Amo pés. Olhá-los, ouvi-los, tocá-los, cheirá-los, saboreá-los.
O que se pode fazer com um olhar?
A maioria das mulheres gosta de dizer que o mais lhes atrai nos homens são os olhos. Acho isso de uma falta de imaginação tremenda.
Meu maior tesão, mais do que pés, meu tesão como homem e como romancista, é penetrar na mente das pessoas, entrar dentro delas, saber quem são, o que são, como ficaram assim e o que se tornarão. Não consigo imaginar nenhum escritor que não tenha esse tesão primordial. E, para entrar dentro de alguém, o portão são os olhos.
Mas olhos excitam minha curiosidade, provavelmente meu amor, mas não aquele tesão primordial que arrebata o pau.
Olhos são para o amor, não para o sexo. Olhos me atraem, mas não me excitam. Afinal, o que se pode fazer com um olhar – a não ser olhar pra ele de volta?
Eu sou muito pouco visual e excessivamente sinestésico. O que me vem somente pelos olhos raramente conseguirá me excitar. Preciso de tudo, junto, o tempo todo.
Então, se gosto de pés, então, é pelo seguinte:
Pés são para ser vistos
Eu gosto de ver pés.
Admiro a curva acentuada do arco, as dobrinhas nas solas, as veias azuis no peito, o movimento vivaz dos dedos.
Quanto mais vivos os dedinhos, maior o meu tesão. Uma mulher mexendo os dedos dos pés pra mim é capaz de me fazer largar qualquer coisa. Visualmente falando, só mãos e cabelo tem tanto movimento quanto os pés. Movimento é vida, movimento é sexo.
Tenho até uma posição favorita, na foto acima: me parece que os pés ficam mais sinistros assim, como se preparados para o mal. Malu fazia isso pra me dar beliscões com os pés, e era uma delícia: uma forma de usar os dedos dos pés para ser malvada. (E eu adoro mulheres malvadas.)
Nada me tira da cabeça que essas mulheres que equilibram o sapato nos dedinhos e balançam (em inglês, “dangling“) sabem exatamente o efeito que isso tem nos pobres homens. Já fiquei mais de uma vez imobilizado e hipnotizado em lugares públicos, incapaz de tirar os olhos de uma sandália que balançava pra lá e pra cá, uma tirinha de couro displicentemente enrolada em um belo dedão.
O que também me hipnotiza: aquelas tornozeleiras com pingentes, que balançam ao ritmo do andar, e que me põem como um cachorro bobo acompanhando o osso na mão do dono. Para não falar, claro, dos sempre deliciosos anéis de dedo do pé, outra deliciosa moda que parece estar desaparecendo.
Adoro cor nas unhas, ainda mais quando vivas e exóticas, prateado, azul, verde, amarelo, laranja, preto, roxo. A cor do esmalte diz muito sobre uma mulher: quem pinta a unha de um rosinha básico está passando uma mensagem diferente daquela que pinta de preto. (E quem faz francesinha? Qual a mensagem? “Quero enlouquecer os homens”, só pode ser.)
Um dos meus rituais preferidos com Mariana era sair para comprar esmalte, rir dos nomes, decidir o clima, escolher cores. Um tesão.
Nada mais sexy (apesar de às vezes brega) do que desenhos nas unhas, com as mais diferentes mensagens, ideogramas japoneses, cores do clube e até uma caveira. Caveiras malvadas me seduzem, sempre.
A súbita visão de um par de pezinhos no painel de um carro, ou muito pior, de um par de pezinhos saindo languidamente pela janela do passageiro, já causou mais de uma morte no trânsito. Ainda bem que não dirijo mais.
A sola do pé tem cor. Amo as solas amarelinhas e cascudinha da Lúcia, que anda muito descalça. Adoro o contraste entre a sola branquinha e a pele escura da Myali. E quer coisa mais sexy e mais praieira do que a marca da tira das havaianas nos peitos dos pés das ratas de praia?
Moro no Rio e basta olhar os pés das moças para saber que estamos perto da praia: os dedinhos das cariocas são muito mais abertos e separados que os das paulistas ou nova iorquinas. Há sempre um generoso espaço ali entre o dedão e o segundo dedo que não se vê em muitas outras culturas. As moças que usam botas e sapatos fechados por décadas e décadas ficam com os dedos bem mais fechadinhos e apertadinhos que as ratas de praia que, nessa cidade abençoada, vão até ao teatro e jantares finos de dedinhos de fora.
(Os sapatos pré-históricos desapareceram, mas sabemos quando o ser humano começou a usar sapatos justamente pelas mudanças que eles causam nos pés de quem os usavam.)
Pés são para ser ouvidos
Eu gosto de ouvir pés.
Me excita o som dos passos suaves de pés descalços se aproximando brincalhões, o plaque-plaque das sandálias de dedo vindas da praia, o passo imperioso e algo sinistro das botas de salto, o delicioso claque da madeira dos tamancos.
Já morei num prédio com corredor de chão de mármore. Quando Gláucia vinha me visitar, sempre de saltos altos, eu já começava a ouvi-la lá do elevador, a cinquenta metros de distância, seus passos firmes e decididos ecoando pelas paredes do corredor. Antes mesmo de chegar em minha porta, eu já estava salivando mais que o cachorro de Pavlov, pau em riste, completamente condicionado, pronto pra todas.
