E Oscar Wilde com a banda Charlie Brown? Crime e Castigo e Wesley Safadão? Saint-Exupéry e Molejo? Shakespeare e Chitãozinho e Xororó?
Esses universos aparentemente tão distantes foram fundidos nas mãos do desenhista Lucas Andrade. Apaixonado por livros – trabalhou na Livraria Cultura por sete anos, onde chegou a ser gerente –, ele teve a ideia de fazer vídeos narrando o resumo de obras clássicas da Literatura em ritmo de músicas brasileiras bastante conhecidas. A página batizada de Inquepediafoi o palco de todos esses encontros inusitados. Em um cenário simples, basicamente composto por papéis e canetas, Lucas vai desenhando as histórias que acompanham a música. O ingrediente principal desta mistura? Muito humor!
Lucas sempre adorou desenhar. O gosto pelos livros surgiu já depois de adulto. Somam-se esses fatores à enorme vontade de fazer parte da vlogosfera (universo de quem faz vídeos para internet) e voilá, nasceu o canal de vídeos no Youtube e no Facebook que entrega começo, meio e fim das histórias. “A graça do canal é fazer essa brincadeira. É ser contrário a essa onda de hoje de no spoilers, né? Se você não leu um livro que foi escrito há 200 anos atrás, desculpa, eu já estou autorizado a fazer spoiler”, diz já fazendo graça.
“Eu queria muito criar um canal de comunicação para que as pessoas descubram os livros, nem que seja pra falar: ‘Tá, já sei do que se trata e não gostei’. Ou então tem aquela pessoa que quer tirar onda na mesa do bar e, se o assunto for Dostoiévski, ela pode falar assim: ‘Cara, Crime e Castigo, escrito em 1866, se passa em São Petersburgo, Raskolnikov é o personagem…’, só de ter assistido ao canal, sabe?“
Ele leu todos os livros que viraram vídeo no canal e são deles as “letras” das “músicas”. Resumir histórias contadas em centenas de páginas e depois sincronizá-las com uma música de 3 ou 4 minutos não é tarefa fácil. “Como li os livros, fica mais fácil de resumir. E tento casar as histórias com músicas que tenham um pouco a ver. Por exemplo, tem uma música chamada ‘Infiel’ que tem tudo a ver com a história do Madame Bovary [obra-prima de Gustave Flaubert], então vou tentar casar isso”, conta.
Além de provocar boas risadas, a ideia do Inquepedia é democratizar o acesso à Literatura. “Acho que muita gente não lê porque a gente não tem interesse que muita gente leia. É que nem aquele ciuminho, sabe aquela banda que você gostava e ninguém conhecia? Aí quando ela faz sucesso, está no line-up do Lolla, aí você diz: ‘Ahh, eu gostava quando ninguém conhecia’. Sabe? Acho que tem um pouco disso”, reflete Lucas.
O Inquepedia nasceu de uma vontade de Lucas de ter um canal no Youtube para falar de livros, mas com um conceito diferente do que se vê normalmente. “Eu acho meio chato, às vezes, aquela linguagem de vloguer de 15 minutos. Eu não sou contra vídeos longos, eu adoro vídeos de 45 minutos, mas nem todo mundo quer ver a sua cara falando de um livro”, diz. “E às vezes, se você contar a história consegue despertar esse sentimentinho de: ‘Poxa, como Shakespeare é sensacional’, mostrar que: ‘Cara, o Rei Leão que você viu é Shakespeare. O filme 10 Coisas que Eu Odeio em Você é Shakespeare’. Sabe? Talvez seja uma forma de aproximar as pessoas da Literatura.”
“Se você pegar o Youtube, quantos canais, assim, na ponta da língua, bombam? Bombam mesmo? Quando eu falo ‘bomba’ é, assim, um ‘Porta dos Fundos’ da vida. Sobre livro, que é uma das coisas mais antigas que existe, não tem. Tem canais muito legais de literatura, só que a gente ainda não conseguiu popularizar.”
A Literatura é uma constante na vida profissional de Lucas, que trabalha atualmente em uma editora na parte Comercial e de Marketing. Ele é também o criador de um outro projeto que brinca com livros, autores, pensadores e otras cositas más… Copo Cotidiano, que se trata de criar desenhos de personagens em cima de… um copo descartável. “Começou até como uma brincadeira: ‘Eu vou desenhar um copo acordando. Vou desenhar um copo no banheiro. Vou desenhar um copo correndo’, depois falei assim: ‘Cara, e se rolar um da Frida Kahlo?’”. Aos poucos, passou a colocar breves informações sobre os pensadores, escritores e atores que ilustra. “Depois, ele começou a contar as histórias dos personagens nos copos. “Eu pensei que seria legal falar quantos anos faz que a Frida Kahlo morreu e onde ela nasceu e como foi a carreira dela. As pessoas hoje em dia, com esse mundo corrido, leem em pílulas”, reflete.
Hoje o Copo Cotidiano está parado, mas ainda é possível degustar do enorme cardápio de “celebridades” que estão ilustradas por Lucas. “Foi um projeto que deu muito certo. A página oficial do Facebook do Shakespeare compartilhou, do Allan Poe, da Frida Kahlo. Alcançou tanta gente, foi tão legal, conheci tanta gente por causa do Copo, que talvez volte um dia, talvez não, mas vai estar lá”, destaca Lucas.
Agora, Lucas está trabalhando para aperfeiçoar o Inquepedia e relançar uma série de vídeos em junho. “Eu estou batalhando pro meu sonho e pro sonho das pessoas que estão comigo. Porque eu prometi pra mim mesmo que eu faria das tripas coração pra trabalhar com o que eu gosto até o fim da minha vida”, destaca. “A gente está numa geração diferente né, que pensa um pouquinho fora da caixinha e não só no concurso público, não só naquilo. Então, quantas pessoas trabalham com o que realmente gostam? Vou tentar socar meus projetos goela abaixo na galera, até a gente ver uma coisa que dê certo, para que a gente continue falando sobre essas coisas: literatura, cinema, música, desenho, criação, seja o que for.”
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Nota da edição: Essa é uma republicação do Projeto Lupa.
Ele reúne depoimentos e fotos de profissionais ligados à arte de contar histórias. Apresentam escritores, roteiristas, jornalistas, contadores de histórias, dramaturgos, redatores publicitários, críticos literários, letristas musicais, entre tantos outros. São muitos personagens, com algo em comum: a paixão pelas palavras.
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