castro
Foto por Raquel O'Czerny
Foto por Raquel O'Czerny 
Foto por Thiago Braga
Foto por Thiago Braga

 

Gabriella Feola

Editora do Papo de Homem e autora do livro <a href="https://www.amazon.com.br/Amulherar-se-repert%C3%B3rio-constru%C3%A7%C3%A3o-sexualidade-feminina-ebook/dp/B07GBSNST1">Amulherar-se" </a>. Atualmente também sou mestranda da ECA USP