A armadilha é clara. Quem pega apenas esse recorte dos escritos de Vinicius de Moraes vai acumular muitas dores pela vida. Esse despedaçar de afirmações pode causar uma confusão danada, ave cruz, “alegria é a melhor coisa que existe, é assim como a luz no coração”.

Imagino um playboyzinho de quinta escrevendo essas baboseiras todas lá de cima do seu apartamento amplo em Ipanema, pés descalços, preguiça de pós almoço, uísque contrabandeado do Paraguai na mesinha de centro e rabiscando asneiras que as pessoas podem gostar. Ainda bem que temos mais que isso. 

Seguindo a fala do poeta Vinícius, “mas pra fazer um samba com beleza é preciso um bocado de tristeza”. Por essa, Cartola agradece e eu também.

A alegria faz o sangue esquentar? Pois bem, mas explosão mesmo só temos na inquietação da fossa, aquele desejo de morte ou de dor, como diria Lupicínio e Paulinho. É lindo ficar triste, cara! Perder as esperanças e as estribeiras, chorar feito condenado e se entregar mais uma vez. Aproveitar o jeito meio jururu, o momento cabisbaixo, a cara na lona e tirar beleza disso, intensidade, brilho, fineza! Outras perspectivas.

Na alegria, tudo é fácil, trivial, constante. Levanta cantarolando, sorri, come um café da manhã reforçado, vai pra academia. Chatão, né?

Ah, agora aqueles dias cinzas, a nuvenzinha pairando sobre a testa, as coisas dando errado e você tendo que resolver uma a uma, ponto por ponto, todas as falhas. Haja criatividade, companheiros e companheiras. O circo todo em polvorosa, é equilibrista e malabarista, sobra até pra papel de palhaço. Matou? Não, fortaleceu apenas.

Deus, que dó dos radiantes, dos satisfeitos, dos joviais e seus dentes brancos e alinhados, a completa falta de rugas. Ser alegre é ser triste, manja?

Agora, beber do desgosto é ficar bebinho de ideias, de maracutaias pra sair desse sufoco, desse descampado. A gente pede ajuda, faz amigos, enche a cara. Botamos no mundo a nós mesmos, venha pau e venha pedra.

Essa molecada que ri à toa

Contente você não ama, só dá uns pegas. A noite não é foda, no máximo, “agradável”. Aprazível. Ter na boca o amargor é justamente estar apto para saborear em alto grau o doce quando esse assim vier, de boca cheia. 

Altos e baixos, quebras, síncopes. É isso que queremos, é disso que necessitamos. “É preciso um bocado de tristeza. Senão, não se faz um samba não”. 

O bom humor contínuo só faz fazer é musiquinha de elevador.

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Jader Pires

É escritor e colunista do Papo de Homem. Escreve, a cada quinze dias, a coluna <a>Do Amor</a>. Tem dois livros publicados