Já escrevi um romance policial em que o mistério é solucionado porque o detetive, podólatra de carteirinha, consegue distinguir entre os sons de vários tipos de sapatos femininos. (Algo que a pobre assassina jamais imaginara, tolinha, que um homem hetero fosse capaz de fazer!)
Pés são para ser tocados
Eu gosto de tocar pés.
Enfiar o indicador entre cada dedinho, sentir as ruginhas e ondulações da sola, esfregar as unhas na calosidade dos calcanhares, umedecer as pontas dos meus dedos e passá-los lentamente na pele sensível e fininha do arco.
Gosto mais ainda de sentir aquela sola no meu rosto, andando sobre mim, these boots are made for walking, deitar no chão, fechar os olhos e me deliciar com uma mulher andando sobre meu corpo, pisando cuidadosamente nas minhas costas e coxas, sentindo o passo que começa com o contato do calcanhar e vai descendo, até ela espalmar seus dedos em meu corpo e tamborilá-los sobre minha pele, esfregar sua sola contra minha barba por fazer, saboreando as cosquinhas deliciosas, e pisar em mim como se eu fosse seu tapete particular.
Me dê uma sola do pé e eu te dou uma biografia.
Nada pode ser mais diferente do que a solinha do pé de uma menina urbana e bem-comportada, que cresceu dentro de casa, sempre de meia e chinelinho, e a sola do pé de uma moleca, que vai à praia descalça, que escala pedras quentes com os pés nus.
A solinha da primeira, branquinha e lisinha, às vezes mal pode ser tocada de tão sensível, sofre de muitas cócegas, mas é fácil fazê-la gozar só com a língua. Já a solinha da segunda, deliciosamente áspera e cascudinha, é um desafio constante, exige toda a minha experiência e perícia para ser estimulada. E são as duas igualmente lindas, gostosas, tesudas.
Nosso corpo é nossa história.
Pés são para ser cheirados
Eu gosto de cheirar pés.
O poder sexual do olfato é impressionante. Poucas coisas me fazem ir de zero a cem tão rápido, parece um daqueles testes comparativos de carro:
“é impressionante, meus amigos, ela tirou o sapato na cara dele e o homem foi de pinto encolhido a pau em riste em menos de dois segundos!”
Os cheiros de um pé saído de um sapato de couro e de uma melissa de plástico não poderiam ser mais diferentes – e mais deliciosos.
Ah, o raro prazer de descalçar um tênis depois da malhação, ou uma bota depois da danceteria: é como desembrulhar um presente, pegar nas mãos aqueles pezinhos quentes, tão pulsantes, tão vivos. O mero movimento dos dedinhos, subitamente livres e felizes, já é o suficiente para levantar aquele aroma verdadeiramente divino até o meu nariz e me colocar imediatamente no clima para sexo.
Depois de um suado dia no escritório, Amanda sempre me visitava ao final do expediente. Com o tempo, sem eu nunca pedir, passou a vir sempre de melissa. Tolinho, achei que fosse coincidência, até que um dia fui viajar e ela comentou:
“Eba, vou poder usar sandalinha a semana toda!”
Trabalhar o dia inteiro de melissa não era apenas um carinho para mim, mas também puro auto-interesse: segundo ela, o efeito em minha libido e performance sexual era fora de escala.
Melissas mereciam um capítulo a parte. A pior coisa de estar solteiro é não ter pra quem dar melissas.
Pés são para ser degustados
Eu gosto de provar pés.
Passo meus dedos entre cada dedinho e, depois, os enfio um a um na boca, como se tivesse acabado de raspar uma lata de leite moça. Em seguida, é a hora de passar minha língua diretamente entre cada dedo, acariciando delicamente aquela pele sensível e raramente tocada.
Chupo cada dedinho individualmente, sorvendo seu sabor como se fosse uma bala, e o gosto acaba rápido, em breve só consigo sentir o gosto de minha própria saliva, mas enquanto dura, ah, não há manjar dos deuses que se compare.
A pior coisa: antes de sair comigo pela primeira vez, Keila pesquisou meus gostos e se preparou para me agradar. Resultado: terminei a noite frustrado, com gosto de acetona e tênis pé baruel na língua. Argh.
Existem sabores melhores, como lamber um pezinho na volta da praia e sentir na língua aquele sabor suave do sal, do mar, do iodo.
Mordisco a pele dura do calcanhar, e passo a ponta, só a pontinha da língua, por toda a sola, sentindo aquele gosto sensacional, e palmilhando tactilmente cada ruguinha, cada ondulação, para por fim colocar o pé inteiro na boca e sentir os dedinhos mexendo alegremente lá dentro. Pés grandes são bons, pois há mais superfície para lamber; pés pequenos são bons, pois cabem inteiros na boca.
Uma viagem sensorial completa.
E isso é só o início. Depois, começo a subir pelo tornozelo.
Todas as fotos desse texto são da belíssima Cynthia Mendes, dona do site Princess Cy. Recomendo sem restrições.
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