Tempo atrás meu amigo de infância que tem uma memória implacável me lembrou como foi o dia que a gente se conheceu, aos sete anos de idade. Eu havia esquecido completamente dessa cena, mas à medida que ele foi relembrando nos mínimos detalhes o que nós e nossos pais conversamos, o que estávamos fazendo e quais foram as nossas reações, eu comecei a recriar a cena inteira na memória.
Lembrei que era um fim de tarde de um dia um pouco nublado, do som dos cachorros da casa dele latindo, do cheiro da maresia do Guarujá e da terra batida do asfalto. Lembrei que estava um pouco emburrado porque meu pai não deixou eu levar o videogame para a viagem e que sentia saudades da minha mãe.
A cada detalhe que ele contava, mais nítida e viva ficava a cena em minha memória. Foi como uma mini viagem no tempo para a nossa infância por alguns segundos e foi legal demais.
Quando a Clara nasceu, me vi registrando cada pedacinho e momento juntos na esperança de que a gente conseguisse, mais pra frente, saborear essas lembranças do mesmo jeito que fiz com meu amigo.
Foi aí que minha esposa, Nathalia, teve a ideia de criar um e-mail para a Clara. Desde o nascimento ela já vinha anotando num bloco de notas no celular todas as gracinhas, novidades e coisinhas da rotina que aconteciam com a nossa filha. Mas quando percebeu que provavelmente isso iria se perder em algum momento e que haveria grandes chances da nossa filha nunca chegar a saber disso, soubemos que queríamos algo mais concreto, definitivo.
Um blog poderia ser muito expositivo para falarmos dos nossos sentimentos e intimidades com ela, então a ideia genial da Nat foi criar uma simples conta de e-mail. Assim, poderíamos compartilhar aos pouquinhos desde levianidades como vídeos, fotos e besteiras como “hoje nasceu seu primeiro dente” e “hoje você falou papai” até textões nos quais abrimos o nosso coração para ela.
Se já é legal rever um álbum antigo com 24 fotos, imagina ter um baú virtual gigantesco de memórias da sua infância na caixa de entrada do seu e-mail? Espero que ela goste, e eu vou certamente pirar – e passar um pouco de vergonha também – quando reler o que escrevi daqui a 10, 20 ou 30 anos.
Só torço para que o Gmail ainda exista até lá.
Sei que pra muita gente pode não ser tão fácil soltar os dedos sobre um teclado pra falar sobre sentimento. A gente tem mil travas, mas escrever sobre elas pra quem a gente mais ama pode ser um exercício de paternidade bem sensível, que deixa a gente bem mais livre pra dizer aos nossos filhos que eles são amados.
Pra inspirar quem tá a fim de começar um projeto desses mas não sabe muito como, deixo aqui o meu primeiro e-mail à Clara.
“Oi filha,
Demorei para te escrever desde que sua mãe criou esse email.
Mas eu sou meio assim, um pouco mais fechado e com dificuldade de falar sobre meus sentimentos.
Não sei com que idade você estará quando ler esse primeiro email, então, se você não entender alguma coisa, me chame para lermos juntos e eu te explicar.
Semana passada escrevi um texto falando sobre como foi ser pai, dos primeiros dias que a sua mãe ficou grávida até o seu aniversário de um ano. Mais de 25 mil pessoas leram e gostaram bastante, para você ter uma ideia, 25 mil pessoas da para encher metade de um estádio de futebol. É bastante gente!
Hoje fomos passear pelo bairro de manhã, apesar do sol, está muito frio em São Paulo, você foi dentro de uma bolsa de carregar nenêm, encaixada na minha barriga, ficamos bem quentinhos juntos e você dormiu depois de 5 minutos. Enquanto passeávamos, sua mãe ficou em casa arrumando as malas para ir para Santo André na casa da sua vó Fátima, sua bisavó Maria não estava muito bem de saúde e sua mãe queria ir visita-la no hospital.
Pode ser que quando você estiver lendo esse email sua bisavó Maria não esteja mais viva, mas saiba que vocês se conheceram e brincaram juntas já! Temos até foto para provar.
Almoçamos na casa da sua avó Tsunae
Hoje você tem 1 ano e 15 dias e pesa mais ou menos 10kg.
Você está quase andando, consegue andar super bem de mãos dadas mas tem medo de andar sozinha por conta de alguns tombos que tomou.
Você já fala mamãe, mamá, papai, painho, vovó, vovô, miau, nham nham (para dizer que está com fome), não (você diz “nari nari nari” e balança os dedinhos) e mais algumas coisinhas.
Você entende quase tudo que falamos e consegue identificar animais e objetos.
Você come de tudo, frutas, carnes, legumes, cereais, mas suas comidas favoritas são melancia e ovo. E modéstia à parte, o pai sabe fazer um ovo mexido delicioso.
Aqui abaixo é o texto que o pai escreveu, espero que você goste! Eu fiquei tao feliz com o resultado desse texto que estou pensando em escrever a cada 15 dias sobre minha experiência de ser pai. Será que vai dar certo? Espero poder ajudar mais homens a entender sobre a paternidade.
Um beijo do seu pai que te ama”
